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Dois ciclistas mortos em Curitiba: quem não executa o orçamento, executa os ciclistas
| Foto:
Fábio Alexandre/Tribuna do Paraná
Lucas Felipe Bibiano (21 anos), que morreu atropelado por um ônibus biarticulado em Curitiba. Ciclovia está projetada para o trecho desde 2007, mas só metade da obra foi executada

Dois ciclista morreram nos últimos quatro dias na capital paranaense, vítimas da violência no trânsito. Viraram estatísticas que ajudarão a consolidar Curitiba como uma das capitais mais perigosas do país para quem pedala. Desde 2009 — período que compreende a atual gestão municipal–, mais de 80 ciclistas morreram nas ruas da cidade.

Na noite do último sábado (23), o ciclista Lucas Felipe Bibiano, de 21 anos, morreu na contramão, atrapalhando o tráfego do super-ônibus Azulão, movido a biodiesel, novo símbolo da sustentabilidade, mobilidade e planejamento urbano de Curitiba.

Nesta quarta-feira, o ciclista Erivaldo Xavier dos Santos, de 61 anos, foi arremessado de cima de um viaduto após ser atingido por uma caminhonete F1000, que era conduzida por um Guarda Municipal. A vítima, que trafegava na contramão — exatamente como orientava o site do Denatran até pouco tempo –, caiu de uma altura de 10 metros do viaduto da Linha Verde, na BR-376, no bairro Pinheirinho.

É neste cenário macabro que a Câmara dos Vereadores rejeitou, com votos massivos da base aliada do prefeito Luciano Ducci (PSB), a proposta de uma emenda que buscava aumentar os recursos destinados à recuperação e ampliação da rede cicloviária da cidade.

Aliocha Maurício

A proposta buscava apenas readequar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ao Plano Plurianual (PPA) da atual gestão. A Lei nº 13.378, aprovada pela Câmara em 2009, previa 97 intervenções físicas na malha cicloviária, estabelecendo a destinação de R$ 8,55 milhões de reais no quadriênio para essa finalidade.

Nos últimos três anos, entretanto, absolutamente nenhuma obra foi realizada com esses recursos. Ao contrário: os valores sofreram cortes profundos ano a ano. Nas revisões orçamentárias, a tesoura do prefeito chegou a cortar 90% da verba em 2011 e 98,8% em 2010. Do pouco que sobrou, nenhum centavo sequer foi aplicado conforme previsto.

Para 2013, o problema vai ser repetir, consolidando o total descompromisso do Legislativo com o PPA e, principalmente, com a vida dos ciclistas.

Numa leitura rasa e superficial, basta atribuir a culpa às próprias vítimas: “Eles estavam errados”. Pronto, caso encerrado. Mas há uma relação direta de causa e efeito entre as mortes dos ciclistas e omissão da Prefeitura Municipal e dos vereadores de Curitiba que não pode ser ignorada.

No local onde morreu Lucas Felipe, deveria haver uma ciclofaixa. Mas não há. Aos ciclistas, sobra apenas a opção de pedalar na canaleta. A ciclofiaxa da Marechal Floriano foi anunciada em 2007, prevendo uma ligação entre o viaduto da Linha Verde ao Terminal do Boqueirão. Mas a obra só foi executada em 2012, ainda sim, pela metade — até o Terminal do Carmo.

Executada mal e porcamente, diga-se de passagem, com apenas 73 centímetros de largura em alguns trechos e ignorando todos os compromissos assimidos com os ciclistas para melhoria e readequação do local.

Toda a fiscalização e pressão, aliás, partiu dos grupos de ciclistas e da imprensa — e não dos vereadores, que, ao que consta, além de nomear ruas e conceder homenagens a “cidadãos de vulto”, também deveriam servir para fiscalizar o Executivo e cobrar a execução orçamentária.

A Prefeitura promete concluir o segundo trecho da obra “até o fim de 2013” — período que compete a uma gestão futura, que será eleita em novembro. Para a família de Lucas Felipe, entretanto, isso já não faz a menor diferença.

Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo
Foto de 2011: Erni Stein (à esquerda) foi à Câmara solicitar ciclovia

Já Eriovaldo, se estivesse vivo, provavelmente afirmaria que o “certo é andar na contramão” — equívoco que persiste entre a maioria dos usuários de bicicleta, principalmente os de baixa renda.

Em campanha

Muito em breve, as pessoas que votaram por menos verbas no orçamento para as ciclovias e aquelas que deixaram de aplicá-las devidamente estarão com a cara cínica na sua tevê, pedindo seu voto. Muitos deles, inclusive, vão se dizer “amigos da bicicleta”, embora muito pouco ou quase nada tenham feito em favor da ciclomobilidade durante os útlimos 4…8…12 anos!

Vão prometer uma Curitiba comparável à Copenhagem. Mas só a partir de 2013 e se você votar neles. E vão promover também muita propaganda, com famílias felizes (com o cachê recebido) fazendo malabarismos sobre os malfadados projetos que ainda consideram a bicicleta um equipamento de lazer aos domingos, das 8h às 16h.

A grande estrela da campanha (e do Orçamento) no entanto, será o todo poderoso asfalto — cabo eleitoral que perpetua o nosso subdesenvolvimento.

Mas a cidade que já foi modelo em planejamento urbano, já não sustenta mais sua fama aos olhos do mundo, como comprova a análise do site The Atlantic Cities, referência mundial em notícias, análises, dados e tendências sobre urbanismo e cidades — publicação pouco susceptível aos efeitos dos milhões de reais torrados em propaganda oficial.

Reprodução/Ciclonautas
Exemplo de via compartilhada, onde ônibus e ciclistas convivem pacificamente e sem mortes

Multas

Nos últimos meses, a Secretaria Municipal de Trânsito tem dado sinais positivos com campanhas educativas focadas no uso da bicicleta. Mas ainda é pouco. Campanhas são importantes para informar — mas deve ser dirigidas tanto para ciclistas quanto para motoristas. Além disso, passou da hora de os agentes da Setran fazerem valer a lei para o motorista que desrespeita o ciclista, a exemplo de São Paulo. Lá a atitude foi tomada após a morte da ciclista Julie Dias. Quantos ainda precisarão morrer aqui para que algo efetivamente seja feito?

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