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Tela mostra o líder chinês Xi Jinping durante sessão de encerramento do Congresso Nacional Popular, em Pequim, China, 11 de março
Tela mostra o líder chinês Xi Jinping durante sessão de encerramento do Congresso Nacional Popular, em Pequim, China, 11 de março| Foto: EFE/EPA/STRINGER

A notícia é a seguinte: o Banco Mundial reconheceu nesta semana que um de seus estudos mais populares, que descreve o ambiente de negócios e investimentos nos países foi suspenso. Na realidade extinto. A razão: gente graúda dentro da instituição estava interferindo nos relatórios, fazendo ajustes finos – enganosos e irregulares – para ajudar a China a aparecer melhor no ranking dos países analisados.

O relatório indica a ajudinha para a China saltar da 85a posição para a 78a. A traquinagem também favoreceu Azerbaijão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. O pano de fundo: quando a tramoia foi feita, em 2018, os diretores do Banco Mundial, que agora estão sob suspeita, estavam fazendo um esforço sobrenatural para convencer a China a fazer um incremento em seus aportes no banco.

Em um primeiro momento, pode parecer que a China estava interessada em dar uma enganada no mercado. Mostrar que é um lugar um pouquinho melhor do que é para investidores externos. Um salto no ranking da 85a posição para a 78a posição é realmente um feito extraordinário. Mas é do tipo de coisa que só se comemora em países como a Bolívia ou até mesmo o Brasil. A hipótese é outra. A China não quer ranking algum que atrapalhe a sua estratégia de construção de uma imagem de “normalidade” perante o mundo.

Como pode a China de Xi Jinping, a segunda maior economia do planeta, que trabalha para assumir a liderança antes do fim desta década, se ver em um ranking que mostra que o ambiente de negócios do país está em uma posição tão desfavorável. A última edição do relatório, publicada em 2020, também foi marcada pela manipulação. O documento indica que a China evoluiu de tal maneira que já estava na exuberante 31a posição. Mas bem longe da grandiosidade que Xi considera digna para a China, mas sobretudo para si mesmo.

As primeiras evidências de fraude surgiram em 2018, mas o denunciante pagou caro por levantar suspeitas. Em uma operação que formalmente foi caracterizada como uma “renúncia”, o técnico foi para rua. No ano passado, o Banco Mundial assumiu o problema. Com dois anos de atraso deu início à investigação que colocou em xeque procedimentos que, muito generosamente, podem ser chamados de antiéticos.

Mas ao invés de implantar novas e eficientes camadas de proteção para o informe, o Banco Mundial preferiu enterrar a ferramenta que tinha o poder de ser um olhar independente sobre as políticas econômicas e um panorama externo de 190 países.

Governos incompetentes odeiam se ver diante do espelho. Governos corruptos ainda mais. Ditaduras? Ah... as ditaduras não reconhecem espelhos. Preferem quebrá-los. E parece ser isso que aconteceu com o relatório do Banco Mundial.

A China de Xi Jinping está construindo um mundo à sua imagem e semelhança. Um admirável mundo novo. Pelo menos é o que estamos sendo induzidos a aceitar. Sob o silêncio dos Estados membros/sócios, é o que acaba de se passar no Banco Mundial. A deslealdade, corrupção e autoritarismo chineses podem ter sido usados originalmente para galgar posições em um ranking importante. Mas, ao fim, serviram para destruí-lo. Para que um ranking comparando a China com outros países se a China não se considera comparável a nada e ninguém? Se até os conceitos de liberdade de mercado, capitalismo e Democracia, a China foi capaz de subverter em seu favor, com a complacência do Ocidente e a preponderância dos negócios sobre valores e garantias fundamentais. O que seria de um ranking?

Modelos independentes, que ofereçam qualquer tipo de comparação desfavorável ao regime, são um empecilho para a estratégia do Partido Comunista Chinês que se esforça para se “normalizar” diante dos olhos ocidentais. Normalizar, aqui, é usado no sentido de ser aceito como igual. Algo normal diante dos olhos ocidentais.

Como a China não vai mudar, quem tem que mudar é a percepção do mundo sobre a China, ainda que para isso o mundo mude.

Transforme-se em um deplorável mundo novo.

As trapaças da China dentro do Banco Mundial se unem às pressões dentro da Organização Mundial da Saúde para impedir investigações decentes sobre a origem do SARS-Cov-2, por exemplo, e vão além. Quando não está no comando direto, o regime exerce influência direta ou financeira em organizações multilaterais. Atualmente, quatro das quinze agências da ONU são comandadas por membros do Partido Comunista Chinês.

A trapaça descoberta no Banco Mundial mostra uma mudança de padrão no exercício da influência global. A Europa e os Estados Unidos são autores de planos e políticas equivocadas que foram impostas de cima para baixo ou que foram ineficazes, ou às vezes negativas para países em desenvolvimento. A emergência da China como potência dentro do Banco e das demais instituições não tem, como a maioria tende a crer, um poder de contrapeso. A China mudou o padrão de influência. Está impondo ao mundo um câmbio na marra, segundo as suas próprias regras ou métodos. Compra, corrompe, pressiona, ameaça.

Tanto aqui em Washington, D.C., quanto aí no Brasil tem gente ajudando. Gente que acredita, ou finge acreditar, que apenas está fazendo bem o seu trabalho.

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