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Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e do Irã, Ebrahim Raisi, em encontro sobre a Síria esta semana em Teerã
Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e do Irã, Ebrahim Raisi, em encontro sobre a Síria esta semana em Teerã| Foto: EFE/EPA/SERGEI SAVOSTYANOV/KREMLIN

Em 2016, os russos espalharam a versão de que eles eram capazes de intervir nas eleições dos Estados Unidos e convenceram o mundo. O presidente Donald Trump teve a sua eleição colocada sob suspeita e até hoje se discute a tal interferência russa na eleição. Ninguém sabe de fato o real impacto dos memes e mentiras plantadas por Moscou. Mas isso pouco importa. Se a Rússia logrou interferir ou não no processo eleitoral americano, é um mero detalhe diante dos objetivos do arquiteto da operação. Para Vladimir Putin, o plano é colocar em descrédito a democracia e um de seus instrumentos mais visíveis, que são as eleições.

Putin não buscou emporcalhar apenas as eleições dos Estados Unidos. Fez questão de deixar rastros paquidérmicos no referendo do Brexit, em 2016, e estimulou a ala separatista no referendo sobre a Catalunha, em 2017. Assim como no caso americano, os russos não mudaram nada dentro das urnas, mas dentro da cabeça das pessoas. A semente da desconfiança minou, possivelmente de maneira irremediável, a confiança na democracia.

Assim como o chinês Xi Jinping, Putin não está disposto a mudar a si e o seu regime para se adequar às regras e modelos democráticos. Por causa disso, eles trabalham para que o mundo se transforme em benefício deles. Ou seja, ao invés de se adequarem, eles exportam instabilidade, medo e desconfiança para, assim, moldar uma nova realidade que seja à imagem e semelhança de suas autocracias.

Não é por acaso que Xi escalou sua diplomacia e seus, vamos assim dizer, prestadores de serviço para vender a tese de que a Democracia não é rigidamente estabelecida e que pode ser moldada ao gosto do freguês.

Depois do sucesso dos ataques aos pilares conceituais e a perversão de valores democráticos, as autocracias partiram para um novo tipo de ofensiva. Em agosto, o ditador Nicolás Maduro receberá contingentes militares da Rússia, China e Irã para um exercício militar conjunto. Ações do tipo são comuns, mas no caso em questão há um ineditismo sombrio. É a primeira vez que o quarteto do caos Xi-Putin-Khamenei-Maduro atua, de forma conjunta e sem nenhum tipo de dissimulação no hemisfério.

Seguindo a mais pura tradição chavista, de gerar e financiar o caos e importar instabilidade, Maduro abre as portas da Venezuela para dizer para os Estados Unidos algo mais ou menos assim: “Vocês e a OTAN estão nas franjas da Rússia e eu posso fazer com que os russos estejam aqui na porta dos fundos de vocês”.

O quarteto do caos estava esperando por isso há tempos. A invasão da Venezuela, com que muitos opositores venezuelanos sonham desde 2019 e graças a Deus nunca aconteceu, seria o pretexto para que essas forças se instalassem de forma definitiva na região. Três anos depois, com um Nicolás Maduro incólume no poder, as potências extrarregionais mostram seus músculos na região. Não se instalam, mas mandam um sinal de que não estamos longe o suficiente e que elas já estão por aqui. O exercício na Venezuela parece fazer parte dessa normalização dessa presença. Além dos exercícios na Venezuela, também haverá outros na Nicarágua de Daniel Ortega.

O avanço militar na região foi gradual e nada silencioso. Os russos armaram Chávez até os dentes e consequentemente endividaram a Venezuela, a ponto de o país perder o controle de parte importante de sua indústria de petróleo.

Em 2019, a Rússia enviou para a fronteira da Venezuela com o Brasil militares como um sinal de que se o agora enamorado governo de Jair Bolsonaro se metesse com Maduro, teria que se entender com eles também. Um ano antes, Maduro permitiu que um bombardeiro nuclear russo aterrissasse no aeroporto de Caracas em uma exibição que pode ter ido muito além, como sendo a primeira vez que armas nucleares estiveram em solo sul-americano.

Em fevereiro de 2020, o navio espião russo Yantar invadiu a área da Zona de Exploração Exclusiva do Brasil. A embarcação singrou águas territoriais brasileiras ocultamente por uma semana e, quando identificada, ignorou as tentativas de contato das autoridades locais. Embora não tenha sido propriamente ilegal, a ação russa foi considerada injustificada, suspeita e em certa medida hostil. Tanto que a Marinha teve que coordenar uma missão de reconhecimento para localizá-lo na costa.

Os exercícios militares de agosto serão, muito provavelmente, um teste definitivo para identificar quão tolerante a região será com a presença cada vez mais constante dessas tropas. A combinação de pressão financeira por parte da China, do agravamento do caos com a disseminação de desinformação por parte de Moscou e Teerã e da presença militar desses atores pode levar a região para um ambiente de tensão constante que terá como consequência não só a erosão da democracia, mas também uma possível interrupção de décadas de paz entre as nações da região.

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