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O quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, a pintura mais famosa sobre a emancipação política do Brasil
O quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, a pintura mais famosa sobre a emancipação política do Brasil| Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

O Brasil comemora na próxima semana os 200 anos da Independência de Portugal em meio ao retorno ao cenário mundial das guerras de anexação territorial - representadas pela invasão da Ucrânia e a ameaça da China sobre Taiwan. Nesse contexto, Jogos de Guerra mostra o que foi a Guerra de Independência do Brasil (com suas mais de 50 batalhas contra os portugueses), as principais unidades militares envolvidas e a importância da defesa da soberania após dois séculos.

Segundo o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, é importante ter orgulho do Brasil em um momento em que o mundo volta a se bater em conflitos por conquista territorial.

“Os nossos 200 anos de independência merecem muito, todas as nossas comemorações. O Brasil é um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados - é quase um continente. E se nós olharmos o mapa da América do Sul, nós vamos notar como a América espanhola foi dividida. Hoje são diversos países na América do Sul e o Brasil aparece como uma exceção”, disse ele.

“Além do Brasil ter mantido as suas dimensões continentais, ele manteve a sua unidade linguística. A gente vai do Oiapoque ao Chuí falando o mesmo idioma. Isso é sensacional e às vezes a gente não valoriza isso”, disse Heleno.

Desde a Independência, o Brasil mantém sua unidade territorial e desde a Guerra da Cisplatina (1825-1828), que marcou a independência do Uruguai, a sua integridade territorial. Essa integridade foi abalada por guerras, como a do Paraguai, e dezenas de revoltas, mas não foi quebrada.

No contexto mundial atual, guerras de anexação de território pareciam algo anacrônico. Isso até 24 de fevereiro deste ano, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Até então, a última tentativa de anexação havia sido a desastrosa invasão do Kwait pelo Iraque em 1990 - ação de Saddam Hussein que acabou severamente punida pelos Estados Unidos e seus aliados. Não que outras guerras não tenham ocorrido nesse período, mas em nenhuma delas um país tentava capturar território de outra nação independente.

Embora as raízes culturais dos ucranianos remontem aos principados de Kievan Rus do século IX, a Ucrânia moderna só obteve sua independência há 31 anos, com a implosão da União Soviética. Depois de pouco mais de três décadas de liberdade, o país teve cerca de 20% de seu território conquistado pela Rússia e corre o risco de perder ainda mais.

Ameaça similar paira sobre países como a Moldávia e o Cazaquistão, devido ao declarado esforço do presidente Vladimir Putin para restaurar o status de superpotência para a Rússia.

Essas mudanças geopolíticas jogaram países da Europa em uma nova corrida armamentista, em uma tentativa de preservar sua soberania e território.

Na região do Indo-Pacífico, a ilha de Taiwan - que goza de autonomia da China desde a vitória comunista na Guerra Civil chinesa, em 1949 - se prepara para uma possível invasão de Pequim nos próximos anos.

Nesse contexto de instabilidade e volatilidade, os 200 anos de independência brasileira devem ser celebrados. "Nós conservamos o nosso território unido, sob o mesmo governo, sob a mesma direção e isso, para um país desse tamanho, é uma coisa fantástica. Tenho certeza de que vai continuar assim”, afirmou o general Heleno.

Como foi a Guerra de Independência

Mas é preciso lembrar que a independência brasileira teve um preço em vidas - embora o processo tenha sido, em tese, menos violento que nas nações vizinhas da América do Sul.

“As outras guerras de independência foram mais sangrentas. A razão é que nós tínhamos o rei, tínhamos a figura do Dom Pedro, era uma coisa mais centralizada, e lá foi dispersa. Então cada vice-reino se dividiu em vários países. Cada país daquele era uma espécie de facção lutando pela sua autodeterminação”, disse o coronel Antônio Ferreira Sobrinho, historiador militar do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército.

A independência do Brasil começou quando Dom João VI transferiu seu reinado para a então colônia, fugindo das guerras napoleônicas em 1808. Ele abriu os portos para nações amigas, criou instituições e quebrou monopólios.

Contudo, as ações militares propriamente ditas da Guerra de Independência começaram bem antes do grito de Dom Pedro às margens do riacho Ipiranga. Após a Revolução Liberal do Porto, em 1820, as Cortes Constituintes, formadas pela burguesia liberal portuguesa, obrigaram Dom João a voltar a Portugal e passaram a pressionar Dom Pedro para fazer o mesmo.

Em 9 janeiro de 1822 (Dia do Fico), atendendo a um abaixo assinado de cidadãos do Rio de Janeiro e São Paulo (e a um pedido de sua mulher, que não queria cruzar o Atlântico grávida), Pedro decidiu permanecer no Brasil.

Nessa época, o general português Jorge de Avilez comandava a Divisão Auxiliadora, formada pelos 2,5 mil militares mais bem treinados do Brasil. Ele levou seus soldados para o Morro do Castelo (hoje a estação das barcas na Praça XV) e ameaçou bombardear o Rio de Janeiro.

Com o auxílio de dois generais, Dom Pedro começou a formar o que seriam as tropas do futuro Exército Brasileiro. O leitor mais observador pode questionar se o Exército Brasileiro não surgiu na Batalha de Guararapes, contra os holandeses, em 1649. Bom, esse é o evento do mito formador do Exército, que foi oficializado só com a Constituição de 1824.

O fato é que o então príncipe regente reuniu cerca de 4 mil militares, a maioria voluntários da população do Rio e dissidentes das tropas portuguesas, nos Campos de Santana (centro do Rio). Entre essas tropas, estava uma unidade militar que existe até hoje: a bateria de Artilharia Montada, que ficava na Praia Vermelha. Atualmente, ela responde por Bateria Caiena, do 32º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC), e desempenha funções cerimoniais no Exército.

Sem entrar em combate, o general Avilez fugiu para Niterói e foi perseguido por Dom Pedro e milícias leais ao Brasil. As primeiras das mais de 50 batalhas de independência começaram a eclodir pelo país logo depois.

Em 7 de setembro, ao saber que Lisboa havia comunicado a redução de seus poderes como príncipe regente, Dom Pedro I declarou independência às margens do riacho Ipiranga. Ele estava acompanhado de uma guarda pessoal, que depois se tornaria o 1º Regimento de Cavalaria de Guardas - unidade que participaria da Revolução Pernambucana, da Guerra Cisplatina e da Revolução de 1932.  Eles são conhecidos hoje como “Dragões da Independência” - tenho certeza de que o leitor já ouviu falar deles ou os viu em cerimônias de posse de presidentes.

A partir das tropas reunidas nos Campos de Santana, Dom Pedro I formou também o Batalhão do Imperador, uma tropa leal que combateu os portugueses até sua expulsão definitiva em 1824. Entre seus integrantes, estava o então tenente Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, patrono do Exército. Atualmente, essa unidade se chama Batalhão da Guarda Presidencial. Ela faz a segurança de palácios em Brasília e possui uma tropa de choque para controlar distúrbios urbanos.

Assim como teve que criar um Exército, Dom Pedro I também precisou formar uma Marinha praticamente do zero. Na ocasião da Independência, apenas quatro ou cinco navios da esquadra portuguesa e seus marinheiros passaram para o lado do Brasil, mas o oficialato não.

Dom Pedro I comprou mais navios e contratou como mercenário o almirante escocês Thomas Cochrane, que lutou na Marinha Real Britânica e nas guerras de independência do Chile e do Peru. Ele liderou a Marinha Brasileira, que também comemora 200 anos em 2022, contra as forças portuguesas.

As forças brasileiras confrontaram os portugueses por terra e por mar na Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e no território do atual Uruguai, que fazia então parte do Brasil.

A paz foi estabelecida e o Brasil teve que pagar uma indenização a Portugal. Estima-se que as campanhas militares resultaram em até 5 mil baixas.

Desafios futuros

Dois séculos após o Dia da Independência, o Brasil não sofre a ameaça imediata de exércitos estrangeiros. As Forças Armadas exercem principalmente as funções de dissuasão e patrulhamento de fronteiras remotas. Apesar da falta de dinheiro, seu tamanho é considerado adequado para um país com pretensões pacíficas.

Contudo, o mundo passa por um processo de corrida armamentista global (desde 2018) e de reorganização da geopolítica a partir da guerra na Ucrânia. Segundo analistas, as potências parecem tender a se dividir em blocos e alianças, com a renascente parceria entre Rússia e China de um lado e o Ocidente do outro. Cortejado por ambos os lados, o Brasil tenta assumir uma posição de equilíbrio.

“Eu vejo os 200 anos da Independência como uma dádiva. Nessa situação mundial em que você tem as nações se abrigando em organizações, na verdade hoje essa situação de independência ficou relativizada. Nós temos a nossa soberania bem viva”, disse o historiador Ferreira Sobrinho.

Mas, enquanto assiste à elevação global das tensões, o Brasil enfrenta o desafio de se preparar para (evitar) um eventual conflito militar. E para isso dispõe recursos financeiros de tempos de paz - que ficam ainda mais escassos em tempos de crise econômica.

É assim, com esses contornos, que se delineia o desafio de manter a independência, a soberania e a integridade territorial ao menos pelos próximos 200 anos.

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