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Leonard L. Brooke (OBI)
Leonard L. Brooke (OBI)| Foto:

II

O demagogo é uma espécie de mecenas e incentivador de discórdias — precisamente quando anuncia debelá-las. Ao exaltar a ideia de nação, de unidade nacional, de projeto comum, de classe, de estamentos ou castas; ao prometer pão, circo, saúde, trabalho, felicidade e uma expectativa de futuro — ele se torna fiador de uma dívida impagável, garantidor de direitos impossíveis. Ele a um só tempo consegue arregimentar seguidores dispostos a derramar sangue, suor e lágrimas e identificar os inimigos internos, os traidores, os golpistas, as elites, os devedores. Até mesmo os eleitores derrotados.

Demagogia é a gramática do político. O amor às multidões prenuncia seu extermínio, pois “o caráter demagógico e a intenção de influir sobre as massas são comuns a todos os partidos políticos atuais: por causa dessa intenção, todos são obrigados a transformar seus princípios em afrescos de estupidez, pintando-os nas paredes”,  e as disputas apaixonadas entre eleitores de um partido e de outro, as discussões invariavelmente fingidas entre candidatos eleitos ou por eleger descem, costumeiramente, ao obsceno. Não se trata de moralismo, de bons modos, de apreço pela nobreza de cargos e títulos, de intenções e sobrenomes, de sucessões e dinastias, mas do nível degradante a que chega a linguagem de que se faz uso para falar da coisa pública, que interessa a todos e a qualquer um.

“Nisso já não há o que fazer: é inútil erguer um só dedo contra isso, pois nesse âmbito vale o que afirmou Voltaire: quand la populace se mêle de raisonner, tout est perdu [quando o populacho começa a raciocinar, tudo está perdido].” (Nietzsche)

Alguns termos, frases e conceitos são comumente usados como símbolos de reivindicações, contrariedades, aspirações e esperanças em determinado contexto histórico. Ora será liberdade, ora será ordem; se hoje o que se rechaça é a desigualdade, amanhã o que se rejeitará é a escravidão.

O conteúdo objetivo importa menos que seu brilho, que sua ressonância, que sua maleabilidade política. O que se promete ou o que se rejeita tem de ser suficientemente plástico, vário e indefinido para que possa abarcar quaisquer programas, conceitos, preconceitos, protagonistas e coadjuvantes.

(continua)

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