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Tiagón y la gripe Porcina
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Prometi e aí está. O texto ficou meio comprido, mas não precisa ler tudo, se não quiser.


Nunca falo “peguei uma gripe”, como se costuma dizer por aí. Prefiro “uma gripe me pegou”. É o equivalente a um outro dito popular, também muito usado, especialmente por jogadores, que têm oportunidades e necessidades mais urgentes: “Agora precisamos correr atrás do prejuízo”. O certo seria correr atrás do lucro, não é?

Não lembro da última vez que tive gripe com febre. Gripões sim, direto, mas com febre não. Pois o cartão de visita desta maldita porcina é justamente a febre.
Sexta, dia 30 de outubro, senti os primeiros sintomas, no começo da tarde. Cansaço, espirros e… febre. Não dei bola; toquei até sábado à noite com o bom e velho Resfenol. Mas mesmo assim o termômetro foi a 39 graus; então corri pro hospital pra uma avaliação clínica.

Pertinho de casa tem o Evangélico e segui até lá tossindo, com a testa fervendo e o nariz feito uma torneira mal fechada.

Fui chamado à consulta com certa rapidez, “só” uns 59 minutos de espera, com os lenços de papel já no fim. Uma trupe de jovens residentes fazia o plantão. Tenho um irmão médico – desenhei muito corpo humano com os livros dele – e sei como é a vida de um médico residente. Preferiria catar papel, passeando pela cidade.

Porém, plantão à noite é menos complicado do que de dia, quando uma horda de enfermos invade os hospitais já cedinho. Se não é nada fácil a vida de profissionais da saúde, fica pior ainda quando eles pegam um paciente impaciente como este cartunista, com piadinhas do tipo “já que estão demorando pra me atender, vou ali dar uma morridinha e já volto”.

Exames iniciais feitos, foi a vez do Raio X dos pulmões. Entrei no hospital em torno das 22 horas e no momento em que me encaminhava ao Raio X o relógio já marcava próximo das 23h30. Pensei “agora é rapidinho”. Só um raioxisinho e vou pra cama.

Segui feliz, tossindo e espirrando por um corredor sem ninguém à vista, orientado por um papel sulfite grudado na parede escrito em computador “RAIO X” e uma flechinha, que era pra todo mundo poder encontrar fácil o local naquele labirinto que é o Hospital Evangélico.

Mesmo assim, entrei em uma UTI por engano. A respiração mecânica dos pacientes em coma produz um som sinistro: SSSHHH… TUFS… SSSHHH… TUFS… Algo assim. Faz aquilo parecer um ninho de cobras – apesar de eu nunca ter entrado num ninho de cobras, imaginei isso. Disse mentalmente “Good nigth, and good luck” a todos e segui por outro corredor.

Quando chego finalmente nas salas de Raio X , fico animado por não avistar nenhum outro paciente. Mas logo percebo um recuo no corredor: era uma saleta de espera, com três crianças, duas delas dormindo no colo das mães e a outra, um menino, observando atento do alto dos braços maternos.

O garoto olhava mais duas mulheres; mais um senhor sonolento; mais um motociclista com uma das pernas da calça enrolada até o joelho, mostrando um esfolamento escarlate; uma enfermeira com olhar tristonho, santificado, quase uma Madre Tereza de Calcutá, sentada ali junto como se quisesse nos consolar pela inevitável longa espera; um senhor bem idoso, muito magro, deitado em uma maca, envolto em um cobertor xadrez acinzentado, parecido com esses que a gente vê de vez em quando abandonado debaixo de uma marquise; e este inquieto cartunista, em pé, andando em círculos, de vez em quando saindo por uma porta que dava pra garagem das ambulâncias pra espirrar e assoar o nariz e jogar o lenço – agora papel de banheiro – em latões de lixo. Arg!

Enfim, depois de uns 25 minutos, um radiologista, único ali, apareceu com uma tabuleta e leu em voz alta: “Deus lindo! Deus lindo!”. Por um momento pensei estar num culto evangélico ou alucinando por conta da febre.

O velhinho da maca ergueu uma das mãos bem devagar, com dificuldade. Era ele. Seu nome era Deus Lindo. Ou, mais provável, Deuslindo, tudo junto. Foi o primeiro a ser atendido, claro. Com a idade e com este nome… Enquanto esperava minha vez fiquei pensando em outros nomes assim, como o de Deuslindo.

Deuseterno da Silva… Osni Presente… Signore Diomio… Lembrei do namorado da Madonna, Jesus da Luz… Mas nada, nada superava Deuslindo. Uma das mulheres foi até ele e disse “que nome interessante o senhor tem, Deuslindo”, pegando em sua mão como que pedindo perdão por seus pecados.

Não há nada mais constrangedor do que a espera em hospital; acaba com sua auto-estima. Pensei em desistir e deixar tudo nas mãos de Deuslindo, mas aguentei firme. Quase duas da madrugada e enfim entro na sala do raio que o parta.

Voltei ao consultório e lá esperei mais uma eternidade. Uma enfermeira, desta vez mais ativa, cara boa e madura, entrou na saleta e me fez deitar na maca. “Nós vamos fazer sexo?”, perguntei a ela. Ela riu economicamente e enfiou uma agulha em meu braço, não antes de eu perguntar o que era aquilo. “Só um soro”, respondeu, me abandonando ali.

Nada pra fazer, fiquei contando as gotas que desciam do saco plástico: 127 ou 128, mas acho que foi um pouco mais, pois comecei a contar quando alguns pingos já haviam entrado em minha veia.

O soro acabou e continuei ali, preso pela agulha, olhando pro teto e pensando em outros nomes, agora nada elevados, em italiano: Orecchio di Porcamadosca; Stercco Sederon; Immondezza Spazzatura; Tifosi di Coccopigro; Santitá Ocullo…

Como o castigo vem em velocidade de no mínimo 12 MB, a enfermeira que não quis deitar comigo e um médico entraram na sala com uma máscara cirúrgica. Sem rodeios, o médico enfiou a máscara em minha cara.

“Você está com a gripe H1N1”, disse.

“Está brincando!”, respondi.

“O Raio X apontou uma mancha típica da gripe no pulmão esquerdo”, disse o médico.

“É que sou fumante. Fumo até galho seco de árvore”, falei a ele, duvidando do diagnóstico.

“O Raio X não mostra os estragos do tabagismo. Só uma tomografia pode fazer isso”, alertou o homem de branco.

“Não acredito… Não acredito…”, fiquei repetindo.

Lembrei de uma coisa importante e disse entusiasmado:

“Mas a gripe suína já saiu de moda, não é? Por que eu iria querer um produto fora de moda, de ponta de estoque?”

Ele riu e disse que já havia pegado umas três ou quatro dessas gripes. E sumiu de novo, ele e a enfermeira, após tirar a agulha de meu braço e nem dar tchau.

A médica que tinha feito meu primeiro exame retornou e receitou um antibiótico, um analgésico e o famoso Tamiflu.

“Só no SUS você encontra este medicamento, sabe, não é?”, me disse, acreditando que um jornalista deveria ser bem informado a respeito disso.

“Não, não sabia. É a primeira vez que eu e este vírus nos encontramos”, respondi.

Fui ao SUS do Campo Comprido buscar o Tamiflu, às três da madruga de domingo. Voltei pra casa, tomei o antibiótico, o analgésico, o Tamiflu e fui dormir. Só faltou um antidepressivo.

No dia seguinte, usando máscara cirúrgica, disse à famiglia: “Tenho uma boa notícia: vocês só verão minha cara daqui a cinco dias, no mínimo”.
Bem, foram cinco dias de Tamiflu e sete de antibiótico. O analgésico abandonei no terceiro dia.

Me senti inteirão de novo exatamente sete dias depois. Antes disso, muito sono, moleza física e preguiça mental – mais? Você começa a ler e cinco minutos depois está babando em cima do texto, dormindo.

Vocês devem ter percebido que mesmo assim continuei com as charges, trancado em meu estúdio de casa, como sempre. Além de atrasar o envio ao jornal, algumas delas estavam com o traço mais tosco do que o habitual e tinham babas em cima, não é?

Neste último final de semana voltei às caminhadas e ontem bebi uma cerveja – ou foram duas? Que saudade estava! Tim-tim e saúde a todos!

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