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Karina Kufa

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Insegurança jurídica

Medidas cautelares a qualquer gosto?

Após medidas cautelares de Moraes, Bolsonaro usará tornozeleira eletrônica, está proibido de usar redes sociais e de se aproximar de embaixadas. (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF; Andre Borges/EFE)

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A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de ameaçar a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro por suposto descumprimento de medidas cautelares, levanta sérias preocupações sobre os limites da atuação judicial e o respeito às garantias constitucionais.

Bolsonaro está proibido de utilizar redes sociais, direta ou indiretamente, e de conceder entrevistas que possam ser divulgadas nessas plataformas. No entanto, após uma reunião com parlamentares do PL na Câmara dos Deputados, ele exibiu sua tornozeleira eletrônica e fez declarações à imprensa, que foram amplamente divulgadas nas redes sociais por terceiros.

Em resposta, Moraes intimou a defesa do ex-presidente a se manifestar em 24 horas, sob pena de decretação de prisão preventiva.

Essa situação suscita um debate jurídico relevante, pois a decretação de medidas cautelares deve ser aplicada com parcimônia e observar a lista de medidas alternativas à prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Assim, o primeiro ponto a ser avaliado é se as medidas são proporcionais, ainda que se entendesse, como alguns doutrinadores sustentam, que o rol do artigo 319 é meramente exemplificativo.

A decisão foi baseada em capturas de telas de postagens em redes sociais — em sua maioria do deputado federal Eduardo Bolsonaro — consideradas como provas de crimes, sem que haja qualquer ação relacionada ao presidente Jair Bolsonaro.

Por esse aspecto, a própria aplicação de medidas cautelares já se mostra inadequada, agravada ainda pela imposição de restrições que sequer encontram previsão legal.

Nesse contexto, o voto vencido do ministro Luiz Fux oferece fundamentos jurídicos sólidos ao afirmar:

“Mesmo para a imposição de cautelares penais diversas da prisão, é indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida para a aplicação da lei penal e sua consequente adequação aos fins pretendidos. […] Não se vislumbra nesse momento a necessidade, em concreto, das medidas cautelares impostas” .

O ministro também ressaltou que parte das medidas — como o impedimento prévio e abstrato de utilização das redes sociais — confronta diretamente a cláusula pétrea da liberdade de expressão, citando o ministro Celso de Mello:

“O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória […] da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível censura estatal” .

A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, mencionou risco de fuga como justificativa para as medidas, mas esse ponto não foi demonstrado em nenhum momento. Bolsonaro mantém domicílio certo, teve o passaporte retido e tem reiterado que permanecerá no país para responder aos processos e buscar a recuperação de sua elegibilidade.

Outro aspecto gravíssimo da decisão foi a previsão de efeitos sobre terceiros. A determinação de que conteúdos de terceiros em redes sociais — como uma simples postagem de imagem ou vídeo do presidente — possam ser usados como fundamento para sua responsabilização beira o absurdo.

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Não há como o cidadão controlar o que a sociedade publica ou compartilha. Seria razoável responsabilizá-lo por ser filmado por um jornalista? Ou por conceder entrevista a um canal de televisão?

A falta de clareza da decisão apenas agrava o cenário, tornando impossível ao jurisdicionado saber exatamente em que circunstância poderá ser acusado de descumprimento. A consequência disso é a insegurança jurídica, o que jamais se compatibiliza com o devido processo legal.

É necessário comprovar a intenção deliberada de Bolsonaro de burlar a decisão judicial. A simples veiculação de suas declarações por terceiros, sem prova de coordenação ou autoria, não caracteriza, por si só, violação das medidas cautelares.

Além disso, é preciso destacar que a liberdade de expressão e o direito à informação da sociedade não podem ser relativizados ao sabor do momento político. A mídia tem o direito de cobrir os atos de um presidente da República, que, por sua vez, tem o direito de se manifestar. Estamos falando da maior liderança da oposição ao atual governo.

A atuação do STF, por meio de decisões monocráticas que impõem restrições severas sem o devido debate colegiado, pode ser percebida como uma extrapolação de suas competências constitucionais.

É fundamental que o Judiciário atue dentro dos limites estabelecidos pela Constituição, respeitando os direitos individuais e evitando medidas que possam ser interpretadas como perseguição política.

Em um Estado Democrático de Direito, é imprescindível que as instituições atuem com imparcialidade e respeito às garantias fundamentais. A ameaça de prisão preventiva de Bolsonaro, baseada em interpretações controversas e medidas questionáveis, pode ser vista como um precedente perigoso que compromete a confiança nas instituições e o equilíbrio entre os poderes.

Portanto, é essencial que o Supremo Tribunal Federal reavalie suas decisões à luz dos princípios constitucionais, assegurando que as medidas adotadas sejam proporcionais, fundamentadas e respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos, independentemente de sua posição política.

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