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Fábrica de medicamentos recombinantes da Hemobrás em construção, em Goiana (PE)
Fábrica de medicamentos recombinantes da Hemobrás em construção, em Goiana (PE)| Foto: Divulgação/Hemobrás

No final do próximo ano, 20 anos após o governo Lula anunciar a criação da Hemobrás, será concluída a fábrica de hemoderivados, em Paulista (PE). Na mesma data e no mesmo local, será concluída também a fábrica de recombinantes, que teve o início das obras civis em 2021, sob responsabilidade da multinacional Shire, com investimentos de US$ 250 milhões da empresa privada. A diferença nos prazos de construção mostra a inoperância da administração pública federal, que já investiu R$ 2 bilhões no projeto (em valores atualizados).

A intenção do governo Lula em 2003 era reduzir a vulnerabilidade científica e financeira do Brasil frente ao mercado internacional, controlado por quatro grandes multinacionais. A Hemobrás seria a maior fábrica de hemorerivados na América Latina, com capacidade de processar 500 mil litros de plasma por ano. Estaria pronta em apenas três anos, ao custo de US$ 65 milhões. A estatal foi criada por lei em 2004.

Mas fraudes em licitações, paralisação nas obras e até a prisão do presidente da estatal em operação da Polícia Federal atrasaram muito o cronograma de implantação da fábrica. Com 204 funcionários e despesa de pessoal e dirigentes de R$ 60 milhões aprovada para este ano, a Hemobrás atualmente compra e fornece ao Ministério da Saúde hemoderivados e recombinantes produzidos por grandes multinacionais – como ocorria antes.

Em 2007, a estatal firmou contrato para transferência de tecnologia com o Laboratoire Français du Fractionnement et des Biotechnologies (LFB). O acordo visava o atendimento de portadores de hemofilia, aids, câncer e imunodeficiências. Seriam produzidos medicamentos como albumina, imunoglobulina e fator VIII.

Mas já em 2009 o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades graves na licitação para as obras da planta industrial, como restrição à competitividade e preços acima do mercado. A licitação foi anulada e a construção sofreu mais dois anos de atraso. As obras da primeira etapa da fábrica de hemoderivados foram iniciadas em abril de 2011, já no governo Dilma.

Seria preciso mais uma fábrica

A Hemobrás percebeu, somente em 2012, que precisaria de uma segunda fábrica, para produzir o fator VIII recombinante – obtido por engenharia genética, dispensando o uso do plasma como matéria-prima. Fechou, então, uma parceria com a Baxter Internacional, em dezembro de 2018. A parceria incluiu o fornecimento do medicamento pela Baxter – depois adquirida pela Shire – até que a Hemobrás consiga incorporar a tecnologia e produzir o medicamento, processo que deve durar uns 10 anos.

Em setembro de 2016, antes do início da segunda fábrica, o TCU apontou novos indícios de irregularidades graves no contrato firmado em 2011, para a fábrica de hemoderivados. O tribunal estava para determinar a paralisação da obra. A Hemobrás fez novas licitações para a retomada da construção, que havia atingido execução física de 70% no final de 2016.

A transferência de tecnologia do LFB foi paralisada em 2016, em função de atrasos na construção da fábrica, culminando na desmobilização do laboratório. Em junho de 2019, com a retomada das obras na fábrica de hemoderivados, iniciaram negociações para a retomada da transferência de tecnologia pelo LFB, o que resultou na assinatura de um termo aditivo em julho de 2020. O Plano Anual da Hemobrás registra que, a partir de março deste ano, “a empresa está apta a retomar, em novas bases, as atividades necessárias para a conclusão da transferência de tecnologia”.

Os projetos básico e conceitual da fábrica de recombinantes foram iniciados em janeiro de 2019, já no governo Jair Bolsonaro, resultando no início das obras civis em agosto de 2021. O blog lembrou à Hemobrás que as duas fábricas estarão concluídas na mesma data, embora uma delas tenha iniciado muitos anos depois da outra.  E perguntou quais os motivos do atraso na construção da fábrica de hemoderivados. “O consórcio contratado à época faliu”, respondeu a estatal.

Quando ficarão prontas?

A fábrica de hemoderivados se encontra com 81,3% de conclusão, afirmou a Hemobrás ao blog. Acrescentou que as obras civis foram completamente concluídas e, em 2022/2023, "estão avançando as obras relacionadas ao acabamento farmacêutico – como conclusão das salas limpas e instalação dos equipamentos de produção. Com a conclusão da incorporação de tecnologia para produção de hemoderivados, o Brasil poderá produzir completamente em solo nacional medicamentos com escassez global e de alto custo como a imunoglobulina, medicamento este que já é fornecido ao Sistema Único de Saúde (SUS) pela Hemobrás, por meio de parceria".

Questionada quando a fábrica estará pronta, a estatal afirmou: "Com relação a infraestrutura, incluindo instalação dos equipamentos para produção, em 2023, e com a validação dos processos pelos órgãos competentes, em 2024".

Sobre os investimentos privados na fábrica de recombinantes, a Hemobrás afirmou: "Até o momento, o parceiro de tecnologia executou investimento de 112,1 milhões de dólares e está executando, por meio de contratos já celebrados, mais cerca de 116 milhões de dólares. Esta Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) é a única no Brasil que contempla investimentos privados. Destacamos ainda que o desempenho desse projeto é auditado trimestralmente de forma independente por empresa internacional, com resultados excelentes".

A estatal informou ainda que a execução físico financeira da fábrica de recombinantes se encontra em 90%. Quando estará pronta? "Ainda este ano de 2022, toda a parte de infraestrutura, e os acabamentos farmacêuticos até março de 2023", disse a Hemobrás.

Maços de dinheiro pela janela

Mas a maior crise da estatal ocorreu em dezembro de 2015. O presidente da estatal, Rômulo Maciel, nomeado por Lula e reconduzido por Dilma Rousseff, chegou a ser preso na Operação Pulso, da Polícia Federal. Durante as buscas e apreensões em Recife, maços de dinheiro foram jogados do edifício onde morava Maciel, que foi afastado do cargo.

As fraudes ocorriam nos contratos para a construção da fábrica e de logística de plasma e hemoderivados. A Polícia Federal apurou indícios de que parte do dinheiro teria financiado campanhas políticas no Nordeste. Maciel retornou ao cargo após Tribunal Regional Federal (TRF) na 5ª Região. Mas foi afastado da presidência no dia seguinte pelo então presidente da República, Michel Temer.

A Operação Pulso apurou mais um prejuízo – amostras de sangue que deveria ser transformado em medicamentos contra a hemofilia e outras doenças ficaram inutilizadas por terem sido armazenadas de forma inadequada. O Relatório Administrativo de 2016 da Hemobrás informa que 85 mil bolsas “sofreram excursões de temperatura no transporte”. A estatal concluiu pela não utilização do plasma para a transformação em hemoderivados.

Auditoria independente da Hemobrás informa que as investigações continuam sob condução da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Em 2017, a estatal instituiu seis Processos Administrativos Disciplinares decorrentes de recomendações de entidades externas – Controladoria-Geral da União (CGU), TCU, MPF e Polícia Federal – ou da Auditoria Interna. Em 2017, o ex-presidente, que estava afastado, renunciou ao cargo.

Em 2018, houve o julgamento em primeira instância do primeiro processo. Como desdobramento da operação, o MPF-PE apresentou nova denúncia referente a outro processo investigado na Operação Pulso, que teve o início do julgamento, em primeira instância, no exercício de 2021. No primeiro trimestre de 2022, não houve outros fatos relacionados à Operação Pulso. A Hemobrás informa que continua acompanhando as investigações e colaborando com as autoridades competentes.

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