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“Jamestown” é novelão de época sobre empoderamento feminino
| Foto: Divulgação

A premissa da série é ótima. Em 1619, um navio carregado de mulheres chega a Jamestown, na Virgínia, o primeiro assentamento britânico na América. O destino das passageiras era se casar com os primeiros colonos do povoado, todos homens, que tinham chegado ao Novo Mundo 12 anos antes e, desesperados por uma esposa, pagaram as despesas da viagem. Quem teve a ideia de importar mulheres para constituírem famílias com os colonos, garantindo assim a continuidade de Jamestown, foi o hábil governador da colônia, sir George Yeardley. Acabou dando certo.

Dos mesmos criadores de “Downton Abbey”, a série dramática de época “Jamestown”, disponível no catálogo da Amazon Prime, explora de forma original e visualmente atraente – mas com muitas liberdades poéticas, é necessário alertar – esse episódio pouco conhecido de formação da História americana. Embora inverossímil em muitos aspectos (e contendo uma boa dose de lacração feminista), a série entretém e prende a atenção do espectador em suas três temporadas, com personagens bem construídos, diálogos inteligentes e uma narrativa ágil, em tom de um bom novelão, sem maior compromisso (oyu sem nenhum compromisso) com o rigor histórico.

A narrativa de “Jamestown” começa com o desembarque dessas 90 mulheres, com o roteiro de Bill Gallagher destacando as três protagonistas: a ambiciosa Jocelyn (Naomi Battrick), a azarada Alice (Sophie Rundle) e a esperta Verity (Niamh Walsh). As três terão forte impacto na comunidade local, formada por pioneiros sem qualquer conhecimento ou formação que lutam pela sobrevivência em meio a uma natureza inóspita, infestada por mosquitos, sem água própria para beber e com perspectivas modestas de caça e agricultura.

Embora as jovens tenham aceitado atravessar o oceano Atlântico de livre e espontânea vontade – para escapar da pobreza ou fugir de um passado criminoso ou problemático, caso de Jocelyn – todas ficaram chocadas ao perceber que a América não era o paraíso acolhedor que imaginavam. Além de servir aos maridos, geralmente estúpidos e agressivos, elas tinham que trabalhar na terra e eram desprovidas dos direitos mais elementares. Para sobreviver nesse cenário hostil, as protagonistas lançam mão de diferentes recursos femininos, manipulando seus maridos e as lideranças locais.

Assista abaixo ao trailer da primeira temporada da série “Jamestown”:

É aqui que os problemas aparecem: as três protagonistas se comportam em muitos momentos como mulheres de 2020, demonstrando uma independência e uma atitude que dificilmente seria aceitas na Virginia selvagem  do começo do século 17, ainda mais no contexto da série: elas foram literalmente compradas por homens brutalizados por anos de uma vida cheia de dificuldades e perigos, que estão sexualmente desesperados e que são alcoólatras e violentos em sua maioria; eles dificilmente estariam dispostos a tratar suas recém-chegadas noivas com qualquer gentileza. Na Jamestown de 1619, empoderamento feminino era trabalhar de sol a sol e dar prazer e filhos ao marido. Desnecessário dizer, aquela era outra época, com valores muito diferentes da nossa.

Mas felizmente “Jamestown” não é apenas uma história de empoderamento feminino sem qualquer realismo: o roteiro entrelaça de forma engenhosa o processo de mútua adaptação entre os colonos do assentamento e suas novas moradoras com interessantes disputas pelo poder na política local, especialmente entre o governador Yeardley (Jason Flemyng) e o inescrupuloso Nicholas Farlow (Burn Gorman). Cenas de alguma violência – sobretudo as de castigos físicos severos – conferem um tom mais dramático à série, compensando, de certa forma, a insustentável leveza das protagonistas.

A verdadeira história de Jamestown é interessantíssima. Devido ao alto custo da viagem da Inglaterra para a América, muitos colonos ingleses aceitaram trabalhar como servos por um período de sete anos, em troca da passagem, hospedagem, alimentação e a promessa de terra ou dinheiro, no futuro. Em seus primeiros anos, o assentamento foi um fracasso: nos nove primeiros meses, 66 dos 104 colonos originais morreram de fome, doença ou em confrontos com os índios.

(Foi em um desses conflitos com os nativos que a Pocahontas real, filha do cacique da tribo Powathan, salvou de fato a vida do colono inglês John Smith, por quem se apaixonou - tema brilhantemente abordado no filme “O Novo Mundo”, de Terrence Malick, além do longa de animação da Disney.)

O assentamento só não foi abandonado em função de novas levas de imigrantes. Em 1619, ano em que se passa a série "Jamestown", os colonos que restavam estavam a ponto de desistir, quando chegaram as mulheres com quem se casariam, estabelecendo o início efetivo da construção dos Estados Unidos.

No ano seguinte, chegaram ao assentamento os primeiros escravos, que, vindos e Angola,  tornaram viável o cultivo de tabaco para exportação, ao mesmo tempo em que se estabeleciam relações comerciais menos hostis com os índios Powhatan. Foi o colono John Rolfe – que acabou se casando com Pocahontas – quem conseguiu imprimir alguma eficiência na administração de Jamestown, explorando a monocultura do tabaco, quando a colônia enfim começou a progredir.

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