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Apresentação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), ocorrida em abril de 2018 e presidida pelo então ministro Mendonça Filho.
Apresentação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), ocorrida em abril de 2018 e presidida pelo então ministro Mendonça Filho.| Foto: MEC/Divulgação

Vou começar, com este artigo, uma série de quatro textos para explicar, individualmente, os fundamentos essenciais de uma política educacional eficaz, ou seja, aquela que leva todos os alunos a aprender muito, levando-se em conta uma ambição acadêmica alinhada com a de países mais desenvolvidos que nós. Por exemplo, Inglaterra, Portugal, Singapura e Finlândia.

A “receita” que os governos desses países usaram se aplica tanto a redes de escolas públicas ou privadas, quanto a escolas isoladas e até mesmo ao ensino em ambiente doméstico. Sem esses quatro elementos bem desenhados e operacionalizados, não há santo ou mágico que dê conta de ensinar nem aos cães! Os ingredientes, que devem ser considerados na ordem em que estão sendo listados e com o propósito explicitado, são os seguintes: 1) currículo, uma lista organizada e clara do que deve ser aprendido a cada período letivo; 2) material didático de alta qualidade que traga várias opções sobre como apresentar os conceitos e procedimentos ditados pelo currículo aos educandos, além de exercícios que guiem o processo de aprendizagem de cada um dos objetivos; 3) avaliações bem feitas que possibilitem a verificação do aprendizado dos itens do currículo, individualmente, de modo a que se possa identificar dificuldades e apoiar o progresso dos alunos; e 4) capacidade didática para o educador, o que, genericamente, chamamos de formação docente – mas que serve para pais e outros tutores, incluindo os treinadores de cachorrinhos.

Para facilitar, vou ilustrar minha breve explicação sobre currículo mostrado o que os educadores de Paulofreireland (ler meu artigo anterior) foram capazes de fazer sob as nossas barbas (praticamente sem oposição, a não ser da mamãezinha chata que vos escreve). Apresentarei dois conjuntos de exemplos do que deve aparecer em um currículo, comparando com pérolas contidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse documento normativo, produzido por ONGs desde dentro do Ministério da Educação a partir de 2012 e homologado já no Governo Bolsonaro em 2019, foi vendido pela imprensa à nossa sociedade como sendo um grande avanço educacional e festejado pelos militantes da esquerda, pois finalmente tornaram obrigatório o ensino (que já era de cunho) marxista em todas as salas de aula.

Sem esses quatro elementos bem desenhados e operacionalizados, não há santo ou mágico que dê conta de ensinar nem aos cães

Afinal, o que é um currículo? Como já foi dito, é uma lista hierarquizada, lógica e explícita de objetivos de aprendizagem para um determinado fim pedagógico. É um texto do tipo injuntivo (guardem a curiosidade, pois haverá um artigo sobre tipologia de textos), como o são as receitas e as leis. Ou seja, textos que fazem com que o leitor aja, ou saiba que deve agir, de determinada forma. Para que isso ocorra, há uma sistemática a ser seguida: nas receitas, os ingredientes e suas quantidades são listados primeiro e , depois, de que forma e ordem devem ser usados. Em um currículo, a unidade normativa mínima que se busca é – analogamente ao artigo de cada lei – o que se chama no paulofreirês da BNCC de “habilidades”. Na verdade, são os tais “objetivos de aprendizagem”, os quais, obviamente, todos os alunos devem aprender. A sutileza de não os chamar de “objetivos de aprendizagem” é que se tira do foco a responsabilização sobre o que se espera que cada aluno aprenda por ir à escola. Portanto, que cada professor lhes deve ensinar, um parâmetro de “controle social” que os sindicalistas abominam. Esses objetivos devem, obrigatoriamente, 1) ser organizados em torno de cada disciplina – pois cada uma conta com cânones, conceitos e princípios próprios – e 2) ser listados em ordem de complexidade, pois é assim que o cérebro dos seres humanos aprende: de maneira cumulativa, do mais simples para o mais complicado.

Vamos aos exemplos. Sim, estão cheio de chatices técnicas, mas sem que os pais e cidadãos comuns entendam o buraco em que nos metemos, jamais dele sairemos. Força!

Para a BNCC, nossos alunos só podem ser considerados como tal a partir da tal “idade da razão”, aos 7 anos. Essa seria a única explicação lógica para seus formuladores terem deixado para a pré-escola (4 e 5 anos – etapa obrigatória e custeada pelos pagadores de impostos) e para o 1º ano do ensino fundamental apenas arremedos de atividades pedagógicas de cunho lúdico. Enquanto nossos anjinhos atrasados ficam com os rudimentos do “direito a brincar” que, na visão dos doutos das ONGs se opõe ao direito de aprender, seus pares em países desenvolvidos vão à escola desde pequenos para aproveitar a janela cerebral de aprendizagem descrita pela Ciência Cognitiva. Vamos ver?

Em Paulofreireland, as habilidades de compreensão de textos para os alunos de 1º e de 2º anos (6 e 7 anos de idade) são as seguintes:

(EF12LP02) Buscar, selecionar e ler, com a mediação do professor (leitura compartilhada), textos que circulam em meios impressos ou digitais, de acordo com as necessidades e interesses.

(EF12LP04) Ler e compreender, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor ou já com certa autonomia, listas, agendas, calendários, avisos, convites, receitas, instruções de montagem (digitais ou impressos), dentre outros gêneros do campo da vida cotidiana, considerando a situação comunicativa e o tema/assunto do texto e relacionando sua forma de organização à sua finalidade.

(EF12LP18) Apreciar poemas e outros textos versificados, observando rimas, sonoridades, jogos de palavras, reconhecendo seu pertencimento ao mundo imaginário e sua dimensão de encantamento, jogo e fruição.

E apenas para os de 2º ano, ou seja, apenas a partir dos 7 anos, os paulofreirenses podem:

(EF02LP26) Ler e compreender, com certa autonomia, textos literários, de gêneros variados, desenvolvendo o gosto pela leitura.

Agora vamos ver como é a normativa curricular na terra da finada Rainha Elizabeth II, onde os alunos entram no 1º ano com 5 anos:

[no 1º ano] Os alunos devem ser ensinados a:

- compreender tanto os livros que eles já podem ler com precisão e fluência quanto aqueles que ouvem:

= baseando-se no que eles já sabem ou em informações de fundo e vocabulário [do texto] fornecidos pelo professor;

= verificar se o texto faz sentido para eles à medida que lêem e corrigir leituras imprecisas;

= discutir o significado do título e eventos;

= fazer inferências com base no que está sendo dito e feito;

= prever o que pode acontecer com base no que foi lido até aquele ponto.

Percebam as seguintes diferenças de abordagem para a mesma etapa de escolarização: 1) confunde-se o que os alunos devem fazer (atividades: buscar, selecionar e ler) com o que devem aprender (compreender); 2) no documento brasileiro, não se fala em livros, mas em textos, com uma lista ridícula de exemplos deles (listas, agendas, calendários, avisos, convites, receitas, instruções de montagem); 3) apreciar não é um verbo para currículo – sim, eles devem aprender a gostar de ler, mas isso só se dá a partir da compreensão; 4) observem a relutância em se admitir que os alunos devem estar lendo com autonomia – e compreensão, óbvio – mesmo no 2º ano; 5) na Inglaterra, não há problema em dizer que os alunos DEVEM ser ensinados – já desde os 5 anos –; 6) percebam como é bem mais fácil saber o que vai se passar em sala de aula a partir dos objetivos propostos na Inglaterra, do que no Brasil; 7) os alunos – de 5 anos! – devem aprender a pereber se compreendem o que lêem e corrigir a forma de ler, para treinar a fluência, a qual pressupõe compreensão – é com a observação da fluência de leitura oral que o professor sabe se o aluno, pelo menos, entendeu as informações mais básicas explícitas no texto; 8) os verbos utilizados para descrever os objetivos de aprendizagem podem ser observados e aferidos pelo professor (ou pais) para se verificar o aprendizado do aluno a todo momento.

Agora vamos para um exemplo de Matemática na BNCC, comparando paulofreiristas brasileiros e os reducionistas tecnicistas de Singapura. Paulofreiristas primeiro: essas são TODAS as “habilidades” apresentadas na BNCC relacionadas ao conceito de fração do 2º ao 4º ano.

(EF02MA08) Resolver e elaborar problemas envolvendo dobro, metade, triplo e terça parte, com o suporte de imagens ou material manipulável, utilizando estratégias pessoais.

(EF03MA09) Associar o quociente de uma divisão com resto zero de um número natural por 2, 3, 4, 5 e 10 às ideias de metade, terça, quarta, quinta e décima partes.

(EF04MA09) Reconhecer as frações unitárias mais usuais (1/2, 1/3, 1/4, 1/5, 1/10 e 1/100) como unidades de medida menores do que uma unidade, utilizando a reta numérica como recurso.

A seguir, os malucos de Singapura, que transformam crianças de 6 anos em robozinhos, coitadinhos.

No 1º ano, os alunos aprendem as quatro operações aritméticas e no segundo, já são apresentados à notação de frações e aprendem a somá-las e subtraí-las. No 4º ano, os alunos trabalham com números mistos, frações impróprias e frações como parte de um conjunto de objetos – o que é diferente do bom e velho pedaço de pizza do 2º ano no Brasil. Além de resolver problemas de até duas etapas com esse tipo de notação antes do fim da educação elementar.

2º ano - Subeixo: Frações

1.1 fração como parte de um todo

1.2 notação e representação de frações

1.3 comparar e ordenar frações cujos denominadores não excedam 12

- Frações unitárias e frações iguais

2.1 Somar e subtrair frações iguais dentro de um mesmo inteiro, com seus denominadores não excedam 12

3º ano - Subeixo: Frações

1.1 frações equivalentes

1.2 expressar uma fração em sua forma mais reduzida

1.3 comparar e ordenar frações não equivalentes cujos denominadores não excedam 12

1.4 escrever a fração equivalente de outra, dado o denominador ou numerador

2.1 somar s subtrair frações equivalentes dentro de um mesmo inteiro com seus denominadores não excedendo 12

Percebam a diferença entre os dois currículos. No Brasil, os alunos não aprendem NADA de Matemática na educação infantil e se lhes propõe no 2º ano, resolver problemas com os CONCEITOS de “dobro, metade, triplo e terça parte”, pois eles ainda nem viram a notação de números fracionários, que só lhes será apresentada no 4º ano. Por isso, devem fazê-lo com “o suporte de imagens ou material manipulável, utilizando estratégias pessoais”. Haja estratégia pessoal não apenas para resolver, mas para FORMULAR problemas de fração só com pedacinhos de pizza e barras de chocolate.

Outra questão (que não se percebe nos exemplos acima) é que os alunos brasileiros até o 5º ano, só trabalham o conjunto de números Naturais (números inteiros e positivos)! Além disso, não podem usar letras na notação matemática, portanto, álgebra, nem pensar. Ou seja, nem pensar em verem números negativos, o que todos seus pares já vêem desde que começam a escola formal.

Espero que esses exemplos os tenham deixados muito incomodados e aflitos. É só com a indignação informada que poderemos alterar nosso futuro educacional, seja para todo o país, seja apenas para nossos filhos.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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