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O presidente russo, Vladimir Putin, e o ditador bielorrusso, Alexander Lukashenko, em encontro em Minsk no início da semana
O presidente russo, Vladimir Putin, e o ditador bielorrusso, Alexander Lukashenko, em encontro em Minsk no início da semana| Foto: EFEEFE/EPA/PAVEL BEDNYAKOV/SPUTNIK/KREMLIN

Passava das 14 horas do dia 30 de novembro quando uma explosão de grandes proporções levou pânico aos moradores da cidade polonesa de Wlodawa, na tríplice fronteira com Belarus e Ucrânia. A detonação havia ocorrido no lado ucraniano da fronteira, era o resultado do trabalho de engenheiros militares dinamitando uma ponte que ligava o país a Belarus.

“O barulho da explosão foi muito forte, todas as janelas da casa tremeram e o chão vibrou”, disse Malgorzata Grzechula, que mora a cerca de 500 metros da fronteira de Belarus. Segundo ela, muita gente ficou em pânico, pois a cidade vive em tensão constante pela proximidade da fronteira.

Essa tensão voltou a subir na última semana, quando o presidente russo Vladimir Putin foi a Belarus para se encontrar com o ditador Alexander Lukashenko. Os dois se encontram com relativa frequência em Moscou, mas desde 2019 Putin não ia a Belarus.

Oficialmente, a visita tinha o objetivo de tratar de questões econômicas - como a venda de gás russo a preço subsidiado para o país aliado. Mas foi interpretada por analistas militares como uma tentativa do Kremlin de pressionar Minsk por uma participação mais ativa na guerra na Ucrânia.

O país foi usado em fevereiro e março deste ano por tropas russas para lançar uma invasão no norte da Ucrânia. Desde o início da guerra, Minsk também vem também permitindo que seus hospitais sejam destinados a combatentes russos feridos e que seu espaço aéreo seja utilizado por aviões de Moscou para lançar bombardeios na Ucrânia.

Hoje, o governo ucraniano e analistas militares especulam que o território de Belarus possa ser novamente utilizado em alguns cenários. Uma hipótese é uma nova ofensiva terrestre com o objetivo de tomar a capital ucraniana, Kyiv, que fica a cerca de 80 quilômetros ao sul da fronteira.

O segundo cenário é uma invasão no noroeste da Ucrânia, na região de Kovel, próximo da tríplice fronteira. O objetivo de tal ação seria avançar de norte para sul a fim de conquistar o oeste da Ucrânia e assim impedir que o país continue recebendo armamentos de seus aliados europeus. Essas armas pesadas não podem ser transportadas por via aérea na atual conjuntura e entram principalmente pela fronteira da Polônia.

O terceiro cenário possível é que a visita de Putin, assim como exercícios militares que estão sendo realizados em conjunto por tropas da Rússia e de Belarus, façam parte de uma “ação diversionária”. Ou seja, uma ação destinada a enganar os generais ucranianos.

Ou seja, a nova invasão pode não acontecer, mas, na dúvida, Kyiv terá que manter um grande contingente de tropas para defender a região. Por isso, esses soldados ficam impossibilitados de atuar em outras frentes da guerra mais ativas hoje, principalmente em Donetsk e Zaporizhzhia.

Há ainda a hipótese de que Belarus entre diretamente na guerra. Lukashenko está no poder desde 1994 e deve isso ao Kremlin, que o apoia politicamente e fornece recursos financeiros e militares.

Em sua quinta “eleição”, em 2020, o ditador de Belarus foi alvo de um movimento severo de contestação. Milhares de manifestantes foram às ruas reclamando de fraude nas eleições. Com apoio da Rússia na política e no aparato de segurança, Lukashenko conseguiu reprimir os protestos de forma violenta e se manteve no poder.

Ou seja, Lukashenko deve muito a Putin, que agora cobra a conta de décadas de apoio.

Por outro lado, o líder de Belarus tem muito a perder com a guerra. Assim como Putin, pode colocar seu regime em jogo no caso de uma derrota - principalmente em um momento em que a população do país não parece disposta a apoiar uma guerra contra a Ucrânia, após assistir às mortes de dezenas de milhares de combatentes russos nos campos de batalha do vizinho do sul.

Além disso, devem entrar na conta política de Lukashenko as consequências de uma possível escalada da guerra. No pior cenário, a guerra pode em algum momento evoluir para uma participação direta da OTAN, a aliança militar ocidental. Nesse caso, não é certo que Moscou seria capaz de socorrer Belarus, que não tem armas nucleares e possui um exército convencional considerado fraco.

Na visita de Putin, foi tratado o possível treinamento de pilotos de Belarus para voar carregando tipos diferentes de armamento. Ou seja, uma ameaça velada de que armamento nuclear russo pode ser cedido a Belarus.

Preparação do terreno

Mas os ucranianos não parecem dispostos a confiar na habilidade política de Lukashenko para não se envolver na guerra. A explosão sentida em Wlodawa é um indício disso.

Conversei com um engenheiro militar, que pediu para não ter o nome revelado. Ele afirmou ter trabalhado na minagem da fronteira norte da Ucrânia. Relatou que o terreno foi preparado com campos minados, explosivos improvisados em armadilhas, redes de trincheiras e posições de tiro.

Nesse contexto, táticas das Grandes Guerras se misturam à tecnologia moderna, com armadilhas explosivas acionadas por raios infravermelhos e armas portáteis capazes de destruir blindados e helicópteros com eficiência.

O objetivo é direcionar o fluxo de uma eventual nova invasão russa para áreas favoráveis, onde fiquem vulneráveis aos bombardeios da artilharia ucraniana.

Mas qual seria a capacidade da Rússia de lançar uma nova ofensiva no início de 2023?

Para o governo ucraniano, é interessante propagandear a iminência desse ataque para conseguir mais apoio em termos de recursos e armas do Ocidente.

Quando o presidente Volodymyr Zelensky visitou os Estados Unidos na última semana, o presidente Joe Biden anunciou mais um pacote de ajuda militar equivalente a R$ 9,5 bilhões. Os britânicos haviam anunciado dias antes o envio de munição de artilharia no valor de R$ 1,5 bilhão para o próximo ano de campanha militar na Ucrânia.

Depois, o Congresso dos Estados Unidos aprovou um pacote de ajuda de US$ 45 bilhões (R$ 232 bilhões) para a Ucrânia, parte de um projeto de lei de financiamento do governo americano de US$ 1,66 trilhão até o fim do atual ano fiscal (30 de setembro).

Se o ataque russo ocorrer, Kyiv deve ter o apoio necessário de recursos financeiros e armas para resistir. Se ele não acontecer, esses recursos podem ser usados para libertar mais territórios ocupados.

A Rússia iniciou a invasão da Ucrânia em fevereiro com cerca de 200 mil combatentes. Segundo o Pentágono, ao menos metade desse contingente foi colocado fora de combate, contando mortos e feridos. Baixas similares teriam ocorrido no lado ucraniano.

Putin determinou a mobilização de mais 318 mil combatentes em setembro, mas desse contingente apenas cerca de 70 mil já chegaram aos campos de batalha. Muitos soldados estão sendo enviados emergencialmente, sem o treinamento necessário, ao menos para tentar manter o território já conquistado por Moscou.

Na última sexta-feira (23), o Ministério da Defesa do Reino Unido afirmou que a Rússia estuda aumentar suas forças armadas em 30%, o que levaria o número de combatentes russos a 1,5 milhão. Mas nem todos seriam mandados à Ucrânia. A ideia seria reforçar a região noroeste da Rússia devido à provável entrada na OTAN de Finlândia e Suécia.

Pelo menos 5,1 mil carros de combate russos já foram destruídos, segundo estimativas da organização Oryx, que contabiliza números de baixas de equipamentos na guerra por meio de fotos comprobatórias.

Porém, não se sabe ao certo qual é a atual capacidade de Moscou de dispor de mais carros de combate, artilharia e mísseis.

Por ora, os soldados parecem ser o recurso mais barato para se enviar à guerra. Muitas unidades russas estão operando basicamente com a infantaria, com poucos carros de combate e artilharia.

Analistas militares ocidentais, como os do think tank Instituto de Estudos da Guerra, dizem que uma nova invasão à Ucrânia a partir de Belarus não parece iminente.

De qualquer forma, o país não teria capacidade de mudar o equilíbrio da guerra, caso decidisse entrar no conflito. Estima-se que Belarus tenha cerca de 40 mil combatentes. Eles poderiam lutar integrados a grupos de ataque russos, mas dificilmente atuariam como exércitos independentes. Equipamentos militares de Belarus, como carros de combate e aviões, porém, podem ser bastante úteis a Moscou.

Mas Lukashenko sabe que seu regime pode ser novamente ameaçado por revoltas internas se seus soldados forem enviados à guerra.

Sua esperança agora deve ser que ceder novamente seu território para uma eventual nova investida russa satisfaça o presidente Putin.

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