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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Mídia teimosa

Elon Musk nazista? O truque está aí, só cai quem quer

O CEO da Tesla, Elon Musk, gesticula para a multidão na Capitol One Arena após seu discurso durante as cerimônias de posse do presidente dos EUA, Donald Trump, em Washington, EUA, 20 de janeiro de 2025. (Foto: ALLISON JANTAR / EPA /EFE)

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Pelo menos em parte, Donald Trump venceu as eleições de 2024 porque o homem comum não aguenta mais ser chamado de nazista.

Defende a família? É nazista. Frequenta a missa? É nazista. É contra a transição de gênero em crianças e adolescentes? É nazista. É contra o uso de pronomes neutros? É nazista. É contra a perseguição a cristãos? É nazista. É contra a censura? É nazista. Critica o governo e vota na oposição? É nazista. É contra o terrorismo climático? É nazista.

Defende a meritocracia? É nazista. Reclama do aumento dos preços nos supermercados? É nazista. É contra a doutrinação em sala de aula? É nazista. Desconfia dos indicadores oficiais da economia? É nazista. Come carne vermelha? É nazista. É contra passar a mão na cabeça de imigrantes ilegais? É nazista. Usa camisa polo? É nazista. É contra a liberação do aborto? É nazista.

Usa fantasia de índio no carnaval? É nazista. Bebe leite? É nazista. Faz sinal de ok? É nazista. É contra a liberação das drogas? É nazista. Defende o voto impresso e auditável? É nazista. Defende penas mais severas para traficantes e estupradores? É nazista. Lê bula de vacina? É nazista. É contra mais impostos no lombo do pobre? É nazista. Defende a liberdade de expressão nas redes sociais? É nazista.

E, atenção para esse caso insólito: apoia Israel e os judeus? É nazista. Este é um exemplo revelador de até onde pode chegar a insanidade dessa gente.

A lista seria interminável. O objetivo é muito simples: rotular alguém de "nazista" serve para invalidar a posição do outro sem sequer precisar ouvir seus argumentos. Afinal de contas, quem vai querer ouvir os argumentos de um “nazista”?

Ninguém aguenta mais essa chatice – uma chatice que tem infernizado a vida de muitas pessoas, às vezes com consequências trágicas. O fato é que muitas dessas pessoas anseiam, simplesmente, por liberdade – a liberdade que lhes foi roubada, estranhamente, em nome do amor, da justiça social e defesa da democracia.

A banalização da palavra “nazista” não é apenas politicamente ineficaz, é contraproducente. Pelo simples fato de que, quanto mais pessoas de centro (e até de esquerda) forem insultadas com o rótulo de nazistas, mas elas se identificarão com a direita. Fato: essa ladainha empurrou muitos eleitores para o colo de Donald Trump.

Mas as consequências da banalização não param aí.

Reduzir o nazismo a um insulto leviano e genérico, usado a torto e à direita (o trocadilho é intencional) trivializa o horror do Holocausto e outras atrocidades, distorcendo a compreensão histórica do nazismo real. (O mesmo se aplica, naturalmente, ao fascismo – ideologia que apoiava o Estado onipotente e que hoje é estranhamente associada a quem defende a diminuição do tamanho do Estado.) A banalização da palavra “nazista” deslegitima, também, as críticas e reações a atitudes e ideias verdadeiramente autoritárias, que podem acabar sendo ignoradas no mar da histeria coletiva da militância – como aquela criança que, de tanto gritar “Urso!”, é ignorada pelos pais quando atacada por um urso de verdade.

“É difícil para uma pessoa entender uma coisa quando a sua sobrevivência – econômica, social e política – depende de ela não entender”

Por fim, desumaniza as pessoas, eliminando qualquer possibilidade de um diálogo saudável e produtivo, reduzindo todo e qualquer debate a uma troca de ataques pessoais. Nada de bom pode vir daí.

Muitos americanos votaram em Trump porque não gostaram do que viram nos últimos anos: uma perseguição insidiosa, por parte de uma mídia ideologicamente enviesada e até mesmo de um aparato judicial abertamente parcial, que reduziu os tribunais a um papel político. Ainda bem que essas coisas não acontecem no Brasil.

Apesar de tudo isso, o que faz a grande mídia na cobertura da posse do 47º presidente dos Estados Unidos? Pega carona na militância inconformada com a vitória de Trump e dá um jeito de associar Elon Musk ao nazismo, em função da gestualidade entusiasmada da sua comemoração. Ou alguém acredita de verdade que a intenção de Musk era fazer uma saudação nazista?

Associar de forma sensacionalista Elon Musk ao nazismo é puro suco de narrativa. Quem assiste ao vídeo com o mínimo de honestidade moral e intelectual percebe de imediato: Musk está “jogando” o seu coração para a plateia, depois de colocar a mão no peito. Como se fosse necessária uma legenda, ele ainda diz: “My heart goes out to you!”

Infelizmente, de uma mídia militante não se pode esperar sequer esse mínimo: é difícil para uma pessoa entender uma coisa quando a sua sobrevivência – financeira, social e política – depende de ela não entender.

Daqui a pouco vai ser proibido levantar o braço para chamar um táxi, para acenar para um conhecido na rua, para chamar a atenção de alguém ou para pedir silêncio da plateia em um auditório. Porque, sabe como é, um fotógrafo mal intencionado e uma mídia desonesta podem usar a imagem para tentar desqualificar suas ideias e destruir a sua reputação.

O tom do que será a cobertura do novo governo Trump está dado. Mesmo depois de tantas derrotas acachapantes, os jornalistas da grande mídia vão teimar na estratégia podre de rotular de nazista qualquer pessoa que discorde da sua agenda.

Já passou da hora de eles entenderem que as pessoas comuns não caem mais nessa feitiçaria. Tanto que já reagiram, de forma saudavelmente jocosa. Nas redes sociais viralizou, entre outras, a colagem de imagens, que mostra Obama e Kamala Harris fazendo gestos semelhantes ao de Elon Musk. Alguém viu a grande mídia tentar lançar sobre eles a pecha de nazistas? Seus gestos foram exagerados e descontextualizados? São perguntas retóricas.  

O próprio Musk comentou: “Francamente, o ataque ‘Todo mundo é Hitler’ é tão manjado. Eles precisam de truques sujos melhores”.

O truque está exposto, só cai quem quer. Mas continuem, vai dar certinho.

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