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Sobre Cuba
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As manifestações de protesto contra a ditadura iniciadas no dia 11 de julho são um acontecimento inédito na História recente de Cuba. Mas é prematuro afirmar que elas provocarão a queda imediata do presidente Miguel Díaz-Canel e o colapso do regime comunista que há décadas cerceia liberdades e impõe o medo no país – ou, ao menos, o início de uma transição negociada e pacífica para a democracia. Há outros desenlaces possíveis, bem menos felizes.

Manifestantes pedem liberdade e protestam contra a ditadura cubana<br />
Manifestantes pedem liberdade e protestam contra a ditadura cubana

Os protestos contra a falta de liberdade e a crise econômica, esta agravada pela gestão desastrosa da pandemia de Covid-19, com a falta de vacinas e a explosão do número de casos e mortes nos últimos dias (mas ninguém chama Díaz-Canel de genocida...), começaram em San Antonio de los Baños e se espalharam como um rastilho de pólvora por toda a ilha, em manifestações como as dos vídeos abaixo, compilados pela dissidente Yoani Sánchez:

O governo reagiu na base do cassetete. Mais de 5 mil pessoas já foram presas, e quase 200 estão desaparecidas. Um verdadeiro revolucionário, como se sabe, deve saber conviver com cortes frequentes de energia elétrica, escassez de alimentos, falta de produtos básicos nas gôndolas dos mercados e gente morrendo sem atendimento médico, além de aderir incondicionalmente ao pensamento único oficial. Todos os problemas devem ser patrioticamente atribuídos ao embargo comercial dos Estados Unidos, mesmo que Cuba seja livre para negociar com todos os outros países do planeta.

Como era de se esperar, no Brasil a reação da esquerda às manifestações foi passar pano: políticos, intelectuais e artistas acharam normal e até bonito o governo cubano cortar a internet da população, reprimir violentamente os manifestantes, confiscar celulares e invadir casas para prender pessoas que cometeram o crime de abrir a boca para reclamar. Prender ou coisa pior: já se fala em centenas de desaparecidos. Até mesmo a ONU se manifestou.

Imaginem qual seria a reação se o governo brasileiro determinasse o corte da internet em todo o país para coibir protestos da oposição. Mas, como a tirania cubana é “do bem”, a esquerda aplaude: o que são centenas de desparecidos diante da defesa da Revolução? Já no Brasil, onde jornalistas são livres para pregar um golpe ou escrever artigos desejando abertamente a morte do presidente, vivemos em uma ditadura. É impressionante o malabarismo intelectual.

Em Cuba impera hoje a lei da força. As ruas de Havana estão ocupadas por militares e policiais orientados pelo presidente a defender a Revolução a qualquer custo, inclusive o custo de uma guerra civil:

Mas o pior é que a repressão ao povo não é uma situação excepcional: já há décadas, todo e qualquer cidadão é permanentemente vigiado pelo Estado. O medo de ser denunciado pelo vizinho aos agentes de segurança por crime de opinião é um sentimento comum entre os cubanos.

Em 26 de junho, duas semanas antes do início dos protestos, um acontecimento rotineiro na ilha foi praticamente ignorado pela imprensa: o artista plástico cubano Hamlet Lavastida foi preso em sua casa, em Havana. Ele se encontra desde então detido na penitenciária de Villa Mariosta, que tem a fama de ser um centro de tortura de prisioneiros políticos. A prisão é conhecida pelo apelido de “O lugar onde todos cantam”. O crime de Lavastida: fazer críticas ao governo cubano durante uma residência artística em Berlim.

No começo de junho, outro dissidente cubano, Luiz Manoel Otero Alcántara, classificado como prisioneiro de consciência pela Anistia Internacional, denunciou que foi torturado durante um mês inteiro, período que passou trancado, isolado e incomunicável em um quarto do hospital Calixto García, em Havana. Segundo a ONG “Prisoners Defenders”, há hoje 199 presos políticos em Cuba, o maior número em 18 anos. O número real deve ser bem maior.

Uma frase recorrente entre os opositores do regime é “Teníamos tanta hambre que nos comimos el miedo”. A autoria é atribuída à dissidente cubana Yoani Sánchez – aquela que foi hostilizada por militantes petistas quando esteve no Brasil em julho de 2013. Vale a pena acompanhar o podcast de Yoani para se inteirar do que está acontecendo em Cuba.

A fome está fazendo os cubanos comuns engolirem o medo e saírem às ruas para protestar. É um ato que exige muita coragem. Não é como na terrível ditadura brasileira, onde você pode chamar o presidente de genocida nas redes sociais e depois tomar seu Toddynho jogando videogame no seu Iphone 11 ou assistindo ao canal no Felipe Neto no Youtube. Em Cuba é outro patamar: protestar pode custar a liberdade e até a vida.

Mas, como escrevi no início do artigo, é prematuro comemorar. A ditadura comunista de partido único não está no poder há mais de 60 anos à toa: o aparato de propaganda, espionagem interna e repressão impiedosa – incluindo tortura física e psicológica a dissidentes – é imenso e sofisticado.

Basta olhar para a Venezuela, onde recentemente se acreditou que o regime de Nicolás Maduro tinha chegado ao fim. O que se viu, na verdade, foi o prolongamento da agonia do povo venezuelano, com cada vez mais gente catando comida no lixo, e o endurecimento da repressão, com perseguições e prisões políticas sendo feitas às claras. Em Cuba o risco de se repetir um processo semelhante é grande: após o surto de revolta, as coisas voltarem ao “normal”, à rotina de miséria e silêncio amedrontado. Espero estar enganado.

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