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Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

Estratégia

A Ambipar e o lado negro das “finanças verdes”

Em nota, Ministério dos Povos Indígenas afirma que o protocolo firmado com a Ambipar fortalece direitos e não implica em concessão de terras. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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A agenda da financeirização das questões ambientais não é novidade, mas vem sendo discutida e implementada de várias formas desde a década de 1980. Os seus princípios básicos foram apresentados em 1987, no Quarto Congresso Mundial de Áreas Selvagens (4th World Wilderness Congress), realizado em Denver, EUA, quase simultaneamente com a divulgação do célebre relatório Nosso Futuro Comum da Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida como Comissão Brundtland, que introduziu o conceito de “desenvolvimento sustentável”.

Ali, altos potentados financeiros discutiram o estabelecimento de uma estrutura financeira mundial para atividades de “conservação ambiental”. Na prática, o objetivo era como usar tais recursos para interferir diretamente nas políticas de desenvolvimento dos países em processo incipiente de industrialização e controlar os seus recursos naturais.

Entre os participantes do convescote, destacavam-se: os bilionários Edmond de Rothschild e David Rockefeller; o então secretário do Tesouro dos EUA, James Baker; o magnata canadense Maurice Strong, fundador do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e um dos mentores do movimento ambientalista internacional; a primeira-ministra norueguesa Gro-Harlem Brundtland, coordenadora da comissão que levava o seu nome; o ex-diretor-geral da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA, William Ruckelshaus; além de altos funcionários do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Na ocasião, Edmond de Rothschild lançou a proposta de criação de um Banco Mundial de Conservação, que vinha sendo elaborada pelo Projeto Internacional de Financiamento da Conservação do World Resources Institute (WRI), já então uma das principais ONGs integrantes do “Estado-Maior” do movimento ambientalista. Em sua visão, o banco “não deve conhecer quaisquer fronteiras, quaisquer limites” – tudo, claro, vinculado “à nossa sobrevivência como raça humana”.

Da mesma forma, ele apontou como o maior problema enfrentado pela humanidade o aquecimento da atmosfera devido às emissões de dióxido de carbono (CO2) provenientes dos combustíveis fósseis. Soa familiar? 

O “banco de conservação” foi formalmente estabelecido em 1991, o atual Fundo Ambiental Global (Global Environmental Fund-GEF), inicialmente vinculado ao Banco Mundial e depois convertido numa agência independente. 

Entre as suas funções, destaca-se o financiamento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), responsável pelas conferências climáticas anuais da ONU (COP).

Desde então, foram criadas várias iniciativas financeiras vinculadas a iniciativas de conservação ambiental, uma espécie de “securitização verde”: trocas de dívida por natureza (debt-for-nature swaps), desembolsos a fundo perdido, como o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), e outras. 

O principal efeito tem sido uma virtual transferência de soberania sobre os territórios “protegidos”, sobre cuja gestão os respectivos Estados nacionais passam a aceitar ingerências restritivas de suas próprias políticas de desenvolvimento.

Mais recentemente, após a crise de 2008, o ingresso da alta finança globalizada no esquema introduziu todo um leque de instrumentos financeiros vinculados à proteção dos grandes biomas, com destaque para as florestas tropicais e as regiões de savanas, a exemplo da Amazônia e do Cerrado brasileiro, além das respectivas comunidades indígenas.

Terras indígenas

Dias atrás, os brasileiros foram surpreendidos pelo anúncio da assinatura de um protocolo de intenções entre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a empresa Ambipar, para uma série de serviços nas terras indígenas nacionais.

O assunto repercutiu ainda mais pelo fato pitoresco de ter sido anunciado na reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, onde o destaque da participação brasileira foi a agenda ambiental, com ênfase especial na “proteção” dos biomas amazônicos.

O evento contou com as presenças ilustres, entre outras, do governador do Pará, Helder Barbalho, do ministro do STF Luís Roberto Barroso, do secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, e do climatologista Carlos Nobre, o “sumo sacerdote” do catastrofismo ambiental e climático no Brasil.

Rapidamente, espalhou-se pelo país a informação de que o governo havia transferido a gestão das terras indígenas, cerca de 14% do território nacional, a um grupo privado, o que levou o MPI a divulgar uma nota oficial contestando as “fake news”.

De acordo com ela, o protocolo não envolve “transferência de qualquer verba ou de responsabilidade do Poder Público”, mas contempla numa fase posterior: projetos de conservação e recuperação ambiental; promoção da economia circular; gestão, destinação e disposição de resíduos sólidos; suporte técnico para prevenção e respostas a eventos extremos e desastres como incêndios, enchentes, entre outros; reflorestamento de áreas desmatadas e projetos de bioeconomia e serviços ecossistêmicos.

Em síntese, tratam-se de atividades que deveriam ser executadas pelos poderes públicos, não por uma empresa privada, ainda mais, tratando-se de territórios federais e submetidos a toda sorte de restrições para acesso e realização de atividades produtivas, inclusive nas suas proximidades.

Em entrevista à CNN Brasil, a head de “Carbon Solutions” (em vernáculo, chefe de soluções de carbono) da empresa, Soraya Pires, afirmou: “Os recursos ainda estão sendo discutidos. Tão logo a gente consiga formalizar todo o plano de trabalho e os cronogramas, teremos informações mais detalhadas para poder compartilhar (grifos nossos).”

Hmmmm!...

Dias depois, a Ambipar comunicou o levantamento de US$ 400 milhões no mercado internacional, com a emissão de “green notes”, títulos de dívida vinculados a ações e programas de “sustentabilidade”.

Suspeitas

A Ambipar é uma empresa com operações em 39 países, especializada em gestão de resíduos, resposta a emergências e uma variedade de projetos vinculados à chamada transformação ecológica. 

Desde o ano passado, tem sido objeto de suspeitas na Bolsa de Valores B3, por suas ações terem fechado o ano com uma valorização superior a 1.000%, a maior da bolsa, entrando na mira da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pela valorização “atípica”.

Em 2024, a empresa fechou cinco contratos com o MPI (três sem licitação), no valor total de R$ 480,9 milhões, para prestar diversos serviços de assistência logística em terras indígenas.

Os indícios sugerem que a empresa, com seus vínculos internacionais, é uma das peças-chave do esforço do governo Lula para preservar a fantasia da “potência verde”

Aliás, aparentemente, este é o único motivo para a manutenção da ministra do Meio Ambiente Marina Silva no cargo, depois da perda dos dois principais apoios internacionais à agenda que ela representa, os EUA de Joe Biden e a União Europeia pré-Trump.

De fato, uma empresa privada que terá algum tipo de ingerência na gestão de 14% do território nacional é um trunfo importante para que essa área colossal seja apresentada como uma contrapartida para a atração de mais investimentos “verdes” nos mercados financeiros, além do que o governo Lula teria uma “multinacional verde” para chamar de sua. 

O protocolo de intenções com a Ambipar é mais uma jogada dessa agenda de “finanças verdes”, que resulta em intervencionismo externo e na submissão de lideranças políticas brasileiras, mais interessadas no “balcão de negócios verde” do que com o desenvolvimento real da Amazônia e do país.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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