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Calor, mosquitos e tempestade de areia no Sudão
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Alexandre Costa Nascimento/Ir e Vir de Bike
Embarcação Sinai, durante a travessia da fronteira entre Egito e Sudão

Já estamos em Cartum, capital do Sudão, depois de aproximadamente 2 mil quilômetros pedalados desde a partida no Cairo. Aqui, o Tour d´Afrique encerra sua primeira fase, o Pharaoh’s Delight (Deleite do Faraó), e inicia a segunda etapa, The Gorge (As Montanhas), até Adis Abeba, capital da Etiópia.

Peço desculpas pois acabei não conseguindo postar nenhuma atualização desde Luxor já que as cidades pelas quais passamos – Aswan, no Egito, Hadi Alfa e Dongola, no Sudão, não ofereciam conexão de internet com capacidade suficiente para postar algumas fotos.

A travessia da fronteira entre os dois países foi feita em uma embarcação, em uma viagem surreal de aproximadamente 20 horas, já que a estrada não oferecia condições de segurança e área é uma zona militar de segurança, por conta do Lago Nasser, que abriga das grandes usinas hidrelétricas entre o Egito e o Sudão.

O barco Sinai era uma verdadeira Babilônia, com pessoas de diversas partes do mundo — em especial da África — espalhadas pelo convés em cima de caixas, dividindo cada milímetro de espaço.

Ainda que não tenha sido um trecho pedalado, a experiência foi bastante interessante e deu a sensação de estarmos vivendo a realidade africana – é através desse tipo de viagem que pessoas e mercadorias transitam diariamente entre os dois países.

Já os primeiros dias de pedal no Sudão apenas comprovaram a certeza de que este é um país extremamente pobre e subdesenvolvido. Comparado ao Egito – em que as margens do Nilo se transformaram em extensas áreas agricultáveis, no Sudão, uma ínfima parte é aproveitada para o plantio e produção de alimentos.

O que se vê ao longo da estrada no imenso Deserto de Núbis são pequenas aldeias de casas de tijolos de barro vivendo da criação de cabras e usando jumentos como meio de transporte – aqui um parênteses: não fosse o turbante, as mesquitas e os camelos, a cena em quase nada difere da do sertão do Nordeste brasileiro.

Alexandre Costa Nascimento/Ir e Vir de Bike
Pausa no pedal para interagir com as crianças no Sudão

Em algumas vilas, paramos para fazer contato com os locais e, surpreendentemente, mesmo nos confins do Sudão é possível encontrar alguém que domine ao menos o básico do idioma inglês, possibilitando assim algum tipo de comunicação. Até mesmo algumas crianças arriscam frases como “Ru arú?” (How are you?” ou “Aru from?” (Where are you from?”.

Em um pequeno mercado ao Sul de Dongola, parei para tomar um chá em uma pequena vila, acompanhado de Michael (Mike), um ciclista inglês sexagenário. A percepção é de que a população vive dessa mesma forma há séculos, comercializando tâmaras secas, grãos, farinha, pão, leite e carne de cabrito – expostas às moscas e sem refrigeração.

E por falar em moscas, elas praticamente dominam o Sudão. Às margens do Nilo, é praticamente impossível respirar ou abrir a boca sem engolir alguns mosquitos. Mesmo com os ouvidos cobertos, o zumbido é capaz de deixa-lo quase a beira da loucura.

É como se os mosquitos fizessem parte da composição da atmosfera local. A população do deserto usa sobre o rosto uma espécie de uma tela fina, que impede a ingestão dos mosquitos ou que eles explorem suas narinas e ouvidos — o que acabou acontecendo comigo.

Alexandre Costa Nascimento/Ir e Vir de Bike
Camping do Camelo Morto: não precisa explicar muito…

A quantidade é tão grande, que após alguns minutos de pedal minhas pernas e braços ficaram cheios de mosquitos grudados – como ocorre com o para-brisas de um veículo após uma viagem.

No jantar daquela noite no acampamento, o menu trazia apenas alguns vegetais cozidos e nada de carne. Ao ser questionado por um dos ciclistas porque não havia carne, o cozinheiro respondeu: “Vocês já tiveram sua dose de proteína diária enquanto pedalavam”, fazendo referência aos mosquitos ingeridos durante o trajeto.

No deserto, além dos mosquitos e de temperaturas acima dos 40ºC durante a tarde, enfrentamos também uma terrível tempestade de areia. Um brisa leve que começou mais ou menos na hora da parada para o almoço começou a empurrar um pouco de areia para a estrada. O vento foi ficando mais forte e, quando nos demos conta, não era mais possível enxergar mais de 20 metros s nossa frente.

O sol se apagou e o céu ficou tingido de vermelho, dando a sensação de que estávamos em uma paisagem marciana. A atmosfera ficou seca, praticamente irrespirável. A areia entra nos olhos, nos ouvidos, nas narinas e na boca — e ode mais se puder imaginar.

Alexandre Costa Nascimento/Ir e Vir de Bike
Pedalada durante tempestade de areia no DEserto de Núbis, no Sudão

Além disso, a mistura de camadas e mais camadas de protetor solar com o suor do corpo cria uma contição perfeita para aderir a areia. Assim, o corpo fica “empanado” de areia. No meu caso, era tanta areia aderida na minha perna que praticamente não conseguia mais ver minha tatuagem. Com a cara sua e areia colada por todo o corpo, o chefe do Tour chegou a brincar que eu estava parecendo o “Abominável Homem Areia”, um primo distante do famoso e lendário Pé Grande, que habita as montanhas congeladas do Canadá.

Mais tarde, soubemos que a tempestade de obrigou as autoridades sudanesas a desviar voos de Cartum para Adis Abeba, na Etiópia, por falta de segurança de condições de pouso. E nós, o intrépidos ciclistas do TDA, estávamos exatamente no meio da densa nuvem de areia.

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