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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Guerra comercial

Ainda é cedo para avaliar a “Maganomics”

Trump sugere que um período de “desintoxicação” da economia americana é inevitável, mas que suas medidas drásticas valerão a pena. (Foto: Pete Linforth/TheDigitalArtist/Pixabay)

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Uma vez, perguntaram a Deng Xiaoping, o grande engenheiro da recuperação da economia chinesa, o que ele achava da Revolução Francesa de 1789. Ele respondeu: “Ainda é cedo para avaliar”.

Ou terá sido Zhou Enlai? Não importa. Verdadeira ou falsa, a história diz muito sobre a mentalidade oriental – e a tendência das pessoas no Ocidente a fazer julgamentos apressados e tirar conclusões precipitadas sobre qualquer assunto.

Acho espantosa, por exemplo, a rapidez e a convicção com que analistas na grande mídia condenam o tarifaço imposto ao planeta por Donald Trump. A verdade é que ninguém sabe se vai dar certo ou não: quem diz saber ou não entendeu nada, ou está mentindo. Por enquanto, é tudo torcida e especulação.

Trump sugere que um período de “desintoxicação” da economia americana é inevitável, mas que as medidas drásticas que ele está tomando — incluindo as deportações em massa e os cortes profundos nos gastos, além das tarifas – vão valer a pena, ainda que ao custo de uma recessão dolorosa, mas passageira.

O tempo vai dizer se ele está certo. Em todo caso, sobre a provável (mas ainda incerta) recessão vindoura, convém recapitular um antecedente interessante, que vem sendo totalmente ignorado pela narrativa hegemônica da mídia. Falo da severa recessão atravessada pelos Estados Unidos em 1981 e 1982, logo no início do primeiro mandato de Ronald Reagan.

Reagan tomou posse em janeiro de 1981. Como Donald Trump, ele encontrou a economia americana debilitada e em rota de colapso. Já em julho daquele ano, o país mergulhou em uma recessão profunda, que durou 16 meses – a maior da História americana, desde a Grande Depressão da década de 1930.

Evidentemente, a culpa pela recessão não foi de Reagan. A crise econômica já estava contratada, graças à incompetência e à irresponsabilidade dos governos anteriores, aliadas a fatores externos, como os choques do petróleo e a Guerra do Vietnã. O fato é que, após uma década de política monetária frouxa, a inflação americana alcançou 13,5%, um índice inacreditável para os padrões americanos.

Reagan parecia condenado ao fracasso. Em 1982, no auge da crise, a queda real do PIB foi de 2,7%. O desemprego era altíssimo, e a desconfiança da população era crescente. Pois bem, já no ano seguinte, o PIB aumentou 4,6%. Em 1984, aumentou 7,2%. Resumindo, a economia se recuperou, e Reagan foi reeleito.

A “Reaganomics” transformou uma recessão assustadora em uma das expansões da economia americana mais longas da História

Se acompanhada das medidas corretas, a recessão pode ser um remédio amargo, mas necessário. A “Reaganomics” transformou uma crise assustadora em uma das expansões da economia americana mais longas da História. O crescimento médio do PIB real durante os oito anos do governo Reagan foi de +3,5%.

Responsabilizando os democratas e a herança dos anos 1970 pela crise no início do seu governo, Reagan convenceu os americanos de que seriam necessários sacrifícios para consertar a economia.

Nos anos seguintes, determinou cortes de impostos; a desregulamentação de setores como energia, telecomunicações e sistema financeiro; o aumento nos gastos militares (já que o país estava perigosamente atrasado na comparação com a União Soviética); e cortes brutais em programas sociais ineficientes. A estratégia funcionou, apesar de um custo inicial alto.

Por sua vez, Trump precisa reduzir o trilionário déficit comercial americano, já que os Estados Unidos não podem mais financiar o resto do mundo. E quer tornar a economia americana mais competitiva, ainda que para isso seja preciso desvalorizar o dólar: um dólar mais fraco favorece as exportações, enquanto as tarifas desencorajam as importações. É a “Maganomics”.

Inspirada pelo slogan "Make America Great Again" (MAGA), a Maganomics é centrada na priorização da economia doméstica, na repatriação de cadeias produtivas e no incentivo à produção “made in USA”. Enfatiza crescimento, soberania, reindustrialização e protecionismo comercial.

Mais do que um conjunto técnico de medidas, é doutrina político-econômica que combina elementos de direita tradicional (como corte de impostos) com nacionalismo econômico.

A Maganomics tem quatro pilares:

1) Protecionismo comercial - com o objetivo de reduzir o déficit e criar empregos. O tarifaço contra produtos chineses e de outros países se insere na defesa da indústria nacional. Trump culpa países como China e México por roubar fábricas e  empregos americanos.;

2) Cortes de impostos - reduzindo as alíquotas individuais e corporativas, sobretudo para empresas manufatureiras. O objetivo é estimular o investimento doméstico e a repatriação de lucros;

3) Desregulamentação - reduzindo a burocracia ambiental e trabalhista para baratear os custos das empresas. Em seu primeiro mandato, na guerra contra entraves burocráticos à produtividade das empresas, Trump eliminou 22 regulações para cada nova regulação criada.

4) Estímulo Fiscal - investindo em grandes obras públicas de infraestrutura (pontes, estradas) e na manufatura, ao mesmo tempo em que Trump pressiona o Fed para baixar os juros. Paralelamente, aumento do orçamento militar.

Na essência, nada muito diferente do que fez Ronald Reagan – com sucesso – na década de 1980.

A história vai se repetir? Não necessariamente. Comparar a recessão de 1981-1982 com a hipotética recessão dos próximos meses pode ser útil, mas tem seus limites. O contexto é outro, os inimigos da América são mais poderosos.  

Trump já está contrariando muitos interesses. O retorno ao nacionalismo econômico e ao isolacionismo enfraquece organismos multilaterais (como a OMC, a OMS e a própria ONU). Isso já está criando tensões geopolíticas graves, especialmente com a China e a União Europeia.

Ele enfrenta uma resistência muito mais poderosa que aquela enfrentada por Reagan na década de 1980, o que aumenta exponencialmente os riscos. Sua tentativa de curar a economia e “fazer a América grande outra vez” pode bater de cara no muro da Internacional Globalista e do expansionismo econômico chinês, em um mundo mais conectado e hostil.

Ou seja, desta vez tudo pode dar errado. Mas, como diria Deng Xiaoping, ainda é cedo para avaliar.

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