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“Deus é esférico”
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Tudo acontece na grande área

Se teve um cara que amava verdadeiramente a bola, este sujeito era Armando Nogueira. Nunca poupou críticas à cartolagem ou a politicagem; e foi um grande defensor – talvez mesmo um anjo da guarda – de craques e, sobretudo, da bola, sua grande paixão, contada em verso e prosa ao longo de sua brilhante carreira de jornalista.

Nogueira era mais que um cronista de futebol; era um poeta/contista que enxergava fácil o que aos olhos comuns nem sequer teria existido. De um grande jogo de Copa do Mundo a uma pelada na rua, nada escapava à observação atenta e poética de Armando.

Sempre foi um homem do lugar certo na hora certa. Jamais perdeu uma oportunidade de montar um cavalo encilhado que passasse à sua frente. Sua carreira decolou assim, quando testemunhou, aos 27 anos, em 5 de agosto de 1954, a tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda, dono do jornal carioca Tribuna da Imprensa e ferrenho opositor da ditadura Vargas.

Repórter do Diário Carioca, Armando noticiou o atentado na capa do jornal. Foi lhe permitido escrever em primeira pessoa, coisa só praticada por poucos privilegiados: “Eu vi o jornalista Carlos Lacerda desviar-se de seis tiros de revólver à porta de seu edifício…”.

Os autores do atentado acertaram o alvo errado, matando o major da FAB Rubens Florentino Vaz e amigo de Lacerda, este atingido no pé. As armas foram disparadas por dois membros da guarda particular de Getúlio Vargas. Dezenove dias depois Vargas suicidou-se com um tiro no coração deixando um bilhete: “Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei dois tiros nas costas”.

Testemunhar e noticiar isso já seria o bastante para ter história para contar a vida toda. Mas Armando fez muito mais que isso. Criou o jornalismo com cobertura nacional, na Globo, com o JN; Cobriu todas as Copas a partir de 54; muitas olimpíadas, enfim, quase todos grandes eventos esportivos ao redor do planeta, esta bola que gira porque sujeitos como Nogueira a fazem se mover – de preferência em direção ao gol.

Frases como “Para entender a alma do brasileiro é preciso surpreendê-lo no instante de um gol” e “Deus é esférico”, foram selecionadas, entre outras, para serem exibidas em telão no Maracanã, durante seu velório.

Sobre a bola escreveu ainda: “… num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho”.

O anúncio de sua morte poderia ser feito com um que ele próprio escreveu: “Troco dois pés em bom estado de conservação por um par de asas bem voadas”.

(Coluna de hoje, deste cartunista e dublê de cronista esportivo, no caderno de Esportes da Gazeta do Povo)

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