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Operação resgata 32 turistas que faziam trilha no Pico dos Marins
Operação resgata 32 turistas que faziam trilha no Pico dos Marins| Foto: Divulgação Corpo de Bombeiros

Na semana que passou, o Corpo de Bombeiros resgatou um grupo de 32 turistas que faziam uma trilha no Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira. Eles estavam acampados e foram surpreendidos, na madrugada, por um temporal que arrastou as barracas. Isolado em uma região de terreno acidentado e sob forte chuva e ventania, o grupo acionou os bombeiros, e a operação de resgate foi bem sucedida. Ninguém ficou ferido, todos voltaram para casa em segurança.

Duas coisas me chamaram a atenção nesse episódio, até certo ponto banal. Primeiro, ele sinaliza a nossa dificuldade para aceitar e administrar riscos, sobretudo quando lidamos com forças da natureza. Vivemos em uma ilusão de segurança e controle que é frequentemente desafiada e confrontada por acidentes desse tipo – e, simplesmente, não aceitamos quando esses acidentes acontecem.

Acho que temos uma tendência a teimar em testar a sorte. Em alguma medida, somos todos negacionistas na nossa relação com as tragédias, naturais ou não. Mas a dura realidade é que a natureza é indiferente às nossas crenças, ilusões, expectativas e convicções – como acaba de ficar demonstrado, aliás, no trágico acidente no lago Furnas, em Capitólio, MG.

Por maiores que sejam as precauções, nada impede que, de um momento para o outro, uma tragédia, individual ou coletiva, aconteça. Faz parte da nossa condição no mundo, mas custamos a compreender e aceitar isso.

Colocar os pés para fora da porta de casa já implica alguma dose de risco – e às vezes nem é preciso sair de casa. Por óbvio, fazer uma trilha em uma montanha de 2.400 metros envolve riscos muito maiores, como qualquer coisa que se aproxime de uma aventura. Isso torna necessário uma grande dose de responsabilidade e preparo por parte dos guias, naturalmente, além de um protocolo de segurança que precisa ser cumprido. Segundo as informações divulgadas, é provável que tudo isso tenha faltado, mas é difícil jugar sem conhecer os detalhes.

A internet virou um grande Coliseu, onde o prazer da plateia é ver pessoas sendo atiradas às feras. Fica todo mundo na expectativa de saber qual vai ser a próxima oportunidade de ostentar virtude destruindo a vida dos outros

Contudo, isso não muda o fato de que qualquer pessoa que espontaneamente se dispõe a fazer uma trilha como a do Pico dos Marins sabe que a experiência envolverá imprevistos – e será diferente de ficar no quarto jogando videogame.

Quem gosta de aventura gosta justamente de enfrentar e superar riscos. Eu, por exemplo, prefiro ir à praia ou ficar em casa lendo a escalar uma montanha sob chuva, mesmo sabendo que jamais experimentarei a adrenalina e as emoções de quem prefere escalar a montanha. Cada um na sua.

Pois bem, a segunda coisa que me chamou a atenção foi a cobertura do episódio pela grande mídia. Desde o primeiro momento, rigorosamente todas as matérias sobre o caso vêm apresentando o guia (ou “coach”) não como o fanfarrão que parece ser, mas como um bandido, quase um assassino que teria colocado deliberadamente o grupo de trilheiros em risco de morte. Já vasculharam sua vida pregressa, e ele está sendo acusado e desqualificado na mídia até mesmo por oferecer um curso motivacional de “quase R$ 3 mil”, com um ano de duração, como se isso fosse um crime.

Fico pensando: 20 anos atrás, episódios semelhantes dificilmente se transformariam em pretexto para linchamentos virtuais. O tom das reportagens teria sido de alívio pelo sucesso da operação de resgate. Os bombeiros entrevistados recomendariam às pessoas que tomassem mais cuidado para prevenir acidentes, não entrariam em bate-boca virtual ostentando virtude.

Mas hoje não: no episódio em questão, os jornalistas, os leitores que comentam as reportagens e os próprios bombeiros parecem sentir um inegável e estranho prazer em esfolar o guia da trilha. É o Cristo da vez. Na semana que vem, será outro. A compulsão das pessoas para apontar o dedo e condenar em julgamentos sumários só aumenta.

Parece que a internet virou um grande Coliseu, onde o prazer da plateia é ver outras pessoas sendo atiradas às feras. Fica todo mundo na expectativa de saber qual vai ser a próxima oportunidade de ostentar virtude destruindo a vida dos outros. Nem é o caso, mas quanto mais famoso e bem-sucedido for o alvo, melhor – porque, para os ressentidos de plantão, dá mais prazer ver uma estrela cair do que uma estrela brilhar.

O problema, ressentido de plantão, é que amanhã o atirado às feras pode ser você. Quando mais não seja, pelo simples fato de que todo mundo erra. Lembre-se do clichê que diz que, quando você aponta um dedo para o outro, outros três dedos ficam virados para você.

Estamos virando uma sociedade de linchadores “do bem”. Nada de bom pode vir daí.

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