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Foi no longínquo dezembro de 2002. O então presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi aos Estados Unidos dias antes de sua posse. Naquele período de transição, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, recebeu o brasileiro com cortesia diplomática em Washington. Um ex-funcionário da Casa Branca, com quem este colunista conversou anos depois, contou que o encontro começou com um gesto caloroso. Bush, sempre sorridente, abriu os braços moderadamente e cumprimentou Lula com um afável “hola!”, em espanhol, seguido de congratulações pela vitória.
Mas foi a sequência do encontro que revelou um detalhe simbólico e profético. Bush tocou com o dedo o broche na lapela do terno de Lula, que ostentava com orgulho a estrela vermelha do Partido dos Trabalhadores. Com gentileza, mas firmeza, disse: “Lula, você precisa trocar isso pela bandeira do Brasil. O senhor não é mais presidente de um partido, mas de todos os brasileiros”.
Quatro meses depois, já empossado, Lula apareceu com o novo broche: o símbolo nacional substituíra a estrela partidária. Mas a pergunta que ressurge hoje, com ainda mais força, é: será que Lula realmente compreendeu o recado de Bush? Ou apenas trocou o broche e manteve, dentro da lapela e da alma, o projeto de poder do partido acima do interesse nacional?
Já se passaram duas décadas daquele gesto diplomático e Lula já se encontra na segunda metade de seu terceiro mandato. Quais são os sinais de que ele se desvencilhou do papel de líder de partido? Para o azar do Brasil e dos brasileiros são raros. Lula não governa como chefe de Estado, mas como operador político de uma causa, como o dirigente maior de uma seita ideológica que trata adversários como inimigos e os interesses nacionais como obstáculo à causa partidária. E nesse caso não custa lembrar que o PT é o Lula.
Nesta semana, uma cena emblemática: Lula viajou à Argentina. Em vez de usar a ocasião para melhorar as tensas relações com o novo governo de Javier Milei, que apesar de seu estilo excêntrico foi eleito democraticamente com uma agenda reformista, Lula prefere jogar gasolina no fogo. Ele incluiu na agenda uma visita à ex-presidente Cristina Kirchner, condenada por corrupção e em prisão domiciliar. Lula deseja reabilitá-la, mesmo que isso represente um tapa na cara da Justiça argentina e um soco no estômago das relações bilaterais. O objetivo? Reforçar a narrativa de que Kirchner, assim como ele, é uma mártir da lawfare, como ele mesmo se diz. Lula vê em Cristina a si mesmo.
Mas, mais preocupante do que esse revisionismo judicial regional é a agenda internacional que Lula tem escolhido adotar. Lula ainda não deu qualquer sinal de disposição para dialogar com o governo americano. Até hoje, não houve sequer uma conversa entre os chanceleres dos dois países. Lula tratou Trump com desprezo – chamando-o de desumano, fascista e nazista – e parece preferir manter o Brasil de costas para a maior potência mundial com quem o Brasil sempre manteve laços históricos, comerciais e estratégicos fundamentais.
Enquanto insulta aliados tradicionais, o presidente do Brasil faz acenos a ditadores e autocratas. Propõe transformar os BRICS numa plataforma geopolítica antiamericana, com apoio da Rússia de Vladimir Putin, da China de Xi Jinping e, pasme-se, até mesmo do Irã dos aiatolás. Um alinhamento com os inimigos declarados do Ocidente, mesmo com os Estados Unidos sendo o segundo maior parceiro comercial do Brasil e o maior investidor estrangeiro em território nacional.
A animosidade é ideológica, mas os prejuízos são reais. Lula age por pirraça política, não por pragmatismo de Estado. O custo dessa escolha é cobrado em comércio, investimentos e imagem. A retórica da guerra fria envernizada de progressismo ideológico não cria empregos nem atrai capital. O mundo começa a se dar conta de que o discurso de salvador da democracia era um conto de fadas. A bordoada que a revista inglesa The Economist deu no presidente brasileiro é um sinal claro de que o pessoal já sabe para que lado a banda de Lula toca.
Governar um país é, antes de tudo, ter a humildade de saber que os próprios interesses devem se subordinar aos da Nação
Aliás, ideologia e camaradagem política já custaram caro ao Brasil. No final do primeiro mandato, Lula aceitou passivamente que uma refinaria da Petrobras fosse roubada pelo então presidente boliviano Evo Morales. Avisado previamente da intenção de estatizar as instalações da empresa brasileira, Lula não se opôs e disse entender que era direito dos bolivianos. A entrega de patrimônio público em nome da “integração sul-americana” foi, na verdade, um presente ao companheiro Morales. Depois do confisco, o boliviano pagou o que se pode chamar de valor simbólico para dizer que não roubou a refinaria do Brasil, mas sobretudo para limpar a barra de Lula.
Os escândalos da Lava Jato revelaram que, para além da corrupção convencional, os governos petistas desenvolveram um sistema de exportação de financiamento político ilegal. Milhões de dólares foram desviados para campanhas de aliados na Venezuela de Chávez e Maduro, em El Salvador, no Peru e em outros países. O dinheiro do povo brasileiro financiou projetos de poder alheios – mas que serviam à expansão do mesmo projeto ideológico.
Fora do governo, Lula não parou. Em sua obsessão por destruir Bolsonaro, vendeu ao mundo uma imagem apocalíptica da Amazônia. Fez parecer que o Brasil era um deserto de árvores derrubadas, sem lei nem controle. A propaganda foi tão bem-feita que, mesmo depois de eleito, Lula não conseguiu reverter a percepção. Hoje, o país enfrenta barreiras comerciais, campanhas de boicote e pressões regulatórias que afetam diretamente nossa economia. A reputação ambiental brasileira, que poderia ser um trunfo, virou um fardo fabricado pelo próprio presidente.
Governar um país é, antes de tudo, ter a humildade de saber que os próprios interesses devem se subordinar aos da Nação. Lula nunca entendeu isso. Sua lapela pode carregar a bandeira do Brasil, mas seu coração continua bordado com a estrela do partido. O que move seu governo não é o bem comum, mas a manutenção do poder, o fortalecimento de uma narrativa e a salvação de uma causa que já custou demais ao país.
Bush avisou, com elegância e firmeza, que Lula precisava mudar mais do que o broche. Mas o ex-metalúrgico preferiu seguir o script que sempre conheceu: o do líder sindical em eterna campanha, em guerra contra inimigos imaginários, disposto a tudo para proteger seus companheiros. Mesmo que isso signifique virar as costas ao Brasil. Ou pendurar um broche do PT no Itamaraty e, porque não, em cada um dos brasileiros.





