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Sobre a hospitalidade pantaneira
| Foto:
Andreza Lucas C. Nascimento
Roda de viola com os amigos mineiros. Hospitalidade é a palavra chave no Pantanal.

Desde o início planejamos que nossa viagem não nada seria planejada. Para dar um toque de emoção e aventura, chegamos ao Mato Grosso trazendo apenas a cara, a coragem e duas bicicletas.

Nada de reservar hotéis, campings ou pousadas. A ideia sempre foi contar com a sorte e o acaso. Claro que, para não preocupar nossas famílias, omitimos essa informação e, quando questionados sobre os preparativos da viagem, dizíamos que já estava “tudo acertado”.

Na prática, entretanto, chegamos a Cuiabá somente com o contato do Amaury, que conhecemos através do Couch Surfing e que topou nos hospedar em sua casa. Foi através dele que tivemos o primeiro contato com a hospitalidade local.

Dentista em Cuiabá, Amaury tem como hobby a fotografia e as aventuras. Sujeito alegre, divertido e gente boa, bastou meia-hora de conversa e já sentimos como se fôssemos amigos de longa data. Foi apenas por falta de uma bicicleta e, segundo ele, de um pouco de preparo físico, que o Amaury não entrou junto na Expedição pela Transpantaneira.

Ainda assim, ele acabou sendo parte importantíssima na nossa viagem já que, além de nos receber em Cuiabá, ele nos buscou no aeroporto, nos levou com as bicicletas até o início da estrada parque além de nos mostrar Cuiabá e as belezas de Nobres e da Chapada dos Guimarães. Foi dele que ouvimos a frase “O melhor do Mato Grosso é o seu povo”. O Amaury é prova viva disso.

Já na estrada, voltamos a nos deparar com a generosidade do povo pantaneiro quando, no meio da entrada, buscamos um local para passar a primeira noite. Tínhamos duas opções: acampar em uma pousada abandonada, cuidada apenas por um caseiro ou pernoitar no Hotel Mato Grosso, cuja diária não sai por menos de R$ 500. Bastou pedir um canto para armar a barraca e tudo se resolveu.

Já no destino final, Porto Jofre, após um dia de pedal intenso, montamos nosso acampamento. Quando nos preparávamos para mais um jantar a base de miojo, quando conhecemos o Vicente, um mineiro de Belo Horizonte que veio ao Pantanal pescar com um grupo de amigos. Ele se “sensibilizou” com a nossa situação e nos convidou para jantar com eles. Aceitamos, é claro e trocamos um pacote de miojo por um jantar de verdade, com arroz, feijão, carne de porco frita, além da prosa boa e uma roda de violão com “causos” e boas risadas para acompanhar.

No dia seguinte acordamos cedo e arriscamos uma pescaria no rio Piquiri, sem sucesso. Até que, lá pelas tantas, um pescador fisgou um belo pacu. Na hora o Seu Aldo, administrador do camping, gritou chamando a Andreza. “Tire uma foto segurando o petche (peixe) e conta pros seus amigos que foi ocê que pegou”, sugeriu.

Mais tarde, o Seu Aldo também nos ofereceu o almoço: arroz, feijão, abóbora, bucho e lingüiça frita e fez questão de não nos cobrar nada. Ele ainda mexeu os pauzinhos para conseguir uma carona de volta para nós até Poconé.

Por volta das 14 horas, subimos as bicicletas e bagagens na carroceria de um caminhão que foi até o Jofre descarregar suprimentos no camping do Neco. Era nossa última chance de sair do Pantanal selvagem ainda naquele dia. Andamos menos de um quilômetro até que o motorista parou o caminhão e nos convidou para ir na cabine – ali atrás, além da poeira, não teríamos forças para suportar os solavancos na estrada.

Se encaramos aventura na ida, na volta não foi diferente. O caminhão era um Mercedes caindo aos pedaços que sequer tinha um velocímetro no painel. Para o motorista Flávio, as pinguelas – pontes de madeira – não existiam e ele passava o caminhão acelerando sobre cada uma delas. No meio do caminho, um pneu traseiro interno furou, mas ele decidiu tocar até Poconé mesmo assim.

Nas quatro horas de viagem também avistamos alguns animais, dentre eles duas antas – a primeira delas, aliás, quase foi atropelada pelo nosso motorista. “Se não fosse o posto florestal, eu dava com o caminhão no meio dela e colocava na carroceria. Paçoca de anta é boa demais”, relatou. Apesar de tudo, chegamos em segurança. Durante a viagem, a prosa também foi boa com Flávio e seu amigo Chico.

Em Poconé nos hospedamos no hotel Tuiuiú, onde conseguimos sinal de celular para atualizarmos o blog. Por sugestão do Flávio, jantamos churrasco de espetinho, em um “restaurante”, com as mesas montadas no canteiro central, próximo a rodoviária.

Na manhã seguinte, compramos as passagens de ônibus de volta para Cuiabá e passamos o dia no hotel, apenas descansando.

Depois do almoço, saímos em busca de uma iguaria local: o guaraná em bastão. Assim como o gaúcho toma seu chimarrão e o sul-matogrossense toma seu tererê, a bebida típica do Mato Grosso é guaraná de bastão, ralado em uma grosa e tomado com açúcar e água.

Não foi difícil encontrar. Achamos o produto em uma casa agropecuária, com o sugestivo nome de “Casa do Guaraná”. Lá o proprietário, Manoel Santana, nos explicou como preparar e servir a bebida, contou um pouco da história e serviu uma dose para cada um de nós. Contamos a ele um pouco de nossa aventura e, nem bem terminamos de beber o tal guaraná, ele já nos convidou para jantar um arroz com carne seca, comida típica cuiabana, em sua casa. Infelizmente, como nossas passagens já estavam marcadas para o fim da tarde, tivemos que abrir mão do convite.

Para quem vem de Curitiba, em que, não raro, um vizinho atravessa a rua para não dar bom-dia, a hospitalidade do povo do Mato Grosso chega a ser surpreendente.

No fim das contas, não precisamos contar com a sorte ou o acaso para o sucesso de nossa aventura. Bastou a ajuda de cada um desses que citamos.

Alguns, certamente nunca mais encontraremos. Outros, já entraram para o rol de amigos. Mas todos eles, com a hospitalidade pantaneira, foram importantes que tudo desse certo.

#Fotos
Vejas algumas fotos do último dia da Expedição Transpantaneira no Pedal no Facebook.

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