• Carregando...
A atualidade do pensamento econômico de Milton Friedman
| Foto: Divulgação

Durante a hiperinflação da década de 1920, na Alemanha, os preços subiam tão depressa que uma cerveja comprada às 21h era consideravelmente mais barata que uma cerveja comprada três horas depois, à meia-noite. De passagem por Berlim, o economista John Maynard Keynes lidava com isso comprando várias cervejas assim que entrava em um bar; pelo resto de sua vida, a Alemanha ficou marcada na sua memória como um lugar onde bebeu muita cerveja quente.

A anedota é contada no capítulo sobre política monetária do livro “O essencial de Milton Friedman”, do americano Steven Landsburg, articulista das revistas “Forbes” e “Slate” e também autor dos livros “The armchair economist – Economics and everyday life” e “More sex is safer sex – The unconventional wisdom of Economics”. Embora o pensamento keynesiano seja basicamente oposto ao de Friedman, objeto do livro, Landsburg cita Keynes e outros economistas para cotejar suas ideias de forma pedagógica e enriquecedora.

Classificado pela revista “The Economist” como "o economista mais influente da segunda metade do século 20, possivelmente de todo o século", Milton Friedman revolucionou os próprios fundamentos da economia – por exemplo, na maneira de se pensar o consumo, o dinheiro, a inflação e o desemprego. Toda a sua reflexão se baseia em pressupostos muito simples sobre o comportamento humano, analisados de forma lógica e sistemática até chegar a conclusões que podem parecer óbvias, mas que tiveram implicações muito profundas sobre a teoria econômica.

Pouca gente se recorda, mas Friedman dedicou atenção particular à análise da inflação brasileira, nas décadas de 1960 e 1970. O estudo do caso brasileiro foi fundamental para a consolidação de sua teoria sobre as taxas “naturais” de inflação e desemprego, bem como suas críticas às políticas de indexação e outras respostas governamentais a um ambiente de inflação crônica. O interesse pela economia inflacionária brasileira, aliás, levou Friedman a visitar o país, em 1973. Mais tarde, ele foi conselheiro econômico do presidente Ronald Reagan, que teve como marca registrada o reconhecimento das virtudes do sistema econômico de livre mercado, com intervenção mínima do Estado.

Landsburg é o primeiro a reconhecer que, para fazer justiça à importância de Milton Friedman, seriam necessários muitos volumes: o que ele faz em seu livro é esboçar de forma muito breve as inovações trazidas pelo economista no estudo de diferentes temas. Um desses temas é a "hipótese da renda permanente": basicamente, Friedman demonstrou que o nível de gastos das pessoas está diretamente relacionado ao nível de renda: se Alice ganha 1 dólar a mais que Bob, ela tenderá a gastar, em média, 90 centavos a mais que ele – desde que ela tenha a expectativa de que esse dólar a mais será permanente, e não eventual. Ou seja, é a expectativa de renda futura, e não a renda atual, que determina quanto uma pessoa tende a gastar, na vida real.

A análise da oferta de moeda, ou da política monetária, é central na obra de Friedman, mas a originalidade maior do economista, segundo Landsburg, está na análise da demanda por moeda – o que pode soar absurdo, pois, intuitivamente, as pessoas sempre vão querer mais dinheiro. Landsburg demonstra que não é bem assim, citando diversas vezes o livro “Capitalismo e liberdade” – publicado originalmente em 1962 e até hoje um best-seller na área da teoria econômica.

Longe de ser um acadêmico enclausurado em uma torre de marfim, Friedman foi um espectador engajado das grandes controvérsias econômicas do seu tempo. Já no fim da vida, criou uma série de TV que foi assistida por mais de 3 milhões de pessoas, “Free to chose” (“Livre para escolher”): cada episódio começava com uma breve análise de um sucesso do capitalismo e de um fracasso do socialismo. A série virou um livro, que foi adotado como Bíblia por líderes de diversos países do antigo bloco comunista. Em 1991, Mart Laar, primeiro-ministro da recém-independente Estônia, citou explicitamente “Livre para escolher” como sua fonte de orientação primária em política econômica. Não por acaso, a economia da Estônia foi durante muitos anos a que mais cresceu na Europa.

Outro tema importante – e particularmente atual – abordado no livro é a polêmica tese de Friedman sobre a FDA, a agência americana que aprova novos medicamentos. Comparando o número de vidas que a FDA salvou, ao barrar medicamentos ruins, com o número de vidas perdidas por sua ineficiência em liberar medicamentos bons, o economista concluiu que a FDA deveria ser fechada. Além da matemática, ele usou outro argumento, assim descrito por Landsburg:

“Enquanto existir a FDA, ocorrerão acertos e erros: a aprovação de alguns medicamentos prejudiciais e a proibição ou atraso na aprovação de outros medicamentos que poderiam salvar vidas. O primeiro tipo de erro domina as manchetes: ‘Mãe de três crianças morre após ingerir medicamento aprovado pela FDA’. O segundo tipo é invisível. Ninguém lê uma manchete que diz: ‘Pai de duas crianças morre de ataque cardíaco que poderia ter sido evitado caso a regulação da FDA não impedisse o desenvolvimento da droga que o teria salvado’. Dada essa assimetria, a FDA prefere cometer o segundo tipo de erro e, portanto, erra mais nessa direção”.

Participando de um debate com líderes estudantis (de esquerda, desnecessário dizer), Milton Friedman afirmou que, no funfo, eles queriam as mesmas coisas – liberdade individual, pluralismo e prosperidade para as massas. “A única diferença entre nós”, concluiu com um sorriso, “é que eu sei como alcançar essas coisas, e vocês não”.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]