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Foto postada em redes sociais faz XP ser processada por falta de diversidade
| Foto: Reprodução

Coletivos que defendem minorias entraram ontem com uma ação judicial contra a XP Investimentos e seu escritório credenciado Ável Corretora, por falta de diversidade no corpo de funcionários. Estão pedindo R$ 10 milhões de indenização por dano social moral e coletivo, além do cumprimento de uma lista de exigências que inclui:

- A composição do quadro de contratados permanentes ou temporários tem de ter a mesma proporção de negros, mulheres e indígenas presentes na sociedade brasileira;

- Cotas para pessoas idosas e pessoas com deficiência;

- Prazo de 90 dias para apresentação de um plano de diversificação do quadro de colaboradores;

- As empresas terão de incorporar ao conselho de administração quatro novos membros, integrantes das comunidades sub-representadas;

- A disponibilização de cursos gratuitos e estágios remunerados para promover a formação e a experiência profissional desses colaboradores.

Tudo começou quando a Ável postou em uma rede social uma foto em que aparecem cerca de 100 funcionários, todos brancos e, em sua imensa maioria, homens. Como era previsível, a reação foi imediata e logo se transformou em uma bola de neve, culminando na ação judicial. Mais um episódio sintomático da época conturbada em que vivemos.

Desnecessário dizer, a luta por representatividade e diversidade em um país desigual como o nosso é legítima. E postar a foto acima em redes sociais, ainda mais no momento de nervos à flor-da-pele em que estamos vivendo, pode ser interpretado como um gesto insensível - e uma ação de marketing estúpida.

A própria XP parece reconhecer isso, na nota que divulgou: “(...) Nosso compromisso com a Diversidade e Inclusão estabelece metas internas para aumentar a contratação, em todos os cargos, de pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e PCDs. (...) Estamos trabalhando, incansavelmente, para ser cada vez mais um agente de mudança da sociedade e do mercado financeiro."

Mas (e este é um grande “mas”) a lista de exigências incluída na ação judicial é reveladora de como bandeiras legítimas podem, de boa ou má fé, ser defendidas de forma equivocada, a ponto de acabar prejudicando quem deveria supostamente ser protegido.

Vou me deter na primeira exigência:

A composição do quadro de contratados permanentes ou temporários tem de ter a mesma proporção de negros, mulheres e indígenas presentes na sociedade brasileira;

Supondo que esta é uma regra que os coletivos desejam impor a todas as empresas privadas brasileiras, vamos tentar entender se ela é viável.

Em primeiro lugar, a exigência ignora diferenças demográficas por região. Se for colocada em prática tal como está formulada, empresas de Porto Alegre (como, aliás, a Ável) e de Salvador teriam que respeitar a mesma proporção de etnias na composição de seu quadro de funcionários, o que seria, evidentemente, injusto.

Mas a dificuldade já começa antes, em estabelecer qual seria essa proporção: na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 2019, 42,7% dos brasileiros se declararam brancos, 46,8% pardos, 9,4% pretos e 1,1% amarelos ou indígenas. É esta proporção que vai valer? Porque existem outras, que variam conforme a fonte.

Algumas estimativas, por exemplo, consideram como “negra” a soma das populações preta e parda. Ora, isso evidentemente provoca distorções, por apagar as gradações entre dois extremos ("preto" e "branco"), que são resultado da imensa miscigenação que caracterizou nossa formação histórica e que, até outro dia, era entendida como uma qualidade do povo brasileiro. Mas hoje há quem diga que miscigenação é genocídio...

Vale lembrar que essas pesquisas são auto-declaratórias, o que já foi criticado por um ex-presidente do IBGE, Simon Schwartzman, pelo fato de parte significativa da população brasileira não se identificar com as categorias apresentadas. Por exemplo, quando responderam de forma espontânea sobre a sua cor, 32% dos brasileiros disseram ser "morenos", e 6% "morenos claros"; o termo “pardo” foi usado, por apenas 7%, e “preto” por 5%.

Segundo Schwartzman, esses números "confirmam que o Brasil não tem linhas de demarcação nítidas entre populações em termos de características étnicas, linguísticas, culturais ou históricas, o que faz com que qualquer tentativa de classificar as pessoas de acordo com estas categorias esteja sujeita a grande imprecisão”.

Em uma sociedade igualitária, cada indivíduo seria julgado e respeitado pelo seu caráter, pelas suas qualidades, pelas suas ações, pelo seu comportamento, pelo seu esforço – não pelo acaso de ter nascido preto ou branco, mulher ou homem, nem por sua orientação sexual

Ainda que essa classificação fosse precisa, pela lógica da ação viveremos a seguinte situação: em uma empresa com 100 funcionários, se um funcionário indígena for demitido, terá que ser substituído por outro indígena, mesmo que haja candidatos mais competentes de outras etnias. No limite, já que a proporção da população tem que ser respeitada, quando um funcionário branco for demitido, também ele terá que ser substituído por outro funcionário branco – mesmo havendo candidatos mais competentes de outras etnias.

É o problema de se tentar resolver o problema da desigualdade e do preconceito contra minorias pela afirmação e pelo acirramento das diferenças, e não pelo apagamento dessas diferenças, isto é, lutando por uma situação na qual a cor e o sexo das pessoas não tenham nenhuma importância e não façam a menor diferença.

Esta seria uma sociedade verdadeiramente igualitária, na qual cada indivíduo seria julgado e respeitado pelo seu caráter, pelas suas qualidades, pelas suas ações, pelo seu comportamento, pelo seu esforço – não pelo acaso de ter nascido preto ou branco, mulher ou homem, nem por sua orientação sexual.

Mas, hoje, o que se persegue cada vez mais é, ao contrário, uma sociedade de grupos em confronto, todos buscando tratamentos diferenciados e privilégios, todos identificando no outro, no diferente, um adversário a perseguir e abater.

Bandeiras legítimas estão sendo contaminadas por um cenário de histeria coletiva, no qual a disputa entre “nós” e “eles” foi estendida a todos os aspectos da vida em sociedade. Agora não é mais simplesmente esquerda contra direita, agora são todos contra todos: minorias contra minorias, gêneros contra gêneros, raças contra raças, sexualidades contra sexualidades, esquerdas contra esquerdas, direitas contra direitas, as elites contra as elites, o povo contra o povo. As consequências desse movimento, só o tempo vai mostrar quais serão.

De qualquer forma, se for julgada procedente, a ação judicial abre um precedente perigoso: sendo uma empresa de grande porte, a XP terá como contratar mais funcionários, mesmo que sem necessidade, apenas para cumprir as cotas eventualmente impostas pela Justiça. Mas milhões de pequenos e médios empresários país afora – que já vivem com a corda no pescoço, pendurados em dívidas e submetidos a uma carga tributária e a exigências burocráticas absurdas – não. Para não serem acusados de práticas discriminatórias, muitos terão, simplesmente, que fechar as portas, aumentando o desemprego (inclusive o desemprego entre as minorias, por óbvio).

Reivindicações assim parecem partir de pessoas que ignoram as noções mais rudimentares de como funciona uma economia de mercado. Partem da premissa de que o dinheiro dá em árvore ou cai do céu – e que, se os empresários não pagam salários maiores, nem colocam políticas compensatórias acima da necessidade de resultados como critério nos processos seletivos, é porque são malvados, não porque precisam maximizar seus lucros, até para poder gerar mais empregos.

Outra premissa equivocada que parecem seguir é que o "bolo" da riqueza a dividir será sempre o mesmo. Não será: dependendo das medidas que o Estado adotar, sobretudo se desestimularem o empreendedorismo, o bolo pode diminuir drasticamente - o que prejudicará, também, as minorias.

A não ser em uma economia centralizada e planificada pelo Estado – e a História demonstra que nenhuma economia assim deu certo, todas fracassaram miseravelmente – é simplesmente absurdo exigir, pela via judicial, um grau de intervenção do Estado na atividade empresarial nos termos do processo aberto pelos coletivos contra a XP.

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