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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Liberdade de expressão

A censura também cresce no Reino Unido

"Think before you post" (Pense antes de postar). (Foto: Reprodução/X)

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Não é somente no Brasil que a relativização da liberdade de expressão está sendo questionada. Também no Reino Unido, já há alguns anos a criminalização do chamado “discurso de ódio” tem provocado episódios de censura, que qualquer pessoa acostumada à democracia à moda antiga consideraria absurdos.

Embora todos reconheçam como legítima a necessidade de combater preconceitos e proteger grupos vulneráveis, entidades de defesa dos direitos civis alertam para o uso de critérios subjetivos, que abre precedentes perigosos para abusos de poder e perseguição política.

Casos de prisões por postagens em redes sociais – como piadas, opiniões políticas ou comentários religiosos – vêm se acumulando. Há relatos de cidadãos sendo visitados ou detidos pela polícia após denúncias anônimas de conteúdos considerados ofensivos, sem que houvesse qualquer ameaça concreta ou incitação à violência.

O perigo é claro: a subjetividade do conceito de discurso de ódio tende a ser instrumentalizada para silenciar opositores políticos, censurar vozes dissidentes e instaurar um clima de autocensura generalizada no país. Leis vagas são usadas para punir críticas legítimas em temas sensíveis.

Lá como cá, o problema está na ambiguidade do conceito de “discurso de ódio”. Leis britânicas como o Communications Act e o Online Safety Act já permitem punir “palavras ou comportamentos ameaçadores, abusivos ou insultantes”, ou com potencial de causar “alarme ou angústia”.

Outras leis recentes, como o “Public Order Act” de 2023, expandiram os poderes policiais para restringir manifestações e criminalizar protestos “perturbadores”, mesmo que sejam pacíficos. Ao mesmo tempo, multas pesadas a redes sociais que não removerem conteúdo “prejudicial” induzem as plataformas a adotarem políticas de moderação mais rígidas, o que é uma forma de censura indireta.

Todas essas leis têm sido criticadas por sua vagueza, permitindo interpretações amplas para punir discursos legítimos (ainda que ofensivos). Organizações de direitos humanos, como a Electronic Frontier Foundation, alertam que essas leis criam um ambiente de vigilância e autocensura, onde cidadãos evitam expressar opiniões por medo de represálias. Isso acaba minando os valores democráticos que o Reino Unido historicamente sempre defendeu.

Qualquer pessoa intelectualmente honesta percebe que a vagueza das leis e a expansão de poderes policiais levam a abusos. O caso mais escandaloso foi a prisão de uma mulher por "orar silenciosamente" em frente a uma clínica de aborto, mas há muitos outros. Quando o governo prioriza a “ordem pública” em detrimento do direito de protestar, isso cria um efeito inibidor, desencorajando a dissidência legítima.

Pois quem define o que é ofensivo? Com base em que critérios se mede a intenção ou o potencial de causar “alarme ou angústia”? Outra pergunta: pode o Estado decidir o que é ou não aceitável, por exemplo, no campo do humor?

A criminalização do discurso cria um paradoxo: para proteger certos direitos, como a dignidade de minorias, sacrifica-se outro direito fundamental – o da livre expressão. Mas não é só isso: em vez de promover inclusão, a censura gera ressentimento, radicalização e perda de confiança do cidadão comum nas instituições.

O poder desmedido do Estado de decidir quem pode ou não falar, ou o que pode ou não ser dito, é muito mais perigoso que qualquer palavra de ódio

Além disso, há uma percepção generalizada de uma Justiça “com dois pesos e duas medidas", já que manifestantes pacíficos ou críticos do governo enfrentam punições mais severas do que criminosos violentos.

Isso acontece porque leis subjetivas podem ser (e são) usadas para alvos seletivos. No Brasil, basta lembrar que discursos de ódio contra cristãos (ou contra determinados políticos) são amplamente admitidos. Já discursos de ódio contra determinadas crenças (ou determinados políticos) costumam ser punidos com extremo rigor. Aliás, o próprio fato de eu precisar medir as palavras para evitar problemas já mostra o ponto a que chegamos.

Em um clima orwelliano de erosão das liberdades, autoridades britânicas já admitiram que estão vasculhando as redes sociais em busca de conteúdo “problemático”, com equipes inteiras dedicadas a identificar e prender internautas desobedientes. O governo já chegou ao ponto de postar advertências como "Think before you post" (“Pense antes de postar”), ameaçando de prisão qualquer um que compartilhar conteúdo considerado “nocivo”, mesmo sem intenção explícita de causar dano.

A percepção de motivações políticas aumenta quando as prisões parecem visar grupos específicos – como críticos da imigração descontrolada, ativistas religiosos ou mesmo humoristas – enquanto outros discursos controversos não recebem o mesmo escrutínio.

A falta de acusações formais, além de uma vaga incitação ao ódio, também sugere que a polícia britânica age para "enviar um recado" em vez de aplicar a lei objetivamente. Prisões reforçam a percepção de que o governo está priorizando a repressão ao discurso online, em vez de abordar causas estruturais da agitação social, como a crise migratória ou a deterioração da economia.

O poder desmedido do Estado de decidir quem pode ou não falar, ou o que pode ou não ser dito, é muito mais perigoso que qualquer palavra de ódio. Quando o discurso se torna crime por critérios subjetivos, todos nos tornamos vulneráveis. Hoje prendem quem emitiu uma opinião “extrema”. Está aberto o precedente para amanhã prenderem por qualquer crítica.

Por isso, a liberdade de expressão deveria ser um pilar inegociável na democracia, ainda que isso implique conviver com opiniões incômodas, impopulares ou mesmo ofensivas. O combate ao ódio não pode se dar por meio de ferramentas autoritárias, porque o remédio se torna pior que a doença.

Mas, como escrevi em um artigo recente, a censura não tem ombro. Uma vez consolidada, ela fatalmente se volta contra aqueles que a aplaudiram, quando era de seu interesse. Prova disso, no Reino Unido, é a repressão policial violenta a protestos de ativistas ambientais, como a ONG “Just Stop Oil”. Em 2022, manifestantes climáticos, incluindo jornalistas, foram presos por bloquear estradas, e alguns receberam pesadas penas de prisão, mesmo sem violência direta. No mesmo ano, uma mulher foi detida por segurar um cartaz com a frase "Abolish monarchy!", durante um evento da realeza em Edimburgo.

Hoje, as vítimas preferenciais da censura são os conservadores e a direita. Mas que não se iludam, os idiotas úteis da esquerda: amanhã serão vocês.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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