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Pavimentada a ciclovia da conciliação
| Foto:
Reprodução/BicycleCampaign.org
Os Juizados Especiais são rápidos e eficientes para resolver situações de violação dos direitos dos ciclistas

A via do diálogo e do entendimento dever ser sempre a preferencial, tanto para quem dirige quanto para quem pedala. Nesta terça-feira (28) compareci no Juizado Especial Cível da Comarca de Curitiba para uma audiência sobre o episódio em que minha bicicleta foi atingida por um veículo enquanto eu aguardava a abertura de um semáforo em um cruzamento.

Na primeira vez que encontrei Adenilson, estávamos numa via pública; eu na condição de ciclista e ele na de motorista, em uma situação de tensão gerada pela competitividade e disputa por espaço no trânsito. Nos reencontramos em um Tribunal, na condição de polos ativo e passivo em uma ação judicial.

Como era de se esperar, o início da conversa foi tenso, com cada um apresentando sua verdade sobre os fatos. As versões coincidiram até certo ponto. A divergência foi sobre o posicionamento de cada um na via e nas alegações sobre a forma com que cada um reagiu diante do episódio. Em um primeiro momento, o motorista não assumiu culpa, mas reconheceu que houve o toque e, consequentemente, o dano.

Mas, ao invés de entrarmos em uma extensa briga judicial em busca de provar “quem estava certo”, optamos por deixar o litígio para darmos uma chance ao diálogo e ao entendimento. Neste momento, manifestei que estava de espírito desarmado e formalizei minha proposta, manifestada publicamente aqui no blog na véspera da audiência. Em suma: prefiro mil vezes um novo amigo de pedal a um litígio judicial.

Propus a conversão do valor da indenização requerida em materiais impressos de educação no trânsito que estimulem a convivência pacífica e o respeito entre motoristas e ciclistas. Também sugeri que, pelo menos um dia, ele deixe o carro em casa e vá pedalando para o trabalho, me comprometendo a orientá-lo e acompanhá-lo

Reprodução

Após uma certa resistência inicial, o conciliador Edson Oyola interveio e sugeriu que estava pavimentada uma possibilidade para a “ciclovia da conciliação”. Adenilson e sua advogada se retiraram da sala por alguns instantes para conversarem de forma reservada. E voltaram também com os espíritos desarmados.

Adenilson teve a honradez e a hombridade de reconhecer o erro e a humildade de compreender que há uma grande assimetria em qualquer situação envolvendo um carro e uma bicicleta : “Para mim pode ter sido apenas um toquezinho. Mas meu carro tem uma tonelada e sua bicicleta tem pouco mais de 10 quilos”, refletiu, com sinceridade.

Naquele momento me dei por satisfeito. O papel pedagógico – objetivo maior de ter movido esse processo – havia sido alcançado. Adenilson também aceitou pagar a compensação financeira pelos danos causados. Me comprometi a aplicar a totalidade do dinheiro na impressão de materiais educativos sobre a convivência pacífica entre motoristas, ciclistas e pedestres.

Adenilson deixou em aberto a possibilidade de sairmos juntos para uma pedalada. Também não fiz disso um cavalo de batalha, condicionando a aceitação à formalização da conciliação no Tribunal. Trocamos nossos números de telefone e combinamos de nos falarmos para uma pedalada.

De imediato, uma cirurgia de hérnia inguinal me impede de pedalar pelos próximos três meses. Futuramente, então, quem sabe? Também deixei com ele alguns panfletos sobre a questão da bicicleta no trânsito (esses que estão reproduzidos neste post).

Enquanto os termos do acordo eram transcritos pelo conciliador, Adenilson contou que tem dois filhos — um de 14 e outro de 15 anos –, que também gostam de pedalar. Disse que, ao ver um ciclista nas ruas, consegue sim imaginar que poderia ser um de seus filhos pedalando.

Reprodução

Durante a conversa, Adenilson revelou que me vira um dia pedalando pelas ruas de Curitiba. “Vi alguns ciclistas e pensei: só que falta ser ele. E era”, contou, aproveitando para tirar uma dúvida que certamente lhe fervilhava desde então: Você não me viu ??? (Não, não vi!)

Também aproveitei para sanar minha curiosidade pessoal: sim, ele foi surpreendido ao receber as intimações judiciais e não esperava que a situação tomasse tamanha proporção. Ele também gastou tempo e recursos correndo atrás de um advogado. Embora não tenha verbalizado, concluí que também perdera algumas horas de sono tranquilo por conta do episódio.

Assinando o acordo, compreendemos que aquilo ali não era uma disputa Alexandre versus Adenilson, mas sim uma situação provocada por um trânsito em que a bicicleta não tem o seu devido espaço. Com a conciliação, também renunciei ao outro processo que movia, na esfera criminal.

É de se ressaltar aqui o papel social dos Juizados Especiais. De forma simples e célere e, facilitando a conciliação, foi feita a Justiça. Restabeleci minha situação financeira e material inicial. Adenilson, sem entrar no mérito da culpa, pagou pelo dano causado. Mas, mais importante do que isso, ele se mostrou compreensivo com a causa da bicicleta.

Certamente, Adenilson, atrás de um volante, será menos “Sr. Wheeler” e mais “Sr. Walker”. (Não entendeu a referência? Clique aqui). Isso, certamente, pode fazer a diferença.

Agradeço ao meu advogado Maurício de Paula Soares Guimarães um ativo defensor da causa da ciclomobilidade e a Fleur Fernanda Lenzi Jahnke, representante de Adenilson, que facilitaram o caminho para a busca de um entendimento. O conciliador, Edson Oyola, também cumpriu de forma justa seu papel, pavimentando a “ciclovia da conciliação”.

Nos encontramos como litigantes, mas nos despedimos com um sincero aperto de mãos. Certamente, saímos daquela audiência como dois homens melhores do que aqueles que éramos naquela primeira vez em que nossos caminhos se cruzaram.

Epílogo

Indo embora do Juizado, enquanto esperava os carros passarem para atravessar até a estação tubo na Av. República Argentina, o motorista de um Celta preto, aparentemente imbuído do mais elevado espírito de porco, passou com a roda bem em cima de uma poça d´água, me dando aquele clássico banho!

Ao invés de ficar puto, interpretei aquilo como um sinal do Universo e sorri comigo mesmo: Ok, sozinho, não podemos salvar o mundo. Mas, com pequenas atitudes e sinceridade podemos, sim, torná-lo um lugar um pouco melhor. Então, mãos à obra e pé no pedal…

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