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Recentemente, veio a público a tentativa da Polícia Federal de intimar o deputado federal Eduardo Bolsonaro — atualmente residindo no exterior — por meio de mensagens informais, como e-mails e aplicativos de celular, para prestar depoimento em um inquérito policial. O episódio levanta um alerta grave: o atropelo das formas legais em nome de uma suposta eficiência investigativa. É preciso dizer com todas as letras: essa prática é ilegal e inconstitucional.
No processo penal, os atos devem seguir rigorosamente as formalidades previstas no Código de Processo Penal. O artigo 351 do CPP estabelece que a intimação, inclusive na fase de inquérito, deve observar as formas previstas em lei. Quando o destinatário se encontra fora do país, aplica-se o artigo 3º do CPP, que determina a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil para suprir lacunas. E é justamente o CPC que exige, no artigo 237, inciso II, que intimações no exterior sejam feitas por carta rogatória, respeitando tratados internacionais e a soberania do país estrangeiro. Portanto, não se trata de mera questão procedimental, mas de jurisdição, legalidade e respeito ao devido processo legal.
No afã de investigar com rapidez, autoridades podem ser tentadas a usar meios “alternativos” — como mensagens instantâneas ou e-mails — para intimar alguém fora do país. Mas esse atalho esbarra em princípios constitucionais como o devido processo legal (art. 5º, LIV da Constituição) e a ampla defesa (art. 5º, LV). Sem uma intimação válida, formal, expedida por carta rogatória, o investigado não tem ciência legítima do ato, o que compromete todo o inquérito e pode gerar nulidades irreversíveis.
No caso específico de Eduardo Bolsonaro, a intimação informal, se concretizada, abriria um precedente autoritário, pois ignora frontalmente o ordenamento jurídico. Independentemente da posição política do investigado, o que está em jogo é o respeito às garantias legais que protegem qualquer cidadão contra abusos do Estado. Não se trata de proteger privilégio, mas de defender o Estado de Direito. A mesma regra que hoje protege um opositor político, amanhã pode proteger um cidadão comum, acusado injustamente.
No Brasil, há quem confunda modernidade com arbitrariedade. O uso de tecnologia na investigação criminal é bem-vindo, mas não substitui as garantias legais. Não se combate o crime desrespeitando a lei. Se as instituições querem investigar um brasileiro que está no exterior, devem seguir o caminho previsto: carta rogatória, com observância dos tratados internacionais.
Não existe “meio termo” entre legalidade e ilegalidade. Ou se respeita o devido processo, ou se está à margem da Constituição. A tentativa de intimar informalmente alguém fora do país, como no caso do deputado federal Eduardo Bolsonaro, não é só um erro técnico — é uma afronta jurídica. Aceitar esse tipo de prática sob o pretexto de praticidade é abrir a porta para o arbítrio. E a história nos mostra que o autoritarismo sempre começa assim: desrespeitando a forma, para depois violar o conteúdo.