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Líderes islâmicos brasileiros fazem manifestação de apoio ao Hezbollah em 2006, em São Paulo.
Líderes islâmicos brasileiros fazem manifestação de apoio ao Hezbollah em 2006, em São Paulo.| Foto: Arresala - Centro Islâmico no Brasil/Flickr

Ummah. É assim a romanização da palavra árabe que os muçulmanos usam para se referir à “comunidade” ou “nação” islâmica. Mas, na realidade, a carga semântica de ummah vai além do significado que nós, brasileiros, temos para “comunidade” e “nação”. Ummah não se refere a um povo ou lugar. Tem um sentido que, na religião, faz de todo muçulmano parte de uma estrutura orgânica que transcende a geografia, o idioma e a cultura. Em uma comparação livre com o catolicismo, pode-se imaginar algo como a comunhão. A ummah é um poderoso instrumento de conexão entre os seguidores do Islã.

Para o bem, serve para que eles se juntem e se ajudem mutuamente. Em ambientes em que são minoria, ela é ainda mais potente, pois, além de permitir o aglutinamento em torno de mesquitas e centros islâmicos, ela faz os mulçumanos espalhados pelo mundo se sentirem unidos sob o criador, Alá.

Para o mal, ela é a porta de entrada da manipulação radical. Os eventos recentes em Gaza servem para ilustrar como os terroristas do Hamas não só usam civis como escudo, mas instrumentalizam a religião. Valem-se do sentido da ummah para sequestrar o Islã.

O Hamas prefere cavar túneis para traficar armas, drogas e esconder foguetes a melhorar a infraestrutura de Gaza. Aliás, o Hamas transformou em fuselagem de foguetes quilômetros e quilômetros de tubos de metal que deveriam estar levando água para os palestinos

Muitos mulçumanos, em todos os cantos do planeta, compraram a ideia de que o Hamas representa os palestinos e que uma reação ao Hamas é uma agressão à ummah. Uma armadilha minuciosamente arquitetada pelos terroristas que emporcalham a religião e a utilizam como escudo.

Obviamente, é errado acusar quem vai para as ruas protestar em favor do Hamas de ser um apoiador do terror. O que move a maioria das pessoas a justificar as ações do Hamas é a crença de que eles fazem parte da ummah e que, portanto, estão lutando pelos irmãos mulçumanos oprimidos. Essa é a maioria. Mas entre eles sempre há, sim, quem apoie, justifique ou financie o terror. É evidente que esses radicais estão espalhados por todos os lados, desde Washington, D.C., de onde escrevo esta coluna, passando pela discreta Catanduva (SP) e chegando aos confins de Kandahar, no Afeganistão.

Acreditar que o Hamas é “resistência” ou qualquer coisa que possa parecer minimamente razoável é uma ilusão. Muito antes das bombas de Israel, os palestinos de Gaza padecem no cativeiro montado pelo próprio Hamas, que prefere cavar túneis para traficar armas, drogas e esconder foguetes a melhorar a infraestrutura de Gaza. Aliás, o Hamas transformou em fuselagem de foguetes quilômetros e quilômetros de tubos de metal que deveriam estar levando água para os palestinos. No poder desde 2006, nunca mais saiu, porque rejeita as eleições, caminho que usou para tomá-lo. Virou uma ditadura violenta que tem como objetivo principal destruir Israel, ainda que para isso tenha de transformar Gaza em uma monumental pilha de escombros e túmulo de muitos que eles fingem defender.

A maioria absoluta – absoluta, mesmo; muito próximo de 100% – dos muçulmanos rejeita o terrorismo. Sabe que o terror é o pior caminho, e que os próprios mulçumanos são as principais vítimas dessa forma da violência política. Mas essa mesma maioria, assim como os seus líderes, fraqueja diante da necessidade de condenar e combater, com todas as forças, o oportunismo dos terroristas que se escondem atrás da religião para cometer atos brutais.

Os líderes muçulmanos falham em blindar o poderoso senso de coesão do Islã da influência vinda de organizações radicais. As elites políticas, religiosas, acadêmicas e econômicas do Islã jamais deveriam admitir que o Hamas sequestrasse a religião. Não só o Hamas. Al-Qaeda, Estado Islâmico, Hezbollah, Boko Haram, Jihad Islâmica, Talibã, al-Nushah, al-Shabaab, Ansar al-Sharia, Aqim e uma série de outros grupos que cometem atos de terror em nome de Deus, mas antes disso em nome do Islã.

O engano está em aceitar o terrorismo e seus terroristas como parte da ummah. Aqueles que acham que, em nome do Islã, são obrigados a se colocar ao lado das monstruosidades do Hamas ignoram que nenhum corpo é imune a enfermidades. Que a ummah, a grande estrutura orgânica do Islã, tem um tumor em processo de metástase. Ignorá-lo pode trazer consequências – no mínimo, sequelas.

Alegar islamofobia para quem critica o terror e não o Islã não serve para proteger a religião e os seus fiéis. Reforça o poder de quem surrupia a legitimidade da fé dos mulçumanos para transformá-la em escudo ou até mesmo arma

Nos últimos anos, fui testemunha de alguns exemplos de como os radicais instrumentalizam as comunidades no Brasil. A primeira vez foi em 2006, durante a guerra entre Israel e Líbano. É a cena que ilustra esta coluna. Alguns dos principais líderes islâmicos no Brasil não viram problema algum em desfilar em defesa dos terroristas libaneses. Afinal, era uma passeata contra Israel. Como se a ordem dos fatores alterasse o produto. Eles marcharam na Avenida Paulista, em São Paulo, sob a bandeira do grupo terrorista Hezbollah e com fotos de seu secretário-geral e líder terrorista Hassan Nasrallah.

Anos depois, estava em Foz do Iguaçu para me encontrar com muçulmanos que não aceitavam a presença de radicais em sua comunidade. Nos dias seguintes, eles me denunciariam um sheik egípcio que passou por lá: além de arrecadar, segundo eles, recursos para o Hamas, montou uma rede de proteção para compatriotas foragidos. Membro da organização terrorista Gama’a al-Islamiyya, acusado de participação em um atentado no Egito em 1997.

Por uma incrível coincidência, foi lá que vi pela televisão a notícia da morte de Osama bin Laden, no Paquistão. No dia seguinte, minhas fontes relataram a indignação de alguns na cidade. Uma manifestação chegou a ser convocada para protestar contra o assassinato do saudita, que era nada mais, nada menos que o líder da organização que realizara os maiores atentados terroristas no ocidente, dez anos antes.

O mais surpreendente é que a mesma comunidade que em 2011 foi às ruas de Foz do Iguaçu lamentar por Bin Laden havia mostrado grande indignação um mês antes, quando a revista Veja revelou que membros de grupos extremistas islâmicos viviam e operavam no Brasil. Alegaram islamofobia da revista e deste autor, então repórter daquela publicação. Um processo sem pé sem cabeça que até hoje não foi resolvido.

Alegar islamofobia para quem critica o terror e não o Islã não serve para proteger a religião e os seus fiéis. Reforça o poder de quem surrupia a legitimidade da fé dos mulçumanos para transformá-la em escudo ou até mesmo arma. No lugar de se sentir atacada, a comunidade deveria se unir para proteger os valores fundamentais de sua fé. Que nada, absolutamente nada, tem a ver com o terrorismo.

Os radicais, e no caso vale ressaltar o Hamas, não sequestram apenas civis, velhinhos e crianças. Eles tampouco mantêm em um cativeiro apenas os moradores de Gaza. Eles sequestraram a religião. Ninguém mais que os próprios mulçumanos pode livrar o Islã dos radicais que instrumentalizam a ummah em nome de um projeto de violência e covardia.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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