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Senhoras e senhores, trago boas novas
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No apagar nas luzes do Ano da Graça de 2018, uma notícia auspiciosa: a ressurreição digital d’O Pasquim, semanário carioca publicado entre 1969 e 1991, criado por Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Prósperi e Claudius, adotado por, e adotante de: Paulo Francis, Sérgio Augusto, Millôr Fernandes, Ziraldo, Ivan Lessa, Henfil, Ruy Castro, Chico Anysio, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Jô Soares, Fernando Sabino, Otto Maria Carpeaux, Antônio Maria, Paulo Mendes Campos  e tantos, tantos outros, eventuais e inesquecíveis (apesar de eu os ter esquecido no momento. São as festas, são as comilanças).

O Pasquim não terá edições novas, bem entendido, mas todos os seus números estão em processo final de digitalização, e ficarão disponíveis em breve, no site da Biblioteca Nacional, a um toque do indicador, com sistema de buscas por autores, títulos, temas, palavras-chave, horóscopo, CPF etc. Eu fico realmente feliz com isso e recomendo a todos os meus leitores, amigos e inimigos, que leiam tudinho. Leiam para amar, leiam para odiar. Leiam.

Hoje, diante da polarização pré e pós eleitoral, a burritzia que se acotovela para achar lugar no governo ou na oposição talvez fizesse cara feia ao anárquico hebdomadário. Para a esquerda, ele seria muito de direita, politicamente incorreto, vulgar, machista, homofóbico, cínico; para a direita, ele seria muito de esquerda, politicamente correto, vulgar, feminista, gay, cínico. Isso é sinal de que aquela trupe mais acertou do que errou.

A verdade é que O Pasquim, entre erros e acertos, ações e omissões, crimes e castigos, pecados e perdões, foi tudo isso e mais um pouco, e é de tudo isso e mais um pouco que sentimos tanta falta. Além das ideias frescas (algumas nem tão frescas, lidas hoje, o que é natural) e da insubmissão, grande parte de quem escreveu naquele jornaleco despretensioso tinha de sobra o que não temos tido nem para o gasto: personalidade e talento.

Nem tudo se reduzia ou se resumia a opinar isto ou aquilo, sobre este ou aquele assunto. Que grande coisa é opinar! Eu opino, você opina, o Francisco Razzo opina – até meu pai, que com 230 canais na tevê de fibra ótica prefere assistir ao programa do Faustão, opina. Opiniões são como as partes carnudas e globulares que formam a parte posterior e superior da coxa. Em latim: nates. Em português escorreito: nádegas. Em português brasileiro: bunda.

Pois nates, nádegas, bundas e opiniões à parte, o que Millôr, Lessa, Francis e grande elenco fizeram foi digno de registro e de memória; e, ainda que inimitável, digno de imitação. As referências, o humor, as piadas internas e externas, as entrelinhas, os subentendidos, os mal-entendidos, as citações, as dicas, os trocadilhos, as resenhas, as entrevistas, as injúrias, os elogios: aprendi muito com eles todos, lendo, anos depois, as coletâneas que encontrava, e acompanhando o trabalho dos remanescentes, enquanto viveram. Que diria Millôr, sobre Bolsonaro? Que teria escrito Francis, sobre Dilma? Deus não nos permitiu saber.

Mas garanto que o mergulho gostoso nos arquivos da Biblioteca Nacional nos dará uma ideia do que diriam, escreveriam, com quem implicariam, de quem gozariam. Em um momento como esse nosso, conturbado e atrapalhado, em que atacar sistematicamente a imprensa é sinal de livre opinião; em que defender sistematicamente o governo (este ou anterior) é garantia de independência, duas ou três doses da falta de vergonha na cara e nas letras d’O Pasquim não nos farão mal algum. Antes uma imprensa livre para errar, que uma imprensa comprometida a somente acertar.

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