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Quem tem medo de Milei são as elites
| Foto: Reprodução

Andei conversando com uma amiga argentina – que, aliás, sempre votou na esquerda mas hoje está desiludida com a política – sobre a vitória acachapante de Javier Milei na eleição da semana passada.

Como se sabe, Milei ganhou em 21 das 24 províncias do país, colocando quase 12 pontos percentuais à frente do seu adversário Sergio Massa no segundo turno – e contrariando (quem poderia imaginar?) os institutos de pesquisa, que previam uma disputa apertada.

Segue um breve resumo do que minha amiga falou. Qualquer semelhança com a História recente – e talvez com a história futura – do Brasil não será mera coincidência.

Embora a mídia, como os institutos de pesquisa, tenha se esforçado muito para vender a narrativa de um segundo turno disputado voto a voto, na real mesmo os argentinos de esquerda mais emocionados já esperavam o resultado.

Por maior que fosse a convicção ideológica, em um contexto de desespero social só o masoquismo explicaria uma eventual vitória de Sergio Massa, o responsável direto, como ministro da Economia, por uma inflação superior a 140% ao ano.

A primeira conclusão da minha amiga é que, em uma democracia não-relativa, com uma mídia e um Judiciário razoavelmente isentos e com eleições minimamente limpas e transparentes, é a situação da economia, no final das contas, o fator que costuma decidir o resultado das eleições.

Ela observa, aliás, que na Argentina o voto é impresso, e que lá não existe TSE – mas, mesmo assim, o resultado da eleição saiu rapidinho. Dá o que pensar.

Na opinião da minha amiga, que tem lugar de fala, a vitória de Milei representa o esgotamento das duas grandes correntes que dominam a política argentina desde a redemocratização do país em 1983 – e, mais particularmente, desde a crise brutal que destruiu a economia argentina no final da década de 1990 – correntes representadas na última década pelo kirchnerismo e pelo macrismo.

Existe hoje na Argentina uma crise de representação, ela afirma: o cidadão comum não mais se reconhece nos partidos e políticos tradicionais, e há um sentimento geral de cansaço e desencanto com as promessas da esquerda.

O motivo é simples: a situação do país só piora, por qualquer critério. Ano após ano, eleição após eleição, a qualidade dos serviços públicos despenca, a violência aumenta, e o poder de compra dos salários e pensões se deteriora.

Lá como cá, as elites apoiaram em peso o candidato de esquerda, dos banqueiros e grandes empresários à grande mídia, dos intelectuais e acadêmicos aos artistas e influenciadores

Minha amiga acha que um processo parecido aconteceu no Brasil, até que o cansaço da população com as promessas dos políticos de esquerda levou à vitória de um candidato antissistema – e que mais tarde seria expelido pelo sistema (porque o sistema é bruto, companheiro).

Embora conserve a sua força na província de Buenos Aires, a esquerda argentina está hoje desacreditada, ela afirma, porque: primeiro, não entrega o que promete; segundo, carece hoje de liderança e de programa.

A esquerda argentina não entendeu que, para o cidadão comum não basta mais o discurso bonito da defesa da democracia, dos direitos humanos e da justiça social: ele quer ver melhorias concretas na sua vida cotidiana, quer poder trabalhar e viver com dignidade, quer que seus filhos recebam uma boa educação (e não doutrinação woke) nas escolas.

Por isso mesmo a maioria do eleitorado se identificou com o desprezo de Milei pelo sistema, pela casta política e pelas elites. “A casta tem medo”, aliás, foi um de seus slogans (ao lado de “Viva a liberdade, carajo!)

Hoje, na Argentina como no Brasil, é preciso ser muito ingênuo para acreditar que a esquerda ainda combate as elites: basta lembrar que, lá como cá, as elites apoiaram em peso o candidato de esquerda, dos banqueiros e grandes empresários à grande mídia, dos intelectuais e acadêmicos aos artistas e “influenciadores”. Ninguém soltou a mão de ninguém.

Quando algum tolinho progressista achava isso estranho, bastava dar a cartada da defesa da democracia e do combate ao fascismo que ficava tudo bem. No Brasil, aliás, essa cartada continua sendo usada diariamente, mas já dá sinais de exaustão.

Minha amiga pode estar enganada, mas ela acha que, no Brasil, por maior que seja a convicção ideológica, a narrativa do “nós contra eles” não será suficiente para dar sustentação a um governo durante quatro anos – ainda mais em um contexto de aumento generalizado da violência, de rombo fiscal, de queda de arrecadação e outros sinais crescentes de descontrole na economia.

Isso sem falar nas queimadas na Amazônia e no Cerrado, que batem recorde atrás de recorde, apesar do silêncio obsequioso dos Leonardos e das Gretas da vida (porque agora são queimadas do amor).

Minha amiga acredita que Milei representa o fim de um ciclo, e que depois dele nada mais será como antes na Argentina. Eu não sou tão otimista: acho que o risco de Milei ser expelido pelo sistema daqui a quatro anos ou menos é grande – mesmo que ele consiga arrumar a casa na economia, o que já será um grande desafio. O tempo vai dizer quem tem razão.

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