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Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

"Investimentos sustentáveis"

A Ambipar e as pirâmides “esverdeadas”

O colapso da Ambipar expõe o lado sombrio das “finanças verdes”: especulação, riscos e ilusões vendidas como desenvolvimento sustentável. (Foto: Imagem criada utilizando Gemini/Gazeta do Povo)

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Em janeiro último, os brasileiros que não operam no sistema financeiro foram apresentados à Ambipar, uma impressionante empresa até então quase desconhecida da grande maioria, com a qual o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) assinou um protocolo de intenções para a prestação de uma série de serviços nas terras indígenas nacionais.

Uma nota oficial do ministério listava os serviços: projetos de conservação e recuperação ambiental; promoção da economia circular; gestão, destinação e disposição de resíduos sólidos; suporte técnico para prevenção e resposta a eventos extremos e desastres, como incêndios e enchentes, entre outros; reflorestamento de áreas desmatadas e projetos de bioeconomia e serviços ecossistêmicos.

Chamou a atenção o fato de o anúncio ter sido feito durante a reunião anual do célebre Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, onde a participação brasileira se concentrou na agenda das “finanças verdes”: a conversão dos biomas nacionais em prestadores de “serviços ambientais” aptos a atrair investimentos ditos “sustentáveis”.

Em fevereiro, a empresa anunciou o levantamento de US$ 450 milhões no mercado internacional em green bonds, títulos de dívida vinculados a ações e programas de sustentabilidade, com vencimento em 2033.

Na coluna de 4 de fevereiro (“A Ambipar e o lado negro das ‘finanças verdes’”), comentei que a empresa havia fechado cinco contratos com o MPI em 2024, no valor de R$ 480,9 milhões, para prestar diversos outros serviços logísticos em terras indígenas.

Igualmente, observei as suspeitas despertadas na Bolsa de Valores B3 pela valorização “atípica” de suas ações, lançadas na Bolsa em janeiro de 2024, que fecharam o ano com uma alta de 1.000%.

Conjecturei ainda que a Ambipar, com operações de gestão de resíduos em 39 países, seria uma das peças-chave do governo Lula para promover a ilusória agenda da “potência verde”, para a qual uma empresa com ingerência na gestão de nada menos que 14% do território nacional (área total das terras indígenas) poderia ser um atrativo chamariz para a atração de investimentos “sustentáveis” nos mercados internacionais.

Entretanto, em setembro, o mercado financeiro foi surpreendido pelo virtual derretimento das ações da empresa, que caíram mais de 90% em poucos dias, levando a um pedido de medida cautelar contra credores por 30 dias no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, prorrogáveis por mais 30, em meio a rumores sobre uma iminente recuperação judicial.

Com o andamento das investigações sobre o que teria dado errado com uma empresa tão promissora e antenada com “a linha de frente dos negócios do século 21”, como afirmou uma comentarista, começa a emergir uma complexa teia de negócios. Envolve um processo de expansão com alavancagem financeira de alto risco, combinado com instrumentos financeiros especulativos idem, negociados por instituições financeiras “viciadas” em operações que não diferem muito de pirâmides, além da possível presença de insiders interessados em tirar proveito das vulnerabilidades do esquema.

Fundada em 1995 pelo empresário Tércio Borlenghi Júnior, a Ambipar iniciou uma expansão estratosférica a partir de 2020, com fusões e aquisições de nada menos que 70 empresas no Brasil e no exterior. A meta mais que ambiciosa, descrita pela presidente Cristina Andriotti, era internacionalizar a área de gestão de resíduos e tornar-se líder mundial em emergências ambientais, químicas e biológicas (Folha de S. Paulo, 16/08/2021).

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Em 2024, a empresa viveu um ano dourado, com os contratos milionários com o MPI, uma oferta de green bonds de US$ 750 milhões, a abertura de escritórios em Dubai e Abu Dhabi e uma parceria com a fabricante de automóveis elétricos chinesa BYD. O CEO Tércio Borlenghi Júnior chegou a almoçar com o presidente francês Emmanuel Macron, como integrante de uma comitiva do LIDE – Grupo de Líderes Empresariais de João Doria. Ao final do ano, o preço da ação chegou a R$ 25,85 (Folha de S. Paulo, 05/10/2025).

Em fevereiro deste ano, após os eventos citados acima, o céu parecia ser o limite para as ambições de Borlenghi Júnior. Mas, de repente, as coisas começaram a degringolar.
Para proteger-se das variações cambiais, a empresa contratou derivativos de swap junto ao Bank of America, depois transferidos ao Deutsche Bank, com o qual assinou um aditivo vinculando os derivativos ao desempenho dos green bonds.

Em setembro, o valor dos green bonds começou a cair rapidamente, pois “alguém estava vendendo com vontade”, levando analistas a se questionarem por que a empresa não os recomprava, já que, oficialmente, dispunha de R$ 4,7 bilhões em caixa (Folha de S. Paulo, 05/10/2025).

Até agora, esse “alguém” não foi identificado e tampouco se conseguiu descobrir a real situação do caixa da Ambipar.

No dia 25, a empresa entrou com o pedido de tutela cautelar para evitar uma insolvência, devido ao risco de cobrança antecipada de dívidas que somam R$ 11 bilhões e que, além do Deutsche Bank, incluem credores como Itaú, Bradesco, Banco ABC, Banco do Brasil, Sumitomo Mitsui e Santander.

O resultado, em meio a uma torrente de acusações, suspeitas, denúncias e temores, foi derrubar o valor da ação da empresa para R$ 0,88, no momento em que este artigo era escrito.

Em paralelo, a crise da Ambipar deflagrou ondas de choque que abalaram seriamente o mercado dos Certificados de Operações Estruturadas (COEs), instrumentos que propõem combinar a segurança da renda fixa com a rentabilidade da renda variável, geralmente vinculados a índices bursáteis (Ibovespa, S&P 500 etc.) ou a títulos de dívida de empresas como a Ambipar e a Braskem, que também experimentou uma queda semelhante à da primeira. Nesses casos, os investidores podem sofrer perdas de até 100% dos valores aplicados.

Entre os mais engajados na oferta desses produtos destacam-se o banco BTG Pactual e a corretora XP Investimentos, que têm sido fortemente questionados por clientes que adquiriram COEs vinculados às ações das duas empresas e tiveram grandes prejuízos com a queda livre das mesmas.

Em março, a empresa de análises financeiras estadunidense Grizzly Research classificou os COEs como um esquema de pirâmide organizado pelas corretoras brasileiras, que, segundo ela, dependiam das vendas do produto para atingir resultados financeiros satisfatórios (Investidor10, 18/03/2025).

Em uma curta e contundente análise publicada no site Brazil Stock Guide (08/10/2025), o analista André Vieira sentenciou: “Em uma economia de juros altos, o apetite do Brasil pela segurança alimenta um promissor mercado de risco planejado... Legalmente, não há irregularidade. O risco está nas letras miúdas. O problema é econômico. A estrutura transfere toda a exposição [ao risco] ao cliente, enquanto o banco se protege com derivativos compensadores. O risco é privatizado; o lucro é socializado (grifos no original).”

A debacle da Ambipar é um oportuno sinal de alerta sobre os riscos das maquinações envolvendo as “finanças verdes”, nas quais tantos incautos, em especial em Brasília, parecem apostar as fichas do desenvolvimento nacional.

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