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Jocelaine Santos

Jocelaine Santos

Liberdade de expressão é condição necessária para a democracia

Deixa pra lá

Ninguém liga para o tema desta coluna – para alegria do STF e dos poderosos de plantão

Moraes Alexandre Lula STF EUA
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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Cansei de falar de liberdade de expressão – a verdade, amarga, é que ninguém liga para ela. Repare: foi só colocá-la na primeira linha desta coluna que boa parte dos possíveis leitores passou direto, com ar cansado e aborrecido, e foi procurar outra coisa pra ler. Pior ainda se a tivesse colocado no título – coisa que evito até de fazer com os colunistas mais bem-quistos que edito aqui no jornal. Melhor é usar sempre “censura”, fica a dica.

Enfim, somos tão pouco apegados à liberdade em geral que esta, em particular – tão espezinhada, maltratada e que vai sendo arrancada de nós pelos superioríssimos tribunais –, parece insignificante. Quem liga que ninguém mais possa opinar nas redes sociais sobre as mazelas do país, criticar políticos, fazer aquele desabafo gostoso contra os desmandos dos poderosos de plantão? Igualmente, quem liga se comediantes não possam mais fazer piadas idiotas que escancaram a nossa pobre e carcomida natureza humana, nem sempre dada a seguir os ditames do politicamente correto? Pra que se importar com essas coisas? Melhor fingir que não é com a gente, certo?

Eles mandam e desmandam e ainda riem de nós, nos chamam de tolos, bárbaros, incivilizados – sempre estamos errados, enquanto só a eles cabe a sapiência completa

E pior ainda que o silêncio de quem não tá nem aí pra essa coisa de liberdade de expressão são aqueles que saem em defesa da censura, dizendo ser bom, justo e preferível que sejam os outros – o governo, os ministros do Supremo, as big techs, tanto faz – que decidam o que pode ou não ser dito, o que é verdade e o que não é, do que podemos rir e do que devemos chorar. Por que não deixar que eles também decidam em quem devemos votar, quais ideias podemos ter ou que posições podemos defender – ou será que eles já fazem isso também?

Sim, eu sei. Isso cansa. Falamos, falamos, gritamos até – mas nada muda. Estamos cansados de política, estamos cansados de sermos cada vez mais insignificantes diante dos poderosos. Eles mandam e desmandam e ainda riem de nós, nos chamam de tolos, bárbaros, incivilizados – sempre estamos errados, enquanto só a eles cabe a sapiência completa. Por isso até entendo quem simplesmente não aguenta mais ouvir (ou ler) sobre a importância de defender nossas liberdades – incluindo essa pobre coitada, a liberdade de expressão.

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E essa apatia, além do cansaço, reflete outra coisa. Somos um povo que sempre foi mantido à margem, consultado aqui e ali só quando interessa; mas, na maior parte do tempo, mantido longe do poder, quietinhos e bem-comportados – pobres-coitados que precisam sempre ser guiados por alguém. Nos acostumamos, infelizmente, a sempre esperar salvadores. Inventamos periodicamente falsos heróis e neles depositamos nossas esperanças perdidas, como se um homem só fosse capaz de mudar o país, colocá-lo no caminho certo, resgatar valores, tirar o país do atraso e blá blá blá. Da nossa parte mesmo, quanto menos fizermos, melhor. É assim mesmo que eles gostam: não só gostam como amam – e querem que assim seja eternamente.

Quanto menos uma população é ativa, interessada, envolvida nos assuntos de um país, quanto menos se manifesta, reclama, questiona, critica, vai às ruas – melhor para os poderosos. Acha que toda a onda de censura que estamos vivendo é o quê? Preocupação legítima com uma suposta falta de limites nas redes sociais? Claro que não. É pura e simplesmente a tentativa de evitar que questionemos o que já deveria ter sido questionado décadas atrás: nosso próprio país e seus tortos rumos.

Não adianta virar o rosto pro lado fingindo que está tudo bem o STF decidir que as plataformas terão de passar pente-fino nas redes sociais pra tirar coisas como “desinformação” ou “ataques às instituições”, ou a Justiça condenar a sete anos de cadeia um humorista por fazer piadas – mesmo de muito mau gosto. Cedo ou tarde – e quanto mais tarde, pior será – teremos de encarar a realidade e seus assuntos chatos e cansativos, como o fim das nossas liberdades, especialmente a de falar, pensar, criticar, pensar.

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