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Educação de faz-de-conta: a tragédia anunciada da aprovação automática
| Foto: Wikipedia

“A crise da educação no Brasil não é uma crise: é um projeto”, afirmou Darcy Ribeiro. Mais que uma frase de efeito, parece se tratar de um diagnóstico preciso e sempre atual das políticas públicas voltadas para a educação no país, já há muitas décadas.

Lembrei da declaração de Darcy ao me deparar nesta semana com a entrevista de um especialista e empresário da educação sobre a situação da rede pública de ensino no contexto da pandemia de Covid-19. O título da matéria era: “Única saída para a rede pública é não reprovar ninguém”.

Brilhante! Às favas o desempenho e o real aprendizado. Mas, neste caso, já que é tudo mesmo um faz-de-conta, não seria melhor distribuir logo os diplomas? Pouparia tempo e recursos públicos.

A justificativa: aprovando todo mundo, a evasão escolar será menor. Mas considerar como “única saída” aprovar automaticamente, sem qualquer avaliação que permita aferir a qualidade do conteúdo transmitido pelo professor e assimilado pelo aluno, só é concebível em um país no qual o papel da escola não é mais ensinar e preparar para a vida, mas apenas cumprir tabela. E assim (ou nem assim) se melhoram os indicadores da Educação no Brasil.

A premissa é essa mesmo. Desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, as escolas das redes municipais e estaduais estão autorizadas a adotar o regime pomposamente chamado de “progressão continuada”, no qual é proibido reprovar o aluno da primeira à quarta série do ensino fundamental - porque, como já declarou uma professora, quando você reprova “mexe com a autoestima do aluno”.

Ficou assim decretado que um aluno jamais é reprovado por falta de esforço, dedicação e compromisso: a culpa é sempre da escola, da professora ou dos pais que se separaram. Ou seja, Joãozinho pode ser preguiçoso, pode se recusar a aprender a ler e ignorar solenemente a tabuada, pode tocar o terror em sala de aula (quando não estiver gazeteando) e pode tirar zero em todas as provas (aliás, fazer provas para quê?): mesmo assim ele será aprovado.

Mas, vejam, segundo os especialistas não se trata de aprovação automática, mas de “progressão continuada”. Na prática, a única diferença as duas é o nome. Joãozinho continua analfabeto e sem saber somar dois mais dois, mas passou de ano e está com a autoestima elevada.

Evidentemente, a culpa não é do aluno nem do professor (que na verdade são vítimas), mas do sistema criminoso que transforma a educação em um reino do faz-de-conta.  

Supostamente, a progressão continuada prevê a evolução dos alunos com base em “ciclos de aprendizado”, com o objetivo de manter as crianças na escola e diminuir o índice de evasão. O fim é nobre, mas é o meio é um desastre. Na teoria, os alunos medíocres automaticamente aprovados recebem, ao longo do ciclo, um acompanhamento personalizado completo, com a retomada, na série seguinte, dos conteúdos não assimilados, para que todos cheguem no final do ciclo no mesmo nível (que será inevitavelmente muito baixo).

Também na teoria, os alunos que chegam no final do ciclo sem um desempenho satisfatório são reprovados e repetem o ciclo inteiro de quatro anos. Ainda que fosse verdade, seria um método estúpido, pois um aluno poderia ter repetido só o primeiro ano e completado o ciclo em cinco anos, enquanto no modelo da progressão continuada, se ele for reprovado terá que repetir o ciclo inteiro de quatro anos. Mas não é assim: no fim do ciclo, todos são aprovados.

Sem orientação, incentivo nem cobrança, o aluno chega ao final do ciclo básico sem ter adquirido as competências mínimas esperadas – mas avança para o ciclo seguinte sem estar preparado. Alguém acredita que isso pode dar certo?

Evidentemente, a culpa não é do aluno nem do professor (na verdade eles são vítimas), mas do sistema criminoso que transforma a Educação no Brasil em um reino do faz-de-conta. A solução brilhante apontada pelo empresário-especialista como “única saída” já vem sendo colocada em prática há muito tempo. A única novidade é que a pandemia permite chamar as coisas pelo nome: aprovação automática. Mas não importa o nome, o desastre é o mesmo.

Cada vez mais a Educação, no Brasil, é um teatro no qual professores fingem que ensinam e estudantes fingem que aprendem. A encenação começa no ensino básico e vai até a formatura no curso superior

O modelo da progressão continuada/aprovação automática até pode funcionar na Suécia ou na Finlândia, mas no Brasil – onde falta até giz nas escolas, e onde professores são rotineiramente agredidos por alunos (às vezes armados) dentro da sala de aula (isso quando as escolas não estão fechadas por ordem do traficante local nem paralisadas por greves intermináveis promovidas pelas dezenas de sindicatos da área) – a adoção desse modelo é uma tragédia anunciada, cujo resultado previsível, governo após governo, é a queda da qualidade do ensino (ainda que os indicadores vinculados à taxa de aprovação digam o contrário).

Mesmo com essa metodologia absurda, números do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) sinalizam que menos de um terço dos estudantes chegam ao final do ensino básico com a proficiência esperada em Português, e menos de um quinto em Matemática. Há vários anos as metas, que já são baixas, não são atingidas: em 2019 o objetivo era atingir nota 5, mas o resultado ficou em 4,2. Além disso, o último relatório do PISA, o mais importante ranking da educação do planeta, mostra que o Brasil continua estagnado nas últimas colocações, entre os 79 países avaliados.

O modelo da progressão continuada/aprovação automática é um desastre, uma farsa, um deboche e um desrespeito ao trabalho de professores abnegados, que, pressionados a não reprovar, lidam a cada ano letivo com alunos mais despreparados – porque, como é óbvio (menos para os especialistas), sem uma boa base é impossível para um aluno assimilar conteúdos mais complexos.

A cada ano letivo, por maior que seja a boa vontade dos professores, o nível das aulas forçosamente vai baixando, já que o tempo que deveria estar sendo aplicado no ensino de novos conteúdos é gasto na revisão e no reforço dos antigos para aqueles alunos que deveriam ter sido reprovados. Mas não importa, o objetivo foi alcançado: diminuir o índice de repetência e evasão escolar e preservar a autoestima do estudante.

Cada vez mais a educação, no Brasil, é isso: um teatro no qual professores fingem que ensinam e estudantes fingem que aprendem. A encenação começa no ensino básico e vai até a formatura no curso superior, ainda mais depois da proliferação de universidades de mentirinha (as “uni-esquinas”) no período em que o PT ficou no poder.

Em vez de tentar corrigir o problema da Educação no ponto de partida – o ensino básico – de forma a perseguir e promover a igualdade de oportunidades, optou-se por um simulacro de solução no ponto de chegada, com cotas para todos os gostos e farta distribuição de diplomas para futuros desempregados.

Hoje, sobretudo (mas não somente) nos cursos de Humanas, o cidadão muitas vezes sai da faculdade em situação de analfabetismo funcional e sem qualquer qualificação profissional que lhe permita ser absorvido pelo mercado de trabalho e enfrentar os desafios da vida adulta – mas o que interessa é que ele tem um diploma. E o analfabetismo funcional não para aí: alcança até mesmo os níveis de mestrado, doutorado e pós-doutorado, que se tornaram reinos da lacração.

Enquanto a educação básica continua um lixo, com o futuro de gerações inteiras sendo sacrificado no altar do politicamente correto, nossos acadêmicos estão preocupados com pautas identitárias, como demonstra o programa de pós-graduação em ensino de Matemática que abriu recentemente inscrições na UFRJ, incluindo os temas "Educação em ciências e matemática para diversidade sexual e de gênero e justiça social" e "Descolonialidade e relações étnico-raciais na educação em matemática e ciências". (Depois os acadêmicos não entendem quando o trabalhador que rala e paga impostos se revolta e vota na direita):

Em seu plano de Governo, Jair Bolsonaro escreveu: "Além de mudar o método de gestão, na Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a Alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e impedindo a aprovação automática”. Ele estava certíssimo. Sabemos que as resistências são enormes, mas está faltando colocar isso em prática.

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