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Contra a bandidolatria: entrevista com Roberto Motta (parte 2)
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Nesta segunda parte da entrevista sobre seu livro “A construção da maldade – Como ocorreu a destruição da segurança pública brasileira”, Roberto Motta contesta os argumentos favoráveis à liberação das drogas e à redução da maioridade penal. E atribui a destruição do sistema de justiça criminal no Brasil a um “consórcio do mal”, formado pela extrema esquerda, pelo narcotráfico e por organizações de apoio a bandidos infiltradas em todas as instituições da sociedade. Leia aqui a primeira parte da entrevista.

- De que forma o ambiente de impunidade favorece os crimes com motivação política? Você acha que a polarização em ano eleitoral pode descambar para a violência?

ROBERTO MOTTA: No Brasil não existe uma tradição de violência na atividade política. O que a gente observa hoje é uma polarização, que resultou do acesso dos brasileiros a informações, por meio da internet e das redes sociais. Antigamente você não tinha acesso a nenhuma informação diferente daquela que era fornecida pelos grandes órgãos da imprensa, e o resultado é que se formou, ao longo dos anos, uma hegemonia do discurso de esquerda no Brasil, que dominou praticamente todas as áreas da vida cívica.

Esse monopólio foi quebrado com o surgimento da internet e das redes sociais, que possibilitou vozes discordantes desse coro hegemônico esquerdista. Antes não havia polarização, porque só havia um discurso dominante, imposto a ferro e fogo. Agora, como há liberdade, o Brasil se juntou ao mundo nesse grande debate entre a visão de mundo da direita e a visão de mundo da esquerda.

A gente sabe que faz parte da visão de mundo da esquerda uma inclinação irremediável para o totalitarismo, para a total intolerância a qualquer discurso que seja diferente do seu. Esse é o processo de radicalização do discurso que vem acontecendo no Brasil desde que a esquerda chegou ao poder - e vem num crescendo.

A nossa mídia é farta em declarações de líderes da esquerda apregoando intolerância e violência. Eu não acho que isso tenha contaminado a prática política no Brasil, mas a impunidade é sempre um fator. O que a gente vai ver, provavelmente, são crimes comuns, que acontecem todos os dias, porque no Brasil acontecem por dia mais de 100 assassinatos. Alguns desses crimes vão ser selecionados para serem usados como exemplos de radicalização política por pessoas que têm interesse em promover pautas ideológicas, especialmente de esquerda, e para causar sensacionalismo.  

- Em comunidades dominadas pelo tráfico, as regras e punições para os moradores são claras. Chegamos ao ponto em que os traficantes têm uma visão mais eficaz e efetiva do combate ao crime que a própria Justiça?

MOTTA: Punições e incentivos regulam o comportamento das pessoas. Na maioria dos estudos feitos sobre criminalidade, no mundo inteiro, não há nenhuma dúvida sobre a relação entre leis duras e criminalidade. Só no Brasil é que isso ainda é discutido.

Um exemplo dessa relação são as iniciativas dos próprios narcotraficantes para impedir o crime em suas comunidades, porque isso atrapalha o tráfico de drogas. No meu livro eu cito vários exemplos de determinações dos traficantes, inclusive contra o consumo de drogas por jovens nas comunidades que eles dominam.

Duas semanas atrás, tive notícia de uma blitz feita por traficantes de um morro no Rio de Janeiro, que estavam parando os carros, checando a documentação, checando o número do chassi contra o documento do carro, para impedir que carros roubados fossem levados para aquela comunidade, e assim evitar a ação da polícia.

A legislação que deixa os menores impunes no Brasil transformou esses menores em mão-de-obra preferencial das facções criminosas, principalmente no tráfico de drogas

- Os defensores da legalização das drogas afirmam que ela diminuiria a criminalidade, pois eliminaria o tráfico. Como você responderia a esse argumento?

MOTTA: Os defensores da legalização de drogas sonham com um cenário que não vai existir nunca. Quando eles falam em legalização, falam na criação de regulamentações que permitam que as drogas sejam vendidas de acordo com certos parâmetros, com certas regras.

Ora, a característica principal dos criminosos é não obedecer a regra nenhuma. Então, se as drogas forem legalizadas, e o vendedor das drogas tiver que tirar uma licença da Anvisa, uma licença da Vigilância Sanitária, um alvará da Prefeitura, os criminosos que hoje vendem droga ilegalmente vão continuar fazendo a mesma coisa que fazem hoje, fugindo a toda regulamentação.

Na verdade, o principal efeito quando você legaliza as drogas, e o tráfico deixa de ser crime e passa a ser uma simples contravenção, é estimular o mercado ilegal de drogas. É exatamente isso que acontece na Califórnia, onde o tráfico aumentou muito depois da legalização da maconha, pela simples razão de que o traficante de drogas não tem nenhum incentivo para se legalizar, tirar alvará, passar a pagar imposto, emitir nota fiscal.

É um absurdo em um país como o nosso, onde existem mercados ilegais de celulares, de combustíveis, de remédios, de autopeças, alguém imaginar que os traficantes de drogas vão ter qualquer interesse em obedecer à lei e à regulamentação.

- Na sua opinião, os argumentos usados contra a redução da maioridade penal também são falaciosos?

MOTTA: A maioria dos argumentos usados contra a redução da maioridade penal não faz nenhum sentido. Na maioria das democracias ocidentais, ou não existe uma idade mínima para a maioridade penal ou a decisão é tomada pelo juiz, de acordo com o caso.

Na semana passada a gente viu o caso de um adolescente de 14 anos que matou uma criança de 5 anos no Reino Unido e foi condenado à prisão perpétua. É isso.

A pena tem que ser proporcional à gravidade do crime cometido. Quando o criminoso tem plena noção do que ele está fazendo, não há nenhuma razão para deixar de puni-lo só porque ele tem menos que uma determinada idade. Isso não faz sentido nenhum. A legislação que deixa os menores impunes no Brasil transformou esses menores em mão-de-obra preferencial das facções criminosas, principalmente no tráfico de drogas.

- Você afirma ser contra a tese de que crime se combate com educação, esporte, assistência social e cultura. Por quê?

MOTTA: Porque crime se combate com o sistema de justiça criminal, que é composto por polícia, Defensoria Pública, Ministério Público Judiciário e sistema prisional. É isso que combate o crime. Educação, esporte, assistência social e cultura são elementos importantes da nossa vida em sociedade, mas não são ferramentas para se combater o crime. Existe uma ideia, que não encontra apoio nos dados e nos fatos, de que a melhoria da educação, a prática de esportes, uma melhor assistência social e mais cultura reduziria os índices de criminalidade. Isso não é verdade. O que reduz os índices de criminalidade é o aumento das punições e da repressão aos criminosos.

Ou se enfrenta o crime com dureza, como se faz em todas as democracias ocidentais, ou se incentiva o criminoso, por meio de uma pauta ideológica que alivia a responsabilidade pelo crime

- Você escreve que um “consórcio do mal” formado pela extrema esquerda, pelo narcotráfico e por organizações de apoio a bandidos infiltradas nas instituições promoveu a destruição do sistema de justiça criminal no Brasil. Mas como explicar o apoio de pessoas comuns e honestas a um modelo de justiça que protege o bandido e gera impunidade, uma vez que a violência e a criminalidade que resultam desse modelo também se voltam contra elas?

MOTTA: A maioria das pessoas comuns e honestas tem ojeriza a essa postura de glorificação do banditismo. A esmagadora maioria dos cidadãos comuns com os quais eu converso sente uma profunda revolta contra isso, se sente indefesa e pode se sentir incapaz de colaborar para a mudança dessa situação. Mas sente principalmente repulsa contra essa atitude, que é da elite, de glorificar, proteger e criar cada vez mais benefícios para os bandidos. As pessoas comuns estão cansadas disso.

- Como o resultado das próximas eleições deve afetar a questão da segurança no Brasil?

MOTTA: O resultado das próximas eleições é essencial para que a gente decida qual é o rumo que o Brasil vai tomar na questão da segurança pública. Esse rumo foi claramente delineado nas posições do presidente. Muito antes de chegar ao poder, aliás, ele sempre teve uma postura a favor da lei e da ordem, de punição rigorosa para os criminosos e do endurecimento da nossa lei penal, que é infantil.

Já o outro candidato, do PT, expressou a sua posição em um comício feito há uma semana em Diadema em que, primeiro, ele fez o elogio público de um político acusado de tentativa de homicídio, por empurrar um homem em cima do para-choque de um caminhão: o homem teve traumatismo craniano, ficou internado em estado grave, e o político ficou preso durante sete meses. E esse político foi elogiado em público, demoradamente, pelo candidato do PT.

Esse candidato aproveitou o mesmo discurso para dizer que os criminosos são vítimas de preconceito, são pessoas que não tiveram oportunidade, e que se tivessem oportunidade não teriam cometido crime. Isso é uma falácia total, desmentida por tudo que se conhece sobre criminalidade no mundo.

Aí estão delineadas as duas escolhas que os eleitores brasileiros farão nas eleições, no que diz respeito à segurança pública. Ou se enfrenta o crime com dureza, com seriedade, da forma como se faz em todas as democracias ocidentais, ou se incentiva o criminoso, por meio de uma pauta ideológica, que alivia a responsabilidade pelo crime, e por meio de uma legislação penal débil, infantil, fraca, que resulta no incentivo à atividade criminal.

- Que experiências bem-sucedidas de combate à criminalidade, no Brasil e no mundo, você citaria como exemplos a serem seguidos no futuro?

MOTTA: O Rio de Janeiro foi palco de duas das melhores e mais bem-sucedidas experiências de combate ao crime no mundo. A primeira é o Disque-Denúncia, que funciona já há algumas décadas. É uma entidade da sociedade civil, não do Estado, que presta o serviço de captação de denúncias, análise dessas denúncias e disseminação da informação já processada para as forças policiais. O Disque-Denúncia foi o fator responsável, por exemplo, pelo fim da crise de sequestros que atingiu o Rio de Janeiro no início dos anos 90. Embora tenha dificuldade de levantar recursos, o que é sempre um desafio, o Disque-Denúncia continua sendo responsável pelo esclarecimento de crimes que, sem ele, nunca seriam esclarecidos.

A outra experiência bem sucedida é o projeto Segurança Presente. É uma nova forma de estruturar o policiamento ostensivo feito pela Polícia Militar, baseada nas melhores práticas de policiamento do mundo. É um projeto que já existe há pelo menos 10 anos e, nas áreas onde funciona, conseguiu a redução de mais de 90% dos crimes de rua, quebrou recordes de cumprimento de mandados de prisão e nunca teve nenhum caso de denúncia de suas operações.

O Segurança Presente adota um critério muito rigoroso na seleção e no treinamento e capacitação dos policiais, que atuam sempre em trio, sendo um deles um agente civil que filma as operações. É um exemplo de policiamento no nível do Primeiro Mundo. Infelizmente esses dois grandes casos de sucesso ainda não tiveram ainda o reconhecimento que merecem.

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