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Estratégia da Apple passa pelo estímulo para que pessoas troquem seus aparelhos em períodos muito curtos, apenas para não deixarem de ter os modelos mais recentes.| Foto: Pexels/Pixabay

Arthur Schopenhauer (1788-1860) foi um filósofo ao mesmo tempo genial e irritante. Sua inteligência, talento, criatividade e capacidade de estudo eram reconhecidos e admirados até por seus adversários. Ele era, também, amante de polêmicas intelectuais. Quem pesquisar as causas da irritação que Schopenhauer provocava em seus oponentes encontrará pelo menos três pontos: sua enorme capacidade de captar e analisar o lado obscuro do ser humano; a inteligente interpretação da dor e do sofrimento de indivíduos e povos; e a intolerância com a ignorância e certo azedume no trato pessoal.

Mas Schopenhauer teve o mérito de chamar a atenção para a não aceitação do sofrimento por qual passa a maior parte da população. Nessa estrada, o filósofo desdenhava o apego exagerado a bens materiais e o apreço por futilidades que, segundo ele, só faziam aumentar o sofrimento de uma existência que já é um “vale de lágrimas”.

Lembrei de Schopenhauer ao analisar dois aspectos da vida social atualmente: o consumismo e o minimalismo. No livro Fim de Jogo, o autor Stephen Leeb faz uma provocação intrigante: ele diz que a humanidade pode desaparecer caso não mude os rumos da vida no planeta. Leeb traça um panorama dramático, em que a explosão demográfica, o esgotamento das reservas de petróleo, o crescimento econômico dos países pobres e a escassez combinada de energia e alimentos podem levar a humanidade a desaparecer.

Schopenhauer desdenhava o apego exagerado a bens materiais e o apreço por futilidades que, segundo ele, só faziam aumentar o sofrimento de uma existência que já é um “vale de lágrimas”

A Terra chegou a 8 bilhões de habitantes e a metade é pobre. Caso a pobreza seja reduzida para um terço da população, o número de não pobres subirá muito e, segundo Leeb, não haverá energia nem alimentos para todos. Ele afirma que a população tem de parar de crescer. Isso já começou a ocorrer. Exagerado ou não, o alerta de Leeb aí está e deve ser examinado.

Ao lado do esgotamento dos recursos naturais está o consumo predatório. Gosto de citar o modelo de consumo imposto pelo padrão Steve Jobs, da Apple, claramente predador. Jobs tinha obsessão quase louca por lançar um produto e, poucos meses depois, decretar sua morte ao lançar novo modelo com melhorias marginais, quase imperceptíveis.

O padrão Apple de consumo criou uma multidão de fanáticos consumistas, e todo lançamento de nova versão do mesmo produto sempre atraiu legiões de compradores desesperados que se dispunham a ficar dias nas filas geladas do inverno nos Estados Unidos para comprar a nova versão, por exemplo, do iPhone, com pequenas melhorias sobre o modelo anterior, do qual a maioria não explora mais que 20% das funções.

Steve Jobs ofereceu inovações úteis e contribuiu com o desenvolvimento da tecnologia, isso é claro. Mas também contribuiu para a disseminação da cultura do consumismo acelerado. Mudar de aparelho telefônico para outro modelo quase igual a cada seis meses é um comportamento predador e não universalizável, isto é, não pode ser replicado por toda a população da Terra.

Na obra Satiricon, escrita por Petrônio na época do Império Romano, o milionário diz: “Só me interessam os bens que despertam no povo a inveja de mim por possuí-los”. Karl Marx voltaria a esse assunto, para dizer que “o fetiche da mercadoria vai transformar todas as relações sociais em mercadoria”. Parece que aí temos uma explicação para o consumismo predatório.

Ao constatar que a troca de uma peça simples de seu aspirador de pó custava quase o mesmo preço de um aspirador novo, a professora italiana Giovanna Micconi, doutoranda em Harvard, afirmou que “algo de muito errado está acontecendo com nossa sociedade”. O caso do aspirador de pó é uma situação que deixa o consumidor sem alternativa. Porém, as versões novas de telefones, televisores, carros, computadores, tablets, roupas e outros objetos levam os consumidores a trocar o tempo todo apenas pela vontade ansiosa de consumir.

Mudar de aparelho telefônico para outro modelo quase igual a cada seis meses é um comportamento predador e não universalizável

Nesse cenário, está entrando na moda um movimento chamado “minimalismo”, cuja essência é o hábito de comprar e consumir apenas o necessário, não mais. Já é grande o número de pessoas e famílias que aboliram o consumismo exagerado de coisas e reduziram o número de peças do mesmo produto, como é o caso de roupas.

Na Inglaterra, vi uma campanha chamada “diminua seu guarda-roupas”, pregando a diminuição do número de peças do mesmo vestuário. Esses dois temas, o consumismo predatório e o minimalismo, deveriam ser ensinados nas escolas e ser assunto de feiras e trabalhos feitos pelas crianças e jovens.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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