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Moro será cassado? Justiça ou desforra?
| Foto: Divulgação

Deve ser retomado amanhã, no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, o processo que pode levar à cassação do senador Sergio Moro. O relator do caso, desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza, já votou contra a cassação.

No clima atual de caça às bruxas que parece contaminar a Justiça do país, o voto do relator foi uma surpresa. E a cassação de Moro, que parecia favas contadas, já não parece tão certa. Não há, contudo, qualquer motivo para otimismo, já que, havendo recurso da parte derrotada, a palavra final será dada pelo TSE.

O atual senador e ex-juiz Sérgio Moro – herói da Operação Lava-Jato, hoje alvo de um revisionismo que tenta sem qualquer cerimônia reescrever o passado – é acusado de se beneficiar de suas pré-campanhas à Presidência e ao Senado por São Paulo (onde foi impedido de concorrer) para se eleger Senador pelo Paraná, em 2022. Seria abuso de poder econômico.

Aos olhos de um leigo, parece uma acusação esdrúxula. Na prática, ela abre precedente para impedir que qualquer pré-candidato a um determinado cargo possa disputar outro, caso a intenção original não vingue.

O voto do relator prova que a tese é mesmo esdrúxula:

“Imagine-se então a dificuldade que teria um cidadão do Amapá, Acre ou Roraima, para ficar em alguns exemplos, de se pré-candidatar à Presidência da República e, se não conseguisse viabilidade política para tal empreitada, se lançasse candidato a Senador em seu Estado. (...) [Ele] não poderia concorrer a Senador em seu Estado. (...) Não poderia se candidatar nem mesmo a governador de seu Estado. (...) Deputado Federal, então, jamais.”  

A íntegra do voto tem 231 páginas. Transcrevo a seguir dois trechos do início do texto, que considero exemplares e fundamentais para se compreender e se resgatar o correto papel de um servidor do Judiciário.

Primeiro:

“O julgador deve ficar adstrito ao que está no processo; àquilo que as partes trouxeram para julgamento, por obrigação constitucional e para garantia das partes, aplicando o Direito e se atentando ao que tem nos autos, seguindo a lei, independentemente do juízo popular sobre este ou aquele caso.”

Segundo:

“Não se está aqui a julgar a Operação Lava-Jato, seus personagens, acertos e erros. Não se vai aqui dizer dos bilhões de reais devolvidos aos cofres públicos pela prática confessada de corrupção nunca vista antes na História desse país; muito menos seus erros (...). Também não se apreciará o fato de o investigado Sergio Moro ter assumido o Ministério da Justiça do governo opositor político do então paciente Luiz Inácio Lula da Silva.”

O que se está fazendo é buscar pretextos para cassar um Senador eleito com quase 2 milhões de votos. Simpatize-se ou não com Moro, isto é apenas um absurdo

O relator só está dizendo o óbvio, só está explicando como deve funcionar um processo judicial, como deve se comportar um juiz. Mas, nos tempos estranhos que vivemos, parece que o óbvio precisa ser repetido todos os dias.

No Brasil de hoje juízes não se restringem aos autos: eles gostam dos holofotes, dão palpites e entrevistas sobre os mais variados temas, deixam clara qual é sua preferência política, antecipam seus votos, vazam rotineiramente informações para a mídia parceira, censuram e perseguem jornalistas, invadem a alçada de outros Poderes, condenam professoras septuagenárias aposentadas a 14 anos de prisão etc.

É a Justiça freestyle. Não sei qual será o resultado final do julgamento de Moro, mas, nesse contexto, não deixa de ser um alento aparecer um desembargador que ainda pratica a Justiça à moda antiga.

A denúncia contra Moro tem alicerces frágeis, porque não há legislação clara sobre “pré-campanhas” – até porque, em uma pré-campanha, como o próprio nome indica, ainda não existe candidatura formal. Por isso mesmo sequer é possível monitorar quanto um pré-candidato gasta nessa fase, que aliás pode não dar em nada.

Não existe, tampouco, limite legal para despesas de pré-campanha. Não havendo limite, não é feito monitoramento dos gastos. Abre-se então terreno para os chutes. No caso de Sérgio Moro, o Ministério Público acha que o Senador gastou no mínimo R$ 2 milhões. O PL, um dos autores da denúncia ao lado do PT, diz que foram R$ 7,5 milhões. A defesa de Moro alega que foram R$ 140 mil. Durma-se com um barulho desses.

O extenso voto do relator é muito bem fundamentado, desmontando uma a uma as alegações dos acusadores. Na conclusão, ele julga improcedentes as demandas pela cassação:

“Diante de todo o exposto ao longo deste voto, não se constata indícios mínimos dos crimes de apropriação indébita eleitoral (art. 294-A, CE), falsidade para fins eleitorais (‘caixa dois’ eleitoral, art. 350, CE), lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, dentre outros delitos comuns e eleitorais aventados pelos investigantes em suas petições iniciais e alegações finais.”

Também chama a atenção, no extenso voto do relator, a análise dos aspectos políticos envolvidos no caso. O que se está fazendo, ele sugere, é buscar pretextos para cassar um Senador eleito com quase 2 milhões de votos.

Simples assim. Simpatize-se ou não com Moro, isto é apenas um absurdo. Minha opinião. Escreve o relator:

“Não se pode perder de vista que todo processo aqui surge pela política: é muita ingenuidade acreditar que, atuando como juiz em grande operação de combate a corrupção que afetou razoável parte do quadro político, ao sair da magistratura e ingressar no governo beneficiado eleitoralmente pela indicada operação, não seria atacado; que, saindo desse governo, atirando, não receberia retaliação futura e, ao fim e ao cabo, sair candidato e sagrando-se vencedor na eleição ao Senado contra aquele que lhe abriu a candidatura presidencial (e que estava há décadas no Legislativo), não poderia ser alvo de desforra.”

É isso: não se trata de justiça, trata-se desforra. Não é perseguindo opositores que se defende o Estado de Direito. Isso é coisa de ditaduras, como a da Venezuela. Não é assim que se faz em uma democracia.

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