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A verdade sobre as fake news
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O Facebook, instituição das mais zelosas, anuncia que irá intensificar os esforços para coibir a disseminação de notícias falsas, já consagradas no espúrio léxico como “fake news”.

No Brasil, essa cruzada em busca do Santo Graal da Verdade Jornalística será empreendida com a ajuda de agências de verificação de notícias (fact-checking) como Lupa e Aos Fatos.

A propósito dos fatos, importa ressaltar que serão conferidas não apenas “notícias”, mas “publicações” em geral, todas classificadas de acordo com as seguintes categorias:

 

Verdadeiro

Verdadeiro, mas

Ainda é cedo para dizer

Exagerado

Contraditório

Insustentável

Falso

De olho

 

Só faltou um “Hoje não, amor, estou com dor de cabeça”.

Note-se que os únicos critérios objetivos (coisa mais antiga, isso) nessa taxonomia da informação resumem-se em dois: Verdadeiro e Falso. Todos os outros são de matiz subjetivo, interpretativo, cambiante.

Um “Verdadeiro, mas” pode significar a ponderação do autor a respeito daquilo que escreve: ele acredita em tal coisa, “mas” há senões. O “Ainda é cedo para dizer” diz tanto sobre a publicação quanto sobre quem a confere: se ainda é cedo para dizer que tal informação está errada, então é cedo para sequer julgar essa informação como suspeita.

O que vem a ser um “Exagerado”? Salvo se a referência for à canção do Cazuza, qualquer texto pode ser tido como exagerado. Suponhamos: “Estado Islâmico pode ser o responsável pelo atentado terrorista que vitimou trezentas pessoas em Berlim” – é exagero? é razoável? como é que eu fico nessa história?

Quanto ao “Contraditório”: a publicação contradiz suas próprias premissas? Isso, se for o caso, seria um defeito na argumentação, e não necessariamente na notícia. A contradição também pode ser apenas aparente; ou ainda: pode parecer contraditório somente para quem dela discorda, e porventura não tenha as mesmas referências.

De acordo com os paladinos da verdade, há também a publicação “Insustentável”, que vem a ser toda informação sobre a qual “não há dados públicos” que a comprovem. Em miúdos: se a Comissão Oficial da Verdade Pública não confirmar, é falso. Se não existe na Agência, não existe no mundo.

Aldous Huxley manda lembranças.

Por fim, a mais científica de todas: “De olho.” Isso mesmo: de olho. As agências, o Facebook, o governo, as corporações estão “de olho” nas publicações para ter certeza de que não nos desviamos do bom caminho. Mais ou menos como a mãe da gente: “Estou de olho em você, Gregório!”; “Não saia sem casaco, Enzo!”; Quero ver esse boletim, Valentina!”

Todo esse auê pretende resolver (na melhor e mais inocente das hipóteses) um problema que não existia há pouco tempo. As mídias sociais trouxeram um novo meio de criar e compartilhar informações, e agora se metem a regular quem cria e compartilha informações.

Dizem que a vitória de Donald Trump foi o estopim: ele venceu, não deveria ter vencido, a culpa é das pessoas que compartilham notícias falsas, democracia é bom mas nem tanto. Quando o candidato errado vence, tem de ver isso aí. A culpa não é do eleitor de Trump, que votou nele porque quis. Nem do eleitor democrata, que ficou em casa. A culpa de tudo é das mídias sociais.

Curiosamente, Barack Obama se orgulhava de ter sido o primeiro presidente a ser eleito pelo engajamento nas mídias sociais. Muito mais do que Trump, Obama é um fenômeno midiático, da novíssima mídia. Não fez nada, exatamente, para merecer a vitória – mas venceu. Tão hábil na retórica quanto Trump, com outro sabor: enquanto este soube dizer tudo aquilo que metade da população queria (ou precisava) ouvir, aquele fez o mesmo com a outra metade.

Nenhuma novidade. Obama não salvou o mundo, Trump não irá destruí-lo. E ambos são presidentes incidentais; cada um a seu modo, figuras sem muito fundo nem muitos contornos, que puderem vencer exatamente por isso: por falta de fundo e de contornos. A militância virtual fez o resto.

Eleições à parte, a continuar assim, o Facebook perderá relevância. A solução é, ou seria, mais simples do que parece. A melhor maneira de expulsar publicações ruins é promover boas publicações. Incentivar – e mesmo remunerar – os meios de comunicação a publicar na rede social. Mark Zuckerberg, entretanto, tomou o rumo contrário.

Se as publicações tiverem mesmo de passar sob o crivo muito pouco objetivo de meia dúzia de agências, em breve a mídia voltará às origens. Classificação não de notícias verdadeiras ou falsas, mas de mulheres: bonitas ou feias, hot or not. E vídeos de gatinhos, naturalmente.

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