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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em foto de setembro de 2023.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aceitou descongelar bilhões de dólares do regime iraniano em troca da libertação de prisioneiros norte-americanos.| Foto: Chris Kleponis/EFE/EPA/Pool

O governo dos Estados Unidos anunciou o desbloqueio de US$ 6 bilhões do regime iraniano. O dinheiro – que estava congelado como parte das sanções impostas por violações aos direitos humanos e pelo programa nuclear flagrantemente militar – foi restituído aos aiatolás como uma espécie de pagamento de resgate por cinco cidadãos americanos que estavam presos no Irã.

Sob a perspectiva dos reféns, vítimas de um regime avesso aos direitos humanos, a notícia é um alívio. Mas qual é o significado disso para além do fim do drama de cada um deles e de suas famílias? Os Estados Unidos estão cedendo perigosamente à chantagem de Estados criminalizados.

Há, por sinal, o potencial de que ser cidadão americano virou um risco. Viajar por certos lugares do mundo pode se transformar em problema. Ou, mais precisamente, em moeda de troca.

Ao aceitar trocas de prisioneiros, os Estados Unidos topam colocar em pé de igualdade o seu sistema judicial com o de ditaduras sequestradoras, que usam a lei como fachada para perseguições

O Irã é sabidamente um país sob um regime ditatorial que patrocina o terrorismo e tem os Estados Unidos e seus aliados como alvo. Os aiatolás perseguem o sonho de ter uma arma nuclear para apontar para Israel. Os líderes iranianos patrocinam o Hezbollah, que tem em seu currículo atentados contra a Embaixada dos Estados Unidos e ao quartel dos marines, em Beirute, em 1983; e contra a Associação Mutual Israelita de Buenos Aires (Amia), em 1994. A fortuna que chegará às contas do regime teocrático servirá para financiar, majoritariamente, os planos de desestabilização e terror que o Irã tem como parte intrínseca de sua política externa.

E não é a primeira vez. Em dezembro passado, a administração Biden libertou Viktor Bout – que, quando esteve em atividade, foi o rei do contrabando de armas, alimentando guerras em todo o mundo – em troca da liberdade da jogadora de basquete Brittney Griner, que estava presa na Rússia. Griner foi acusada de carregar em sua bagagem um cigarro eletrônico que continha haxixe. Denunciada por tráfico, ela, se condenada, pegaria uma pena de até dez anos de prisão. Em outubro de 2022, os americanos devolveram para a Venezuela dois traficantes de cocaína que também eram familiares da mulher de Nicolás Maduro, Cilia Flores. A libertação ocorreu em uma negociação de troca por sete americanos que estavam presos pelo regime venezuelano.

Tratados como “troca de prisioneiros”, os dois casos, envolvendo Rússia e Venezuela, guardam uma imensa assimetria. O mercador da morte Viktor Bout é um criminoso conhecido. Ele foi preso. Julgado, com amplo direito de defesa, e condenado por um sistema judiciário independente e muito generoso, que lhe aplicou uma pena de apenas 25 anos de prisão. Brittney Griner era um troféu. Ela estava nas mãos de uma Justiça servil a uma autocracia e que foi usada, a despeito de sua falha ao carregar a droga para dentro da Rússia, como moeda de troca.

Os sobrinhos da mulher de Maduro foram presos em flagrante em uma operação controlada por policiais da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês), que investigavam a participação dos venezuelanos em uma rede de tráfico de cocaína para os Estados Unidos. Depois da prisão em flagrante no Haiti, a dupla foi enviada para os Estados Unidos, onde passou por um julgamento regular, com defesa plena (e muito cara) bancada pelos familiares da Venezuela. Depois de quase um ano de processo, eles foram condenados a 18 anos de prisão. Uma pena branda. Bem suave para quem planejava despejar 800 quilos de cocaína – apenas nesta remessa conhecida – no mercado americano.

As autoridades americanas estão enviando uma mensagem aos seus inimigos: que aceitam negociar. Que topam colocar em pé de igualdade o seu sistema judicial com o de ditaduras sequestradoras, que usam a lei como fachada para perseguições. Um caminho perigoso para uma normalização e até incentivo de sequestros e armações contra cidadãos americanos em busca de vantagens financeiras e libertações de bandidões de todo tipo.

A mensagem que fica é que os cidadãos americanos se tornaram um produto valioso no escambo geopolítico

Em seu último ano de governo, em 2016, o então presidente Barack Obama libertou sete iranianos em troca de cinco americanos. A troca se deu no mesmo momento em que Washington buscava distensionar a relação com Teerã e descongelou US$ 400 milhões que estavam retidos desde 1981. Além da restituição, o dinheiro foi acompanhado de US$ 1,3 bilhão a título de juros. A Casa Branca negou qualquer relação entre a libertação dos americanos e o pagamento. Mas as duas ações faziam parte dos esforços de aproximação, que também incluíam um acordo para tentar impedir que o regime iraniano construísse uma bomba nuclear.

Em 2018, Donald Trump também fez uma troca. Conseguiu a liberação de três americanos presos na Coreia do Norte como condição para a realização de um encontro com Kim Jong-un. Um movimento que fez muito barulho, mas sem resultado algum. Mas que, além de um punhado de fotos e muita propaganda, não produziu consequências negativas.

Entre a negligência de Biden e o turismo de aventura de Trump há um ponto de equilíbrio que está perdido pelos operadores da política externa dos Estados Unidos. Enquanto isso, a mensagem que fica é que os cidadãos americanos se tornaram um produto valioso no escambo geopolítico.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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