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Uma entrevista sobre a crise
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Fiz uma entrevista com o professor Pedro H. Albuquerque, economista da Universidade do Minnesota, sobre a atual crise financeira nos EUA. Trechos dela foram publicados numa matéria da última terça-feira, sobre o pacote de estímulo fiscal do novo governo americano — que deve ir a votação no Congresso em meados de fevereiro. Para quem quiser acompanhar, o Pedro também tem um blog (em inglês).

1)Como o senhor avalia a equipe econômica de Obama?

Obama surpreendeu ao escolher economistas de primeira grandeza para sua equipe econômica, independentemente de vinculação com governos anteriores ou posições que contradizem alguns importantes princípios de ação do Partido Democrata, como Larry Summers e Christina Romer. Alguns esperavam escolhas mais radicais, de economistas ligados a grupos sindicais e que não teriam passagem pelo governo de Bill Clinton. As escolhas demonstram, porém, uma atitude mais conservadora que a apresentada durante a campanha, e frustraram as expectativas de vários grupos que o apoiaram. Será interessante observar como isto afetará sua imagem dentro do seu próprio partido no futuro. As escolhas também revelaram algumas dificuldades inesperadas, como os problemas com as declarações de imposto de renda de Tim Geithner, que foi indicado para a Secretaria do Tesouro, órgão responsável pela máquina de arrecadação tributária do governo federal. Cabe lembrar, porém, que a história americana apresenta vários exemplos de presidentes que se cercaram de bons economistas e, entretanto, nunca lhes deram ouvidos, preferindo adotar políticas econômicas equivocadas que, a despeito de criarem problemas econômicos, produzem benefícios políticos de curto prazo.

2) Qual é a teoria econômica por trás dessa ideia de que um pacote de estímulo fiscal pode reaquecer a economia? Quais os benefícios e os riscos do uso do dinheiro do Estado numa situação como a atual?

Trata-se de macroeconomia básica. A crise americana e européia, diferentemente da crise que chega ao Brasil, deve ser interpretada como crise de demanda agregada, decorrente da queda da riqueza e contração do crédito. As duas soluções de livro texto para crises deste tipo são o uso de políticas monetárias e fiscais expansionistas. A política monetária é sempre preferível à política fiscal, porém seus efeitos têm sido atenuados pela destruição do crédito como canal de transmissão. Assim, economistas e autoridades governamentais têm colocado suas esperanças na política fiscal como forma de reduzir a queda da demanda agregada. A palavra esperança deve ser ressaltada. Há vários problemas com o uso da política fiscal como medida expansionista. Ninguém sabe ao certo se as empresas e famílias não reduzirão seus gastos e investimentos como resultado do aumento das despesas governamentais ou da redução dos impostos. Além disso, há o perigo de que, na ânsia de estimular a economia, o governo acabe por promover gastos desnecessários que promovem comportamentos oportunistas e economicamente indesejáveis por parte dos agentes econômicos, prolongando a crise, como ocorreu durante a Grande Depressão. A política fiscal deveria, portanto, ser utilizada com grande cuidado. Infelizmente, a elaboração de pacotes de estímulo fiscal, como o atual pacote nos EUA, raramente segue princípios econômicos sólidos, e quase sempre termina sendo utilizada como instrumento para o avanço da presença do estado na economia, concentração de poder político, e oferecimento de vantagens econômicas a grupos politicamente privilegiados.

3) Algum paralelo pode ser traçado entre o atual momento e a Grande Depressão? Esse pacote do Obama tem alguma coisa de “New New Deal”?

Exceto por se tratar de uma crise de demanda com componentes financeiros, deveríamos evitar comparações entre as duas crises. Os EUA durante a Grande Depressão eram um país muito diferente dos EUA de hoje. O entendimento do funcionamento da economia também era muito mais precário naquela época. O problema de crédito que estamos observando durante esta crise é muito
diferente de todas as crises anteriores. A idéia do pacote do Obama como um “New New Deal” passa mais por questões de marketing político que por questões de política econômica. Obama dificilmente terá poder suficiente para estabelecer um “New New Deal”. Além disso, o próprio “New Deal” de FDR foi severamente limitado pelo Congresso e pela Corte Suprema americana. Devemos lembrar que os EUA são um país onde o poder político é muito mais descentralizado que no Brasil.

4) Há muita gente argumentando que a atual crise financeira não é uma crise de liquidez, como foi a Grande Depressão, e sim uma crise de falta de confiança. Se isso é certo (o senhor concorda?), então o governo americano pode estar cometendo um erro ao inundar os bancos com dinheiro, possivelmente até prolongando a recessão?

Sim, acredito que um componente importante da crise é realmente de confiança. Os governos têm agravado este problema ao aumentar a incerteza econômica. Fazem isto ao usar a crise como instrumento para o aumento do poder governamental. Eis um típico exemplo de ações do governo que prolongam crises sob o pretexto de encurtá-las. A despeito disso, do ponto de vista dos bancos centrais dos países desenvolvidos, acho que não há alternativa ao aumento da liquidez bancária. É necessário deixar claro a todos que participam no sistema financeiro que existe liquidez, e que nenhuma instituição falhará por problemas de liquidez. Deve ser notado, porém, que problemas de liquidez são diferentes de problemas de solvência. Um dos erros que têm sido cometidos durante esta crise é tentar resolver problemas de solvência por meio do aumento da liquidez bancária.

5) Como “curar” uma crise de confiança?

Deixando claro que o respeito às regras do jogo é uma prioridade, sendo transparente na execução das políticas de estímulo, garantindo tratamento equânime a todos agentes econômicos, e mostrando firmeza nas ações governamentais baseadas em sólidos princípios de gestão econômica. Infelizmente, estes preceitos não estão sendo observados por motivos de estratégia política de curto prazo. Crises econômicas são frequentemente utilizadas pelos governos como uma desculpa para oferecer vantagens a grupos politicamente privilegiados, como no caso das montadoras de automóveis, seus sindicatos e alguns grandes bancos e seguradoras.

6) Lawrence Summers, que fará parte da equipe econômica, disse que esse pacote de estímulo fiscal será um misto de corte de impostos e aumento de gastos. É a estratégia certa? Ou, entre as duas, qual deveria ser a política priorizada. Por quê?

Há muitos economistas que pensam que cortes de impostos são preferíveis a aumentos de gastos como instrumento de estímulo fiscal, e eu concordo com esta avaliação. Talvez Lawrence Summers pense diferentemente, ou talvez sua posição resulte da necessidade de alinhar seu discurso com o discurso político do partido democrata.

7) Ganhou certa fama a frase “Somos todos keynesianos agora”, para descrever o atual momento econômico. De que maneira essa crise vai afetar o modo como enxergamos o livre mercado e o capitalismo? Os libertários estão em baixa?

Idéias keynesianas voltam a ser discutidas, pois a crise nos países desenvolvidos é de demanda agregada. A despeito disso, o conhecimento econômico evoluiu muito após Keynes, assim referências ao ressurgimento do keynesianismo têm normalmente motivações políticas e não econômicas. Não devemos também nos esquecer que nos países em desenvolvimento a crise não
é de demanda, é de oferta. Referências a políticas keynesianas são simplesmente equivocadas neste caso. Isto se aplica ao Brasil, que sofre um choque de oferta substancial com a queda dos preços das commodities e redução de suas exportações. Uma boa parte desses efeitos está ainda por vir. A crise tem sido utilizada para atacar o livre mercado, o capitalismo e as liberdades individuais e econômicas. Não me surpreende este comportamento oportunista, pois ele sempre ocorre durante crises econômicas. Surpreende-me na verdade a resiliência das idéias libertárias ao enfrentar esta crise. Talvez tenhamos finalmente aprendido algo com a história. Ou talvez a existência de novas tecnologias de informação como a Internet esteja contribuindo para evitar o aumento do controle político sobre o fluxo de informações, dificultando assim a formação de consensos iliberais e despóticos.

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