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O assassinato do influenciador e ativista conservador americano Charlie Kirk, de 31 anos, durante um debate com estudantes realizado na semana passada na Universidade Utah Valley, no estado de Utah, na região oeste dos Estados Unidos, revela muito sobre o momento que vivemos hoje no mundo, inclusive no Brasil.
Marcado pela intolerância e pela radicalização política, que muitas vezes degenera para a violência extrema e a eliminação de adversários, como aconteceu com Kirk, o quadro atual coloca em xeque os valores que estão na raiz da democracia liberal, de convivência pacífica entre pessoas e grupos com visões de mundo diferentes, e anuncia tempos sinistros pela frente.
Hoje, até as relações familiares ficaram mais complicadas, em muitos casos, por causa de conflitos políticos e divergências sobre a melhor forma de administrar um país, tratar grupos minoritários e lidar com os mais pobres, os imigrantes ilegais e os criminosos. Mesmo a religiosidade das pessoas, a educação dos filhos e a forma de abordar a sexualidade tornaram-se alvos de discórdia.
Neste cenário tóxico, diversos analistas, do Brasil e do exterior, apressaram-se em afirmar, após o assassinato de Kirk – um apoiador próximo do presidente americano, Donald Trump – que o ódio e a violência com motivação política nos Estados Unidos constituem um “fenômeno ambidestro”. Ou seja, são um problema que atinge tanto a esquerda quanto a direita com igual intensidade.
A direita tem sido vítima de violência política em vários países, turbinando a percepção de que a esquerda tem sido a principal responsável pelo crescimento da intolerância e da agressividade na arena política
Na ânsia de mostrar uma suposta “independência” e um suposto “equilíbrio”, buscaram a saída mais óbvia, provavelmente para não se comprometer nem ser acusados de favorecer um dos lados do espectro ideológico. Mas, na realidade, quando se analisa a questão de forma mais profunda e objetiva, sem receio de encarar os fatos, por mais incômodos que possam parecer para uma parcela considerável do público, o que se constata é que não é bem assim que as coisas têm acontecido nos últimos anos.
Embora a esquerda se coloque como detentora do monopólio da virtude e se enxergue como grande defensora e promotora de ações civilizatórias na sociedade, classificando qualquer adversário como “extrema direita”, “fascista”, “nazista” e “defensor da supremacia branca”, para colocar sua legitimidade em xeque, não dá para negar que a “turma do amor” tem tido um papel preponderante para o aumento da intolerância e da violência política, não apenas nos EUA, mas pelo mundo afora. Como disse outro dia um internauta americano, um dos maiores mitos do nosso tempo é o de que a esquerda é que tem a cabeça mais aberta e é mais tolerante.
“Quando você diz que alguém é Hitler, está dizendo para os malucos: mate-o”, afirmou Clay Travis, advogado, escritor e apresentador de podcast, na Fox News, em referência às acusações feitas por políticos e militantes democratas de que Trump e seus seguidores representariam uma espécie de reencarnação do líder nazista alemão e de sua tropa de choque, no século 21.
A radicalização por parte da esquerda chegou a tal ponto nos Estados Unidos que até o uso do boné vermelho do movimento MAGA (Make America Great Again), criado por Trump, tornou-se motivo para intimidações e agressões contra seus apoiadores nas ruas e até em restaurantes e shopping centers.
A direita, é certo, também tem os seus radicais. A história americana e mundial está recheada de exemplos de regimes autoritários de direita e de atos selvagens cometidos por extremistas ligados ao grupo. Agora, em tempos mais recentes, é da esquerda que têm partido as ações mais agressivas e letais contra seus adversários políticos.
Nos últimos anos, a velha estratégia da esquerda de buscar o controle das narrativas e o poder por meio da dominação do aparelho do Estado, da academia e da cultura, cedeu espaço ao cancelamento, à intimidação e ao assassinato de opositores, em meio à retórica belicosa de suas lideranças, que normaliza a violência contra os rivais à direita.
De repente, dar um tiro em um ativista ou em um líder conservador como Kirk durante um debate em uma universidade, que deveria ser um espaço destinado à livre circulação das ideias, virou algo normal, porque ele é “pintado” como extremista por defender propostas que vão contra as narrativas “progressistas”.
Com uma frequência incômoda, os representantes da esquerda procuram justificar crimes e atentados políticos recorrendo a fatores sociais e atribuem às próprias vítimas a responsabilidade pelos atos de que foram alvo. “A esquerda não vai apenas lhe matar. Vai culpá-lo por ela ter lhe matado”, disse o comediante e influenciador americano Tim Young, em publicação no X, diante da tentativa de muitos esquerdistas de atribuir o assassinato de Kirk – que sempre fez do debate civilizado a matéria-prima para a divulgação de suas ideias – a ele mesmo, por causa de sua visão política, classificada por seus opositores como “divisiva”.
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Em mais uma evidência do nível a que a radicalização da esquerda chegou, milhares de pessoas identificadas com o grupo, dentro e fora dos Estados Unidos, usaram as redes sociais para comemorar a morte de Kirk. Não só os mais exóticos, que têm o cabelo pintado de azul, mas muitos professores, enfermeiros, psicólogos e funcionários públicos que fazem parte do dia a dia da população. Segundo uma pesquisa do instituto YouGov, apenas 38% dos democratas afirmam ser inaceitável celebrar a morte de um adversário político, enquanto entre os republicanos o índice chega a 77%, mais que o dobro.
No Brasil, o historiador Eduardo Bueno, conhecido como Peninha, não apenas comemorou a morte de Kirk como disse que seria bom para suas filhas (na verdade, Charlie tem um filho e uma filha), de 1 e 3 anos, ficar sem o pai. Na Inglaterra, o estudante George Abaraonye, presidente eleito da Oxford Union, tradicional centro de debates da Universidade de Oxford, fez um post nas redes ironizando a morte de Kirk, com quem ele havia debatido meses atrás na própria sede da entidade.
A publicação gerou uma onda de indignação, com muita gente pedindo a renúncia de Abaraonye – que entrou na escola pela cota de diversidade, mesmo tendo notas bem abaixo das que costumam ser exigidas dos demais candidatos – antes mesmo de sua posse. Até a atual gestão da Oxford Union emitiu um comunicado repudiando o seu ato odioso, mas até agora não há informação de que ele vai abrir mão do cargo ou ser impedido de assumi-lo.
Logo depois da morte de Kirk, quando o assassino – entregue à polícia pelo próprio pai, depois de confessar a ele o crime – ainda não havia sido identificado, já tinha gente nas redes querendo fazer “vaquinha” para ajudá-lo. Mesmo no Congresso americano, quando Kirk ainda lutava contra a morte no hospital, deputados democratas reagiram com vaias e ironias, aos gritos, quando um parlamentar republicano sugeriu a realização de uma oração por sua recuperação.
Antes mesmo de o corpo esfriar, como se diz por aí, muitas pessoas já discutiam à luz do dia quem deveria ser o próximo alvo dos assassinos, na BlueSky, a rede preferida da esquerda, considerada por integrantes do grupo como ideologicamente mais asséptica do que o X e outras redes. Entre os nomes mais citados pelos extremistas figuravam o próprio Trump, o empresário Elon Musk, a escritora britânica J.K. Rowling, autora da série Harry Potter, e o jornalista Ben Shapiro, fundador e editor-chefe do site The Daily Wire.
Enquanto isso, pelo lado da direita, as coisas parecem seguir por outro caminho – ao menos nos últimos tempos. Não houve, por exemplo, qualquer relato de que o assassinato brutal de Kirk por causa de suas ideias tenha provocado uma hecatombe, com quebra-quebra generalizado, incêndios de prédios e barricadas erguidas nas ruas para enfrentar as forças de segurança, como ocorreu em 2020, quando George Floyd – um afro-americano viciado em drogas pesadas, com diversas passagens pela polícia – foi assassinado por um policial acusado de matá-lo por racismo.
Jovens da chamada Geração Z (nascidos entre 1990 e 2010), principalmente universitários, que eram os principais seguidores de Kirk e formavam boa parte do público de suas palestras e debates, reuniram-se em vigílias por todo o país, para rezar por ele e por sua família. Perguntado por um repórter como achava que seus apoiadores deveriam reagir à morte de Kirk, Trump respondeu, em entrevista transmitida pela Fox News: “Ele era um advogado da não violência. É desta forma que eu gostaria que as pessoas respondessem (ao seu assassinato)”.
Não houve registros, também, de que o ex-presidente Joe Biden e a ex-vice-presidente Kamala Harris, que disputou com Trump o pleito de 2024 pelo Partido Democrata, tenham sofrido atentados, como ocorreu com o republicano, que foi alvo de duas tentativas de assassinato durante a campanha eleitoral e depois se tornou tema de comentários de opositores nas redes reclamando de o atirador que o atingiu de raspão na orelha direita numa dessas investidas ter errado o tiro.
Tampouco houve registros de que a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, mais conhecida como AOC, uma das mais radicais parlamentares democratas, e outros líderes da esquerda americana tenham sofrido tentativas de intimidação ou assassinato, como Kirk, atingido por uma bala disparada por um garoto de 22 anos que abraçou as ideias da extrema-esquerda e passou a nutrir por ele um ódio visceral. Não se teve notícia, ainda, de alguém que tenha desejado a morte ou apoiado o assassinato de quem defende a ideologia de gênero, como ocorre, muitas vezes, com quem se opõe a ela, como era o caso de Kirk.
Agora, apesar de os Estados Unidos estarem sob os holofotes no momento por causa de seu assassinato, a violência política contra os conservadores está longe de ser um fenômeno exclusivamente americano. A direita tem sido vítima de violência política em vários países, turbinando a percepção de que a esquerda tem sido a principal responsável pelo crescimento da intolerância e da agressividade na arena política.
Apenas para ficar nos casos mais recentes: o pré-candidato da direita nas eleições presidenciais da Colômbia, Miguel Uribe, foi assassinado com um tiro dado pelas costas, em junho. No Equador, o ex-deputado conservador e também candidato à presidência, Fernando Villavicencio, foi assassinado com uma bala na cabeça durante a campanha eleitoral, em 2023. Em 2022, o ex-primeiro-ministro conservador e nacionalista japonês Shinzo Abe também foi baleado e assassinado pelas costas durante a campanha.
No Brasil, mesmo com manifestações como a de Peninha e de tantos outros comemorando a morte de Kirk, muita gente acredita que as coisas são diferentes, mas a violência política e os atos de intimidação e censura por parte da esquerda contra representantes da direita têm se multiplicado em ritmo acelerado.
O caso mais notório é o do ex-presidente Jair Bolsonaro, então candidato ao Palácio do Planalto, que levou uma facada de um militante do PSOL, até hoje não plenamente esclarecida, durante a campanha de 2018. Muitos integrantes do PT e seus aliados até fazem troça do atentado, colocando em dúvida a sua veracidade, inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – uma atitude que, convenhamos, só contribui para exasperar os ânimos.
Na semana passada, logo depois de o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, dar o seu voto favorável a Bolsonaro e a outros acusados de participação na suposta tentativa de golpe de Estado que teria sido liderada pelo ex-presidente, uma estagiária da CLDF (Câmara Legislativa do Distrito Federal) fez a seguinte publicação no X: “Fux tem que morrer”. Depois, diante da repercussão negativa do post, apagou o tweet, mas isso não impediu a sua demissão logo em seguida.
Sem poder argumentar contra o voto técnico do ministro, que desmontou as peças de acusação com base na letra fria da Constituição e dos códigos legais, a “turma do amor”, para quem todo mundo que se opõe às suas narrativas é considerado “nazista”, ainda hostilizou Fux nas redes por ele ser judeu, com apupos antissemitas e xingamentos de todos os tipos.
Também na semana passada, o advogado Jeffrey Chiquini, que representa Filipe Martins, ex-assessor internacional de Bolsonaro, igualmente acusado de envolvimento na suposta tentativa de golpe, e o vereador de Curitiba Guilherme Kilter, do Novo, foram impedidos de dar uma palestra sobre democracia e Estado de Direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Cercados por cerca de 500 militantes que portavam bandeiras do PT, MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Hamas e de tudo que é partido de extrema esquerda no país, tiveram de se esconder em uma sala da faculdade de Direito da instituição, que estava organizando o evento, para não serem agredidos. Só conseguiram sair de lá com o apoio da Polícia Militar. De acordo com Chiquini, enquanto eles foram mantidos em “cárcere privado”, a filha do ministro Edson Fachin, do STF, que é diretora da faculdade, manifestava o seu apoio aos extremistas.
Ainda na semana passada, que se revelou pródiga em atos de violência política e na pregação do assassinato de pessoas que se opõem às narrativas da esquerda, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) foi ameaçado de morte nas redes por um estudante da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). O estudante até apagou a publicação e pediu desculpas a Nikolas, mas não recebeu o seu perdão e acabou preso, depois de o parlamentar entrar com uma ação contra ele na Justiça. “Você só está falando isso porque o post viralizou. Não aceito desculpa alguma e não recuarei um milímetro”, disse o deputado.
Nikolas também foi ameaçado de morte em uma publicação feita nas redes por um estudante da USP (Universidade de São Paulo), que fazia parte do Next Generation of Lawyers (Próxima Geração de Advogados), programa brasileiro de capacitação e treinamento destinado a “empoderar” alunos do curso de Direito que recebem bolsa de estudo ou financiamento estudantil. Assim como a estagiária da CLDF que perdeu o emprego, ele também se deu mal e foi excluído do projeto.
Em maio, integrantes de partidos de direita, como o PL e o Novo, que são membros do movimento União Direita Nacional, foram agredidos e expulsos do campus da UFF (Universidade Federal Fluminense), em Niterói (RJ), quando distribuíam panfletos com os seguintes dizeres: “Na UFF, a direita se cria sim”.
Em 2023, a ex-deputada estadual Janaína Paschoal, que esteve à frente do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, foi alvo de um abaixo-assinado de integrantes do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, tradicional templo da livre circulação de ideias, para impedi-la de voltar a lecionar na instituição, da qual havia se licenciado durante o seu mandato – felizmente, sem sucesso.
Como se pode observar, a violência política não é um fenômeno que tem atingido os dois lados do espectro ideológico da mesma forma, ao contrário do que muitos analistas afirmaram depois do assassinato de Charles Kirk, “passando pano” para a esquerda e induzindo a opinião pública a um erro crasso de avaliação.
A violência, a intimidação e a censura promovidas pela “turma do amor” contra líderes e ativistas da direita também não são algo restrito aos Estados Unidos. Espalharam-se pelo mundo e estão presentes inclusive no Brasil – e não é de hoje.
Estão presentes aqui bem mais, inclusive, do que é possível deduzir pelo noticiário, que muitas vezes joga lenha na fogueira ao tratar radicais da extrema-esquerda que pregam a morte de adversários como “ativistas” e “influenciadores”, enquanto rotula representantes pacíficos da direita, como Kirk, como “extremistas”, “racistas”, “homofóbicos” e “xenófobos”, com a clara intenção de desumanizá-los e apresentá-los como trogloditas.
Para justificar os rótulos, grandes veículos de comunicação, do Brasil e do exterior, desvirtuam as suas ideias e descontextualizam declarações e gestos que eles fazem. Reverberam, sem qualquer filtro, as narrativas da esquerda para “demonizar” a direita, contribuindo para reforçar um sentimento de repulsa pelo grupo. Os casos de Kirk e outros do gênero ocorridos nos últimos anos, porém, mostram quem são os lobos em pele de cordeiro.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




