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O ovo da serpente na selva do Paraguai
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Em 1886, uma caravana de 14 famílias alemãs viajou para o remoto Paraguai, com o objetivo de criar uma colônia que preservasse a pureza da raça ariana, um paraíso perdido em meio à selva, protegido da “contaminação judaica”. O líder da expedição era Bernhard Förster, casado com Elizabeth, irmã do filósofo Friedrich Nietzsche.

A colônia, Nueva Germania, foi efetivamente fundada no ano seguinte, como um assentamento privado, e sobrevive até hoje como município, mas o projeto proto-nazista fracassou miseravelmente. Este é o contexto do romance histórico “Nietzsche no Paraguai”, do escritor francês Christophe Prince – que morreu deixando a obra inacabada; sua viúva Nathalie concluiu o texto).

Misturando personagens reais e imaginários (como o capitão Miramontes) e tomando como ponto de partida registros históricos e algumas cartas de Nietzsche endereçadas à irmã, o autor explora a ideia de que Nova Germânia foi uma espécie de rascunho, de ovo da serpente do projeto nazista que seria tragicamente implementado na Alemanha 50 anos depois.

Elizabeth, a quem Nietzsche era fortemente ligado, é hoje acusada de manipular e distorcer a obra do irmão, de forma a ressaltar seu antissemitismo. Por sua vez, Bernhard Förster, um fracassado professor secundário berlinense, era assumidamente antissemita. Tudo indica que o projeto da colônia paraguaia nasceu depois que ele foi demitido do emprego após agredir um comerciante judeu.

Na cabeça de Bernhard, a sociedade alemã estava se degenerando, e a saída seria buscar um estilo de vida mais saudável e em harmonia com a natureza, longe das más influências da civilização Nesse sentido, Nova Germânia era uma combinação esquisita de vegetarianismo, socialismo e antissemitismo (uma das metas da comunidade era erradicação de tudo que aparentasse qualquer proximidade com o judaísmo).

O governo paraguaio acolheu de braços abertos o grupo de colonos: em uma situação desastrosa após a Guerra do Paraguai, que custou ao país metade do seu território e 80% da população masculina, qualquer imigrante disposto a investir no país era bem recebido. Os colonos receberam de mão beijada 20 mil hectares de terra, onde somente alemães eram aceitos. Há indícios de que os colonos escravizavam indígenas paraguaios.

Bernhard Förster e outros colonos alemães em Nova Germânia, em 1887
Bernhard Förster e outros colonos alemães em Nova Germânia, em 1887

Mas as coisas não saíram conforme o planejado. Muitos alemães não resistiram à natureza inóspita e morreram de doenças tropicais já nas primeiras semanas no novo país, e os sobreviventes, com colheitas miseráveis e atormentados por todo tipo de pragas e parasitas, só tinham descanso para assistir às palestras de Bernhard Förster sobre temas como a "Purificação e renascimento da raça humana" ou a "Salvação da cultura da humanidade".

O contrato entre o governo paraguaio e Förster determinava que, se no prazo de dois anos não houvesse 140 famílias alemãs estabelecidas, a concessão das terras seria revertida. Isso obrigou Förster a fazer uma forte campanha propaganda da Nova Germânia na Alemanha, tanto para arregimentar novos colonos como para angariar doações para o projeto. Não deu certo.

Elizabeth também tentou convencer o irmão filósofo a apoiar a colônia, inclusive sugerindo que uma área da Nova Germânia receberia o nome de “Bosque de Friedrich”, mas o filósofo se recusou veementemente a dar qualquer tipo de ajuda financeira. O título do romance é, portanto, enganoso, já que Nietzsche não apenas jamais esteve no Paraguai como se opôs enfaticamente ao projeto maluco da irmã e do cunhado.

Com exceção do casal Förster, que residia em uma mansão (Elisabeth dizia que Nova Germânia era seu principado), os colonos viviam em condições bastante precárias. Em menos de um ano muitos decidiram voltar para a Alemanha, e no verão de 1889 o projeto já tinha fracassado miseravelmente. Deprimido e mergulhado no alcoolismo, Bernhard cometeu suicídio ingerindo veneno. Somente quatro anos depois, em 1893, sua viúva retornou para a Alemanha, para cuidar do irmão doente e já acometido de demência.

A título de curiosidade: em 2013, o jornal “The New York Times” mandou uma equipe para Nova Germânia. A reportagem resultou no vídeo abaixo:

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