O melhor de dois mundos: a vida dupla dos ricos de esquerda

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Mais relevante para se entender o Brasil de hoje que o fenômeno dos pobres de direita é uma categoria da qual se fala relativamente pouco: os ricos de esquerda.

É algo realmente intrigante. São pessoas que viajam regularmente para a Europa (ou destinos mais caros e exóticos), que não precisam trabalhar, que vivem da mesada dos pais ou de um patrimônio herdado que lhes permite dedicar um bom tempo de suas vidas ao ativismo de butique e à lacração nas redes sociais – isto é, quando não estão ostentando, postando fotos em lugares caros, com roupas caras, com companhias caras. Os ricos de esquerda têm hábitos de consumo luxuosos, têm carros que valem um apartamento de classe média e outros bens que jamais teriam fora do sistema capitalista.

Mas são de esquerda.

A categoria não é composta só de ociosos, claro; ela inclui também gente que trabalha muito, como aqueles empresários riquíssimos que ficaram ainda mais ricos fazendo excelentes negócios com bancos e empresas estatais em governos recentes. Tudo em nome do povo. O fato de que muitos desses empresários guerreiros do povo brasileiro tenham acabado na prisão é apenas mais um sinal dos tempos sombrios que vivemos, uma prova do autoritarismo fascista machocrata, gordofóbico e genocida que persegue minorias de empreendedores que só querem, como diz o Guilherme Fiúza, roubar honestamente.

Para usar uma palavra um pouco fora de moda, mas que a esquerda-raiz sempre amou: os ricos de esquerda são justamente os burgueses. Sim, aqueles mesmos burgueses que, historicamente, sempre foram o alvo preferencial dos marxistas, pelo menos desde a publicação do Manifesto Comunista em 1848.

Só que esses burgueses, por cinismo, esperteza ou algum desvio moral, escolheram levar uma vida dupla. Eles operaram uma separação entre sua posição de classe e seu discurso: na intimidade, conservam os privilégios de sempre e compram tudo que o dinheiro pode comprar (até amor verdadeiro); na vida pública, posam de bons moços preocupados com a floresta amazônica e apoiam todas as bandeiras progressistas que substituíram a antiga luta de classes na agenda da esquerda, do ativismo vegano à militância trans, do combate à gordofobia à defesa dos pronomes neutres.

Os ricos de esquerda são ricos, viajam como ricos, vivem como ricos, casam e têm filhos entre si (a endogamia é um hábito do qual não abrem mão, porque, mesmo sendo de esquerda, essas elites não gostam de se misturar). No mais das vezes, nunca andaram de ônibus (de trem, só na Europa). Jamais colocaram os pés em um bairro pobre da periferia, muito menos em Cuba, na Venezuela ou na Coreia do Norte. O contato mais próximo com a pobreza que eles têm na vida são as ordens que dão para as empegadas domésticas, as babás, os motoristas e outros serviçais. Mas falam e lacram como socialistas que combatem as elites e lutam pela justiça social.

Ora, esses ricos de esquerda não estão dispostos a ceder um milímetro sequer em seus privilégios: eles só descobriram que podem ter o melhor de dois mundos. Podem continuar ostentando nas redes sociais, comprando roupas de marcas caras e passeando de lancha com gente bonita postando fotos sorridentes, com aquela expressão serena que só o conforto financeiro garante – fotos tiradas, é claro, com o modelo mais sofisticado do Iphone.

Os ricos de esquerda constituem um grupo numericamente pequeno, mas poderoso e barulhento. Porque são eles que dominam o que o teórico marxista Louis Althusser denominou “aparelhos ideológicos de Estado”: as escolas e universidades (recomendo a leitura do livro “Quem controla a escola governa o mundo”, de Gary Demar), a Igreja, a mídia e o aparato judicial. Como resultado de um trabalho paciente e perseverante, no intervalo de poucas gerações a mentalidade e seus valores de quem domina esses aparelhos passaram a invadir os lares e destruir a família e outras instituições rotuladas como conservadoras – o novo alvo preferencial das esquerdas.

A outrora execrada classe dominante descobriu que basta postar frases feitas nas redes sociais para que a deixem em paz. O inimigo agora é outro.

E não é que esses ricos com consciência social (mais falsa que uma nota de três) deixaram de ser incomodados pela militância esquerdista? Pois é, o inimigo agora é outro, deixou de ser a elite milionária. A velha (e outrora execrada) classe dominante descobriu que basta postar slogans, hashtags e frases feitas nas redes sociais para que a deixem em paz. Porque os ativistas da “nova esquerda” estão muito ocupados perseguindo e esfolando os fascistas que não pagam pedágio para a cartilha do politicamente correto.

Nunca foi tão fácil ser rico.

A pauta dessa nova esquerda deixou de ser a luta de classes ou a expropriação popular dos meios de produção.

A pauta deixou de ser o fim da mais-valia ou a destruição do capitalismo.

A pauta deixou de ser a implantação de uma sociedade sem classes e harmoniosa.

A pauta migrou da economia para o comportamento.

Hoje, o que dá sentido à vida de muitas pessoas que se intitulam “de esquerda” – e lhes dá justificativa moral para mentir, sabotar, manipular, perseguir e destruir adversários – é a compulsão de apontar o dedo para os outros como forma de afirmar a própria virtude.

Mas isso não é algo casual, nem surgiu espontaneamente: por trás desse fenômeno também estão eles, os ricos de esquerda.

Pois a que projeto político, econômico e social estão efetivamente servindo os jovens talibãs do progressismo que babam de ódio na defesa de bandeiras identitárias, a ponto de pressionar patrocinadores e proprietários de veículos de comunicação para que demitam jornalistas? Que defendem a censura de filmes, livros e obras de arte e o cancelamento de escritores e cineastas que integram o acervo da nossa cultura? Que vandalizam estátuas de Churchill e até Mahatma Gandhi? Certamente esse projeto não tem nada a ver com a revolução com que sonhava Marx.

Ainda que, por inocência ou cálculo cínico, a militância continue adotando um discurso de defesa da justiça social e da revolução, a esquerda de hoje não tem mais nada a ver com o marxismo. Basta dizer que seu grande mito e líder hoje é um bilionário e megaespeculador, George Soros, um homem tão rico que tem o poder de derrubar governos com ataques especulativos à moeda de um país; e um homem tão engajado nas causas da nova esquerda que as vem sustentando com doações exorbitantes.

Na verdade, não são doações, são investimentos. Ou alguém acredita que Soros está disposto a dividir sua fortuna com os pobres e abrir mão dos seus confortos e privilégios (ou dos confortos e privilégios de seus herdeiros)? Por que a Open Society, fundação de Soros, financia mundo afora – inclusive no Brasil – ONGs, “coletivos”, blogueiros e movimentos que defendem exatamente aquelas pautas que hoje definem a nova esquerda, como a ideologia de gênero, o racialismo sectário, a defesa do aborto, a legalização das drogas, a imigração descontrolada, o desarmamento, a flexibilização do conceito de pedofilia etc? E não é só a Open Society.

Outras fundações bilionárias alimentam e sustentam as bandeiras progressistas: Ford, MacArthur e Rockefeller, entre outras, são grandes financiadoras da nova esquerda, que passou, vejam só, a comer na mão do grande capital. Já em outubro de 2017, um artigo de Bruno Garschagen mapeava e explicava o financiamento de Soros à esquerda brasileira. De lá para cá, isso só piorou. Nada de bom pode vir daí.

Luciano Trigo

Luciano Trigo é escritor, jornalista, tradutor e editor de livros. Autor de 'O viajante imóvel', sobre Machado de Assis, 'Engenho e memória', sobre José Lins do Rego, e meia dúzia de outros livros, entre eles infantis.**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

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