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Operações policiais podem fortalecer candidaturas
| Foto: Reprodução Instagram

Com base exclusivamente no noticiário, é impossível tirar qualquer conclusão categórica, até porque a grande mídia já perdeu a credibilidade há bastante tempo. Mas a aparência é de perseguição, de uso político da Polícia Federal ou, o que seria igualmente nocivo para a democracia, de uma vingança pura e simples em andamento – ou ainda, uma combinação das duas motivações.

É esta a percepção generalizada em metade da população – e, excluídos os cínicos, os ingênuos e os tarados ideológicos, até mesmo uma parcela da outra metade já está incomodada com a sensação de que alguns limites perigosos estão sendo cruzados.

Destaquei as palavras aparência e percepção por precaução, mas não só por isso. Em uma sociedade sem regras claras, sem confiança nas instituições, sem valores compartilhados, onde a democracia e a liberdade de expressão são relativizadas, em suma, em uma sociedade sem limites, o debate político se reduz a um mercado de narrativas, no qual o que importa não são os fatos em si, mas a forma como eles são vendidos ao cidadão comum – as aparências – e a forma como eles são comprados por este cidadão – as percepções.

Em regimes autoritários, é sempre possível controlar as aparências – por meio da censura, da cooptação da mídia, dos grandes empresários, dos intelectuais e dos artistas, do constrangimento da dissidência, da suspensão das liberdades, da imposição de uma narrativa hegemônica nas universidades, da criminalização da oposição etc.

Mas é impossível controlar as percepções. Por medo, cálculo ou conveniência, muita gente pode ficar calada ou até fingir, em público, que continua vivendo em um ambiente de normalidade democrática. Mas a percepção generalizada em metade ou mais da população pode ser bastante diferente.

A mesma dinâmica se aplica à economia: as estatísticas oficiais e a boa vontade da grande mídia tentam criar a aparência de uma economia pujante, selecionando e dando grande destaque às noticias boas e maquiando as ruins. (O “Entenda por que isso é bom” já virou meme nas redes sociais: entenda por que é bom ter inflação alta, gasolina cara, ter que pagar mais impostos etc.)

É notável o esforço para convencer o cidadão comum de que, comparada ao governo anterior, a economia melhorou em todos os indicadores. Mesmo que antes as estatais dessem lucro, e hoje deem um prejuízo gigantesco. Mesmo que o Brasil tenha fechado 2023 com um rombo de R$ 230 bilhões, quando a previsão, já assustadora, era de R$ 140 bilhões (enquanto em 2022, o superávit foi de R$ 54,1 bilhões).

Mas também na economia a percepção generalizada é muito diferente da aparência que se tenta criar, e não apenas em metade da população.

O debate político se reduz a um mercado de narrativas, no qual o que importa não são os fatos em si, mas a forma como eles são vendidos e comprados – as aparências e percepções

Pode-se até tentar explicar por que os preços sobem enquanto a inflação desce, mas a dona Maria e o seu José não estão interessados em teoria econômica. Se as contas não fecham no final do mês, eles ficam insatisfeitos, e isso independe do voto que deram.

E, por mais que se mantenham as aparências no presente, é impossível quantificar as consequências futuras da insatisfação de milhões de seus Josés e donas Marias, país afora. Seguramente, não serão boas.

Pior: não são só os brasileiros comuns que começam a desconfiar que estão sendo enganados;  os investidores também, aí incluídos os investidores estrangeiros, que já ensaiam uma fuga de capitais.

Talvez porque pressintam que, como no caso do déficit, outros compromissos não serão honrados – e eles sabem que um país sem compromisso com a responsabilidade fiscal é como um paciente com febre: quebrar o termômetro, sem atacar a raiz do problema, só vai agravar a doença.

Na política é a mesma coisa: em um ambiente no qual a oposição se sente perseguida e as pessoas comuns têm medo de expressar livremente sua opinião, fica impossível medir a temperatura da insatisfação popular – até porque os institutos de pesquisa também foram tragados no mesmo processo de perda de credibilidade que afeta a grande mídia e as instituições. Ainda assim, os sinais que eles emitem não são bons.

Pois bem, depois dessa longa digressão volto ao tema do primeiro parágrafo. Eu me referia, naturalmente, às recentes operações policiais realizadas contra os deputados Carlos Jordy e Alexandre Ramagem.

Por coincidência, ambos figuras relevantes da oposição. Por coincidência, ambos integrantes do PL, partido do ex-presidente Bolsonaro. Por coincidência, ambos pré-candidatos à Prefeitura de cidades importantes - Niterói e Rio de Janeiro. Por coincidência, as operações aconteceram durante o recesso do Legislativo.

Mesmo que seja tudo só coincidência mesmo, é impossível evitar a percepção de que não é. Aliás, essa percepção independe do que eles efetivamente fizeram ou deixaram de fazer. Ainda que, por hipótese, sejam culpados de alguma coisa, no ambiente atual a percepção que prevalecerá será a de perseguição.

Operação policial percebida como perseguição não tira votos de político, ao contrário: pode até torná-lo mais popular. Que o digam os próprios presidentes Lula e Bolsonaro

Brasileiros comuns não gostam de perseguição. Mal comparando, é como no BBB: o participante que é perseguido geralmente acaba vencendo. Talvez a comparação nem seja tão ruim.

A minha opinião – e espero que ainda seja permitido dar esse tipo de opinião – é que a ilusão do poder absoluto está subindo à cabeça, e falta à grande mídia, ao Poder Judiciário e ao próprio Executivo fazer uma leitura mais realista da percepção do cidadão comum.

Percepções erradas levam a cálculos equivocados. As consequências, potencialmente desastrosas, virão depois. Em todo caso, perseguir é uma estratégia ruim e ineficaz no longo prazo, ainda que proporcione um prazer momentâneo aos psicopatas que, na falta de brilho próprio, fazem de apontar o dedo sua razão de viver.

Basta olhar para os Estados Unidos, onde está acontecendo a mesma coisa. Foi a explicitação da perseguição judicial a Donald Trump que catapultou de vez a sua candidatura. E, quanto mais teimam em criminalizá-lo, mais popular ele se torna. Podem impedi-lo de concorrer, como última cartada, e estão tentando. Mas isso terá um preço altíssimo.

Pois bem, na minha opinião, a não ser que ambos sejam impedidos de concorrer (mas isso também cobrará seu preço), Jordy e Ramagem sairão desses episódios eleitoralmente fortalecidos.

Tenho cá para mim que aqueles eleitores que já tinham a intenção de votar em Ramagem e Jordy em outubro votarão neles com ainda mais convicção. Mas também tem muita gente que sequer tinha ouvido falar nos dois e passará a fazer campanha para eles, depois do que aconteceu. Posso estar enganado.

(Mas posso estar certo também. Liberdade de expressão não pode existir somente para as opiniões que acertam; ela tem que existir, e principalmente, para as opiniões que erram. A alternativa é todos serem obrigados a dar a mesma opinião, sob ameaça de se extirpar do convívio social quem pensa de forma diferente – o que só acontece nas ditaduras.)

Operação policial percebida como perseguição não tira votos de político, pode até torná-lo mais popular. Que o digam os próprios presidentes Lula e Bolsonaro, que seus respectivos eleitores perceberam no passado, no caso do primeiro, e percebem no presente, no caso do segundo, como vítimas de uma perseguição injusta. A História se repete.

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