• Carregando...
Jogadoras cubanas de hóquei na grama comemoram gol contra o Canadá no Pan de Santiago: maioria dos cubanos que fugiram durante a competição são da equipe feminina de hóquei.
Jogadoras cubanas de hóquei na grama comemoram gol contra o Canadá no Pan de Santiago: maioria dos cubanos que fugiram durante a competição são da equipe feminina de hóquei.| Foto: Carlos Ortega/EFE

Os Jogos Pan-Americanos de Santiago terminaram e dez membros da delegação de Cuba não voltaram para casa. Eles decidiram permanecer no Chile, onde tentarão obter refúgio ou asilo. As notícias sobre a decisão dos atletas de não embarcar para Cuba quase sempre tratam os casos como “deserção”. Um conceito militar que é empregado para aqueles que não cumprem suas obrigações, rompem um pacto para com seu grupo ou causa, ou viram as costas para o país em situações de serviço ou conflito. Sem forçar a mão na interpretação, quem deserta flerta com a traição. Por isso, é correto chamar de “desertor” quem foge de uma ditadura?

Quem escapa de um regime opressor não poderia jamais ser chamado de desertor. São vítimas que estão deixando para trás seus familiares, amigos, pertences pessoais e sua história com o lugar e todos os demais elementos que cada um pode considerar como parte de sua vida. Exilar-se custa muito.

As fugas só não são massivas porque os cubanos precisam ponderar que, além das perdas pessoais e afetivas, há uma série de dificuldades e ameaças impostas pelo regime cubano. Os familiares dos “desertores” permanecem na ilha, e passam a ser assediados e perseguidos de maneira implacável pelos agentes da ditadura. Os atletas nem sequer têm seus passaportes em mãos. Os documentos são recolhidos pelos capatazes logo depois que eles passam pela imigração. Confisco típico de quem escraviza. Prática conhecida, mas ignorada pelo Comitê Olímpico Internacional e federações esportivas, que jamais deveriam aceitar Cuba nas competições oficiais enquanto o regime mantém seus cidadãos sob cativeiro.

Quem escapa de um regime opressor não poderia jamais ser chamado de “desertor”. São vítimas que estão deixando para trás seus familiares, amigos, pertences pessoais e sua história com o lugar. Exilar-se custa muito

Cuba é uma ilha-prisão. Mesmo assim, quem tem a coragem – mas, principalmente, a oportunidade – foge.

No ano passado, duas atletas e um fisioterapeuta abandonaram a delegação no Mundial de Atletismo, nos Estados Unidos. Em 2021, 12 dos 24 jogadores da seleção de beisebol que disputou o Campeonato Mundial Sub-23, no México, também deram no pé. Durante o Pan de Toronto, em 2015, outros 30 atletas disseram basta para o regime cubano. Segundo o Estadão, desde o ano passado, nada menos que 187 atletas escaparam das garras da ditadura.

Em 2007, quatro membros da delegação cubana presente no Pan do Rio de Janeiro conseguiram escapar da vigilância do regime sobre eles. Dois deles, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, acreditaram que, por estar no Brasil, encontrariam a liberdade. Ledo engano. Rigondeaux e Lara foram caçados pelas autoridades brasileiras, que, depois de localizá-los, os entregaram de volta para Cuba. Um dos episódios mais vergonhosos do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que transformou a Polícia Federal brasileira em extensão dos braços da ditadura cubana.

Anos depois, já sob Dilma Rousseff, o Brasil voltou a ser uma base de escravidão offshore de Cuba. Entre 2013 e 2018, mais de 15 mil cubanos foram explorados com a conivência do Planalto e a cobertura institucional da Organização Pan-Americana da Saúde, enquanto serviram ao Programa Mais Médicos. Quase 3 mil deles fizeram a opção de largar tudo e tentar uma vida nova no Brasil ou em qualquer outro lugar longe da exploração cubana.

Assim como os atletas, os médicos também tinham seus documentos retidos e sua liberdade vigiada. Além do já conhecido confisco de mais de 75% dos rendimentos que lhes eram devidos, os médicos que viveram no Brasil estavam sob chantagem. Qualquer “desvio” seria motivo para repatriação. A “deserção” significaria o confisco de seus poucos bens em Cuba e a promessa de punição financeira de parentes, que já viviam em um país precário e pobre.

Mas, se Cuba é o paraíso, por que tantos cubanos fogem da ilha?

Os defensores da ditadura vão dizer que não, Cuba não é um paraíso, e só não o é por causa do bloqueio genocida imposto pelos Estados Unidos. Mas (sempre há um “mas”), apesar de tudo, Cuba é, sim, um sucesso. “Seus indicadores são de dar inveja até em países do primeiro mundo”, dizem.

Então, por que tantos cubanos fogem de Cuba?

Cuba é uma ilha de fantasia. Habita o imaginário adolescente de muita gente já idosa que alimenta a propaganda de um regime que viola os direitos humanos e sufoca qualquer movimento por liberdade. Mais que fugir da carestia, os fugitivos do paraíso buscam algo que vai além do pão. Mas nos partidos de esquerda, escolas, parlamentos do Brasil à Finlândia, há quem pense que são desertores virando as costas para um país-paraíso que se resume às visitas guiadas ao Malecón e aos mojitos da La Bodeguita del Medio. Uma ilusão de paraíso que não resistiria a uma visita autônoma a um posto de saúde ou escola que estão atrás do biombo da revolução.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]