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A recente prisão do ex-ministro do Turismo Gilson Machado, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das supostas “milícias digitais”, não é apenas mais um episódio isolado no conturbado cenário político-judicial brasileiro. Trata-se de um símbolo preocupante da erosão das garantias fundamentais e da transformação do Supremo Tribunal Federal em um ator político que avança perigosamente sobre competências de outros Poderes da República.
Gilson Machado não foi preso em flagrante, tampouco foi denunciado formalmente ou condenado. Sua prisão foi decretada de forma preventiva, em um inquérito que corre há anos no STF, sem conclusão, sem contraditório efetivo e com base em um emaranhado conceitual que mistura liberdade de expressão, críticas institucionais e atos políticos com “tentativas de golpe”. O ministro é acusado de integrar uma rede de desinformação — um conceito subjetivo, maleável e político — usado como pretexto para uma persecução penal sem os freios constitucionais próprios de um Estado Democrático de Direito.
A Constituição Federal é cristalina ao estabelecer as hipóteses excepcionais para a prisão de brasileiros: flagrante delito de crime inafiançável, sentença penal condenatória transitada em julgado ou prisão preventiva em situações bem delimitadas pelo Código de Processo Penal. Nenhuma dessas hipóteses se aplica ao caso de Gilson Machado. A decretação da prisão com base em elementos frágeis e sem respaldo legal claro constitui, portanto, uma afronta ao devido processo legal, à ampla defesa e à presunção de inocência.
Além disso, o Supremo vem ampliando, por meio de inquéritos sigilosos e de natureza inquisitorial, seus próprios poderes investigativos e acusatórios — o que subverte o modelo acusatório consagrado pela Constituição de 1988. O mesmo ministro acumula as funções de vítima, investigador e julgador, violando princípios elementares do processo penal moderno e da imparcialidade judicial.
A escalada de medidas cautelares desproporcionais, como prisões, quebras de sigilo e apreensões arbitrárias, não se limita ao caso de Gilson Machado. Trata-se de uma estratégia de intimidação e controle, incompatível com um Judiciário imparcial e limitado por regras constitucionais. O STF, que deveria ser o guardião das liberdades, tornou-se protagonista de uma atuação persecutória, especialmente contra adversários políticos ou vozes dissonantes do pensamento dominante no campo jurídico e midiático.
Prender Gilson Machado — um ex-ministro, sem antecedentes, sem indícios concretos de periculosidade ou fuga, e por razões ideológicas — é prender simbolicamente todos aqueles que ousam discordar da narrativa oficial. É legitimar um regime de exceção, travestido de defesa da democracia, que silencia pela força e criminaliza a dissidência.
É hora de restabelecermos o império da lei. Prisões políticas não cabem numa democracia. O STF precisa ser freado por aquilo que a própria Constituição prevê: o respeito às garantias individuais, à separação dos Poderes e à soberania popular. Do contrário, arrisca-se a cumprir um papel histórico trágico — o de agente da repressão política em pleno século XXI.
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