O povo é explorado pelos ricos. Os Estados Unidos não são o policial do mundo. As grandes empresas tecnológicas têm demasiado poder sobre as nossas vidas. Quem disse isso? Bernie Sanders? Elizabeth Warren? Alexandria Ocasio-Cortez?
Errado, errado, errado. O autor dessas frases é Stephen K. Bannon, o estratego que levou Donald Trump ao poder e que representa o novo movimento populista de direita.
Eu já sabia que o populismo era uma espécie de novo marxismo – tosco, conspiratório, maniqueísta. Mas é preciso ver para crer. Ou, melhor dizendo, ler para crer: sempre fui fã dos Munk Debates, que ocorrem no Canadá e que normalmente juntam duas figuras em confronto sobre um tema quente. Mas tinha perdido o rendez-vous entre Bannon e David Frum.
Não mais. Em livro que recomendo – The Rise of Populism – lá encontramos Bannon e as suas jeremíadas. E então pasmamos: um progressista de inclinação revolucionária poderia dizer as mesmas coisas que Bannon. Aliás, o próprio mediador do debate, Rudyard Griffiths, faz essa observação.
Se o populismo é uma força revolucionária, são os jovens, os millennials, que serão o motor dessa revolução
A narrativa de Bannon começa com a crise financeira de 2008, causada pelo “partido de Davos” (referência ao Fórum Econômico Mundial, que reúne anualmente empresários e políticos nessa localidade suíça). Depois, defende o fim do imperialismo americano e, sobretudo, recusa qualquer tentativa de democratizar o mundo pela força (a velha acusação da esquerda contra George W. Bush, por exemplo). Finalmente, dedica algumas palavras duras às grandes corporações – tecnológicas, mídia etc. – que não defendem os interesses dos cidadãos. Haverá coisa mais de esquerda?
É também por isso que, no debate, estou com David Frum. Sobretudo com duas observações de Frum que ganham relevância máxima nos tempos de cólera que vivemos. Para começar, o que é um conservador? David Frum, que se apresenta como um, responde: um conservador, no século 21, defende a herança do liberalismo que recebeu do século 20. Que o mesmo é dizer: defende o império da lei, a separação dos poderes, a limitação do Poder Executivo, a liberdade de expressão e, já agora, a civilidade social. Por outro lado, e sobre a noção de “patriotismo”, concordo com a posição antiutópica de Frum: ser patriota é amar o país que temos, não um país imaginário e expurgado de certos grupos ou minorias.
Existe um ponto, porém, em que é impossível não concordar com Bannon: se o populismo é uma força revolucionária – e o próprio diz que sim, o que só aprofunda o seu esquerdismo –, são os jovens, os millennials, que serão o motor dessa revolução. Em metáfora feliz, esclarece Bannon: os millennials são como os servos na Rússia do século 18. Estão melhor alimentados, têm melhor educação, estão mais informados – mas não são donos de nada. Nem serão. Casa? Carreira? Independência econômica? Os pais tiveram isso. Eles, pelo contrário, não podem olhar para o futuro com a mesma confiança. O potencial de revolta que existe neles é gigantesco.
É uma grande verdade. Que, instintivamente, me fez recordar as Memórias do Conde de Rambuteau. Conta o conde que, anos antes da Revolução de 1848, um prefeito de Paris teria dito ao rei da França: Cuidado com os déclassés; eles são “os médicos sem pacientes, os arquitetos sem edifícios, os jornalistas sem jornais, os advogados sem clientes”. Por outras palavras: havia uma classe mais letrada, mais preparada, com grandes expectativas sociais e econômicas – mas o sentimento de bloqueio era asfixiante.
Sem perspectivas de uma vida decente, ou pelo menos tão decente como a dos seus pais, jovens letrados e depenados sempre foram o combustível do radicalismo
E o prefeito avisou ainda: esses jovens serão “os artífices das revoluções, os sacerdotes da anarquia, os piratas da insurgência”. Com a típica estupidez dos Bourbon, o rei Luís Felipe só percebeu o aviso quando Paris estava em chamas – e ele, a grande promessa dos reformistas liberais, a caminho do exílio inglês.
Não sei se Stephen Bannon leu o conde de Rambuteau. Mas Bannon percebeu algo de essencial: os “piratas da insurgência” não acabaram em 1848. Sem perspectivas de uma vida decente, ou pelo menos tão decente como a dos seus pais, esses jovens letrados e depenados sempre foram o combustível do radicalismo.
Só para termos uma dimensão do problema: nove em cada dez americanos nascidos em 1940, quando chegaram aos 30 anos, ganhavam mais do que os progenitores quando tinham a mesma idade. Hoje, informa o cientista político Yascha Mounk, um em cada dois americanos nascidos em 1980 pode dizer o mesmo. É um padrão que se estende às economias do Ocidente.
A sério: alguém pensa que essa história vai ter um final feliz?
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