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Lexum

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Respeito à lei

Entre o texto e a toga: por que nasce a Lexum

A Lexum é movida por princípios, não por alinhamentos partidários ou rótulos ideológicos. (Foto: Katrin Bolovtsova/Pexels)

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Com esta coluna, a Lexum inicia sua contribuição periódica à Gazeta do Povo. Falaremos de direito, mas também de liberdade, instituições, responsabilidade e limites. Nascemos da convicção de que a crise do Estado de Direito no Brasil é, antes de tudo, uma crise da cultura jurídica — uma erosão silenciosa de fundamentos que antes pareciam inegociáveis. Aqui, faremos o contraponto — com firmeza, argumentos e fidelidade aos princípios que sustentam uma República de verdade.

Um dos sintomas mais evidentes dessa crise é o descompasso entre o texto constitucional e sua aplicação prática — especialmente no que diz respeito à soberania popular, fundamento último de qualquer regime democrático. A distância entre o que está escrito e o que se realiza revela muito sobre os rumos que o direito vem tomando no país e sobre o tipo de ordem institucional que estamos dispostos a tolerar.

O primeiro artigo da Constituição brasileira é claro: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” É uma frase forte, inaugural, escrita para fundar a autoridade legítima na vontade popular. Mas palavras solenes não bastam. Soberania não se sustenta em papel: depende da prática contínua, reiterada, e do respeito irrestrito aos direitos fundamentais que protegem o indivíduo contra o arbítrio.

Hoje, no entanto, observamos um desvio preocupante. A Corte Constitucional, ao ultrapassar os limites da interpretação e ingressar no território da criação, inverte o próprio sentido da lei. Ao deixar de atuar como árbitro para interferir diretamente no jogo político, abandona sua função de garantidora da ordem constitucional e assume uma postura centralizadora, como se a ela coubesse não apenas interpretar o texto, mas remodelá-lo segundo critérios próprios.

O documento criado para conter o poder acaba se transformando em instrumento de sua ampliação. O efeito disso é a substituição da soberania popular por uma suserania de toga — em que os cidadãos deixam de ser sujeitos de direitos para se tornarem súditos de uma ordem imposta de cima para baixo, sem mediação legítima.

Soberania não é uma palavra para discursos. É uma condição real, mensurável por parâmetros objetivos. Um país só pode se dizer soberano diante do mundo quando, dentro de suas fronteiras, seu povo é livre — não teoricamente livre, mas livre na prática, no cotidiano, nas garantias que fazem da liberdade algo mais do que um conceito abstrato. E liberdade, aqui, não se mede por proclamações, mas por garantias efetivas: liberdade de expressão, propriedade, processo legal, igualdade. Sem isso, a soberania é apenas um ornamento retórico, usado como enfeite em cerimônias de ocasião.

Defender os direitos fundamentais não é capricho individual. É zelar pelo núcleo duro da soberania e pela legitimidade de qualquer sistema jurídico digno desse nome. Porque, sem um povo respeitado, não há nação livre — só um Estado isolado, fechado em si, dominado por poderes que não prestam contas a ninguém, e que fazem da exceção uma constante.

Esse cenário, em que a soberania popular é sufocada por uma hipertrofia institucional, exige mais do que protestos ocasionais. Exige organização, clareza e propósito. Exige, sobretudo, que os que ainda acreditam no direito como limite ao poder se articulem de forma concreta e consequente. É nesse espírito que nasce a Lexum.

A Lexum é um chamado. A todos os que creem que a liberdade começa no respeito à lei

A Lexum é movida por princípios, não por alinhamentos partidários ou rótulos ideológicos. É verdade que esses princípios costumam atrair libertários, liberais clássicos e conservadores, mas nossa porta está aberta a todos, de qualquer orientação política, desde que compartilhem desses valores fundamentais. Acreditamos que a defesa do direito e da liberdade transcende espectros ideológicos: é um dever de consciência, não um monopólio de correntes.

Nossos fundamentos são simples, mas sólidos:

  1. O Estado existe para preservar a liberdade;
  2. A separação de poderes é essencial para a nossa Constituição Federal;
  3. A atribuição e dever do Judiciário é dizer o que a lei é, não o que ela deveria ser.

Esses princípios não pertencem à direita ou à esquerda, tampouco a partidos. Pertencem à própria ideia de Estado de Direito e à tradição constitucional que garante o convívio pacífico entre liberdade e autoridade legítima. E é por fidelidade a eles que a Lexum se forma: para resgatar o direito das doutrinas que o deformaram — doutrinas que, em nome de justiça ou progresso, dissolveram as fronteiras entre legalidade e vontade.

Não somos um espaço de debates dispersos. Somos uma associação com missão definida: recolocar o direito nos trilhos e restaurar sua função original como instrumento de limitação do poder. Aceitamos divergências doutrinárias — porque é no confronto honesto de ideias que se forja a verdade —, mas recusamos a distração das trincheiras ideológicas. Não estamos aqui para discutir etiquetas, mas para defender fundamentos — aqueles que tornam o direito um campo respeitável e previsível.

Nossa tarefa é hercúlea. Não se trata apenas de discordar do pós-positivismo, do neoconstitucionalismo e de suas vertentes; trata-se de confrontar a cultura jurídica que, sob o pretexto de modernização, fragilizou a previsibilidade das normas, corroeu os limites do poder e tornou o direito refém da vontade. Não queremos destruir nada — isso seria repetir os métodos autoritários que combatemos. Queremos reconstruir. Reerguer o direito como campo sólido, seguro, confiável, em que as regras não mudem ao sabor dos ventos políticos ou das interpretações de ocasião.

A Lexum é um chamado. A todos os que creem que a liberdade começa no respeito à lei. Que o poder deve ter limites claros. Que o Brasil só será verdadeiramente livre quando o direito deixar de ser fluido e voltar a ser firme. É tempo de devolver ao direito sua dignidade — firmada no respeito aos direitos fundamentais negativos, aqueles que limitam a ação do Estado e protegem o cidadão contra abusos de poder, como a liberdade de expressão, a propriedade, a vida, o devido processo legal. É também tempo de devolver à Constituição sua força vinculante, para que volte a ser referência objetiva e não pretexto interpretativo.

Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos fundadores e presidente da Lexum.

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Nota: A Lexum não adota posições específicas sobre questões jurídicas ou de políticas públicas. Qualquer opinião expressa é de responsabilidade exclusiva do autor. Estamos abertos a receber respostas e debates sobre as opiniões aqui apresentadas.

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