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José Fucs

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Poderes

Há luz no fim do túnel para o arbítrio do STF?

Judiciário
Para juristas, decisões da Corte têm aumentado a influência institucional e o avanço sobre outros poderes. (Foto: Fellipe Sampaio/STF)

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A decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, de cassar na canetada a prerrogativa do Senado de decidir sobre o impeachment de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal),gerou uma mistura de indignação e desesperança nos brasileiros que querem pôr fim ao regime de exceção que se instaurou no país, em especial nos do campo conservador, principal alvo das ações arbitrárias dos magistrados.

Afinal, havia uma perspectiva concreta de a direita conquistar a maioria no Senado em 2026 e ter quórum para aprovar o impeachment de ministros que rasgam a Constituição e passam por cima dos códigos legais, para perseguir governantes, lideranças e representantes do grupo e continuar a atuar sem freios e contrapesos.

A possibilidade do impeachment no Senado, que agora foi para as calendas, era vista como a última saída para recolocar o Brasil nos trilhos da democracia, com respeito à independência dos Poderes, aos direitos individuais, à liberdade de expressão e aos ritos processuais. E, sem essa alternativa no horizonte, é difícil enxergar agora uma luz no fim do túnel.

A questão, é certo, ainda será julgada pelo plenário da Corte entre os dias 12 e 19 de dezembro. Mas não vamos nos enganar mais uma vez, acreditando que haverá um sopro de sanidade entre os ministros do Supremo e que a decisão de Gilmar será revista. Não será. É possível até que o STF “force” o Congresso a agir, alterando a legislação como quer a maioria de seus ministros, mas, se isso não acontecer, a própria Corte vai acabar legislando em seu lugar, como já ocorreu em outras oportunidades.

Não adianta dourar a pílula. A ditadura da toga, sob a batuta do Supremo, veio para ficar. Infelizmente. Quem manda hoje no país, fazendo o que quer e bem entende e dando de ombros para o que pensam seus críticos, são os ministros do STF, mais especificamente aqueles três ou quatro que todo mundo sabe quem são

Também não haverá a tal da “autocontenção” esperada pela turma do “foi por uma boa causa”, que apoiou as arbitrariedades e os excessos do STF nos últimos anos, por ódio a Jair Bolsonaro e ao seu grupo político, e que agora, subitamente, após a condenação do ex-presidente no processo sobre a suposta trama golpista, passou a defender a volta do país à normalidade”. Como afirmei outro dia, só quem acredita em duendes pode imaginar que o STF vai aceitar, voluntariamente, a perda dos poderes extraordinários que adquiriu.

Não adianta dourar a pílula. A ditadura da toga, sob a batuta do Supremo, veio para ficar. Infelizmente. Quem manda hoje no país, fazendo o que quer e bem entende e dando de ombros para o que pensam seus críticos, são os ministros do STF, mais especificamente aqueles três ou quatro que todo mundo sabe quem são. Eles não têm mais qualquer limite – e não é de hoje. A decisão de Gilmar, apesar de sua relevância, é apenas mais uma entre tantas outras do mesmo naipe tomadas pelo STF desde que o ministro Dias Toffoli instaurou, de ofício, o famigerado inquérito das fake news, em março de 2019.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, pode espernear, gritar, fazer a cena que quiser para expressar sua insatisfação com mais essa decisão que deixa o Parlamento curvado perante o STF outra vez. Ao que tudo indica, porém, é tarde demais para “bater o pau” na mesa e querer mostrar que o Legislativo vai lutar pela preservação dos direitos que lhe são garantidos pela Constituição.

Quando deveria ter se levantado contra a escalada de abusos lá atrás, antes de eles saírem totalmente de controle, o Congresso se acovardou, temeroso de retaliações contra boa parte dos parlamentares – incluindo as lideranças das duas Casas –que têm processos correndo contra eles no Supremo.

Agora, ainda que o Congresso queira mostrar que sua independência não é letra morta na Constituição, aprovando medidas para conter os abusos autoritários do STF,  os ministros provavelmente vão derrubar as mudanças, dizendo que elas são “inconstitucionais”, como, aliás, eles já vêm afirmando aos quatro ventos que farão, e tudo continuará como está.

É duro, muito duro, admitir que é nesta situação que a gente se encontra hoje, 37 anos depois da aprovação da chamada Constituição Cidadã de 1988, que deixou para trás o arbítrio do regime militar. Mas, como dizem os psicólogos, o reconhecimento do problema – e não a sua negação – é o primeiro passo para superá-lo.

Só que, para chegar lá, é preciso deixar para trás a preocupação com o diagnóstico, que já é bem conhecido, e olhar para a frente em busca de soluções. Se a revisão do impeachment de ministros do STF for mesmo confirmada pelo plenário, como se espera, a grande pergunta que fica é o que fazer agora para recolocar o Supremo dentro de seu quadrado. As opções estão se estreitando e a cada dia que passa fica mais complicado enfrentar o regime de exceção que está em vigor, com as ferramentas institucionais que estão na prateleira.

A aplicação da Lei Magnitsky pelos governo Trump contra o ministro Alexandre de Moraes e sua mulher, que poderia ter ajudado a melhorar o quadro, apesar da gritaria contra “interferências externas”, não produziu os efeitos desejados. Ao menos até agora. O cancelamento do visto americano de Moraes, de alguns de seus colegas do STF e de autoridades do Legislativo e do Executivo, também não.

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O estabelecimento de mandatos fixos para os ministros do Supremo, que é uma medida cogitada em certos círculos da oposição, provavelmente não valeria para seus atuais integrantes e não resolveria o problema. O fim das decisões monocráticas será mais que bem-vindo, mas também pouco deverá agregar para contenção do arbítrio da Corte.

O possível aumento do número de ministros, para alterar a correlação de forças no STF, pode ser uma boa saída, mas é difícil dizer no momento qual seria a reação de seus atuais componentes à medida. O mesmo se pode dizer em relação à aprovação de um dispositivo que permita a revisão de decisões do STF pelo Congresso.

Talvez, entre todas as opções que aparecem no radar, a que pode produzir o melhor efeito para conter os abusos do STF seja a sua transformação em Corte Constitucional, uma antiga proposta que voltou à tona agora. Isso reduziria bastante a abrangência da atuação do Supremo e tiraria de suas garras os casos envolvendo os políticos, que acabam virando instrumentos de barganha para os ministros conseguirem decisões do Congresso em linha com suas ideias.

Se nada disso funcionar, talvez só uma nova Constituinte, que “refunde” a República e aprove uma nova Constituição, com novas regras que o STF terá de respeitar, resolva o problema. É uma solução radical, a respeito da qual muita gente prefere nem falar, mas talvez seja a única saída. Há sempre o risco também de a esquerda ter maioria na Constituinte e aprovar uma Constituição pior do que a de 1988, mas pode ser o preço a pagar para tentar sair do abismo.

Para mudar o atual estado de coisas no país, no entanto, qualquer que seja o caminho escolhido, é provável que a mobilização popular seja indispensável, como aconteceu na queda do regime militar e nos casos de impeachment de Collor e Dilma.

O problema é que, hoje, com a repressão imposta pelo Supremo, um número cada vez maior de pessoas tem mais medo de falar em eventos públicos do que se tinha nos tempos dos militares. Naquela época, de um jeito ou de outro, mesmo correndo risco de ir parar nas celas do Dops, a polícia política do regime, a pressão popular nas ruas aconteceu e foi decisiva para deixar para trás os anos de chumbo, que agora retornam pelo sarrafo do Supremo. O que os democratas dignos do nome esperam é que desta vez, com a ditadura da toga, não seja diferente.

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