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Documentário “fake” provoca debate sobre manipulação de imagens
| Foto: Reprodução Youtube

Embora seja quase inteiramente composto por imagens reais, de arquivo, o curta-metragem “In Event of Moon Disaster” não é exatamente um documentário, mas um impressionante experimento de “História alternativa”. Partindo de uma ideia simples, mas engenhosa, o filme está reacendendo o debate sobre as implicações éticas da manipulação de imagens.

Fazendo uso de softwares de última geração, o curta foi vencedor do prêmio Emmy de 2021 na categoria “Mídia Interativa”. Dirigido por Francesca Panetta e Halsey Burgund, “In Event of Moon Disaster” cria digitalmente um discurso do presidente americano Richard Nixon em julho de 1969, lamentando o retumbante fracasso da missão Apollo 11 - e a trágica morte dos astronautas Neil Armstrong, Edwin “Buzz” Aldrin e Michael Collins, que seriam os primeiros homens a pousar na Lua.

Assista abaixo ao curta “In Event of Moon Disaster” na íntegra:

Bem, todo mundo deveria saber que a missão Apollo 11 foi um sucesso – embora ainda hoje existam negacionistas que afirmem que foi tudo uma simulação, e que o homem jamais pisou na Lua... (E não vai aqui nenhuma alusão ao negacionismo relacionado à Covid-19, já que existem negacionistas de todos os matizes ideológicos; conheço pessoas inteligentes que têm a convicção de que a facada do então candidato Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 foi fake, por exemplo.)

Mas o que importa aqui é outra questão: a perfeição das imagens do discurso de Nixon – que, aliás, foi realmente redigido (pelo assessor e redator de discursos William Sapphire) e estava à disposição do presidente americano, caso ocorresse uma tragédia – é assustadora, no mínimo por sinalizar que já existem recursos tecnológicos para, basicamente, reescrever a História por meio de imagens. O que, evidentemente, pode ter um mau uso político, com consequências graves, mas não apenas isso: ações judiciais relacionadas à falsidade ideológica e a violações do direito de imagem devem se tornar cada vez mais comuns, à medida que essa prática se disseminar na internet.

“In Event of Moon Disaster” faz uso do que se chama de “deep fake” (ou “deepfake”), uma técnica de manipulação de imagens que faz uso da Inteligência Artificial para mesclar imagens verdadeiras e falsas. No caso do curta, os movimentos da boca de Nixon foram produzidos por softwares de “machine learning”; outro software sintetizou a voz de um ator de maneira a tornar seu timbre e o ritmo de sua dicção idênticos aos de Nixon – que, aliás, morreu em 1994.

Segundo a roteirista do curta-metragem, a jornalista egípcia Pakinam Amer, a intenção era mesmo provocar um debate sobre o “uso ético” da Inteligência Artificial e fazer um alerta sobre o potencial sombrio da popularização dos “deep fakes”. Em uma entrevista recente a um jornal do Cairo, ela declarou: “[O filme] usa tecnologias emergentes para recriar um acontecimento real”, com o objetivo de abordar a “natureza constantemente alterável da verdade e da realidade”. É isso: na prática, a realidade e a verdade se tornaram, simplesmente, alteráveis.

A técnica do “deep fake” também já vem sendo usada para produzir “falsa pornografia”, isto é, filmes de sexo explícito nos quais os rostos de celebridades são inseridos em corpos de atores pornô, com um grau cada vez maior de realismo. É claro que políticos e celebridades são as vítimas preferenciais dessa prática, mas pessoas comuns também estão sujeitas a aparecer em vídeos “deep fake” produzidos por desafetos.

O mais preocupante é que hoje nem é necessário ser um especialista em programação para criar imagens convincentes: com o software adequado, qualquer pessoa pode gerar notícias falsas com imagens verossímeis, ou inventar sua própria versão do noticiário, em questão de horas.

Quem se assusta com as fake news espalhadas em grupos do Whatsapp ainda não viu nada: no Brasil, até o passado é imprevisível. Há quem afirme, aliás, que, durante a já citada campanha eleitoral de 2018, um vídeo que supostamente mostrava o então candidato a governador de São Paulo, João Dória, em uma orgia com várias mulheres já foi um produto de manipulação digital. (Por outro lado, é possível até que o vídeo tenha conquistado mais votos para o candidato...)

O fato é que, mesmo sendo bastante tosco, o vídeo viralizou nas redes sociais e convenceu muita gente, obrigando Dória a vir a público desmentir a veracidade das imagens.

É fácil visualizar, na campanha do ano que vem, que se anuncia sangrenta, outros candidatos sendo vítimas de manipulações de imagens muito mais realistas - que serão devidamente espalhadas e exploradas por diferentes militâncias. Nada de bom pode vir daí.

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