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Abstinência sexual
| Foto: Divulgação

Abstinência sexual. O termo é horroroso. Vibrações evangélicas. Repressão sexual. Todo inteligentinho que acha os anos 1960 o máximo tem alergia a isso. Com relação aos evangélicos, ter preconceito contra eles é quase um pré-requisito pra ser aceito nos clubes dos chiques, dos descolados e dos inteligentes.

A ministra Damares pode vir a ser a segunda presidenta (risadas?) do Brasil. Acho que, se isso acontecesse, os chiques, descolados e inteligentes entrariam em combustão. Falar em sexo sempre dá pau.

A verdade é que, tecnicamente, a ministra Damares tem razão. Não por qualquer razão ligada ao pecado, mas sim porque, como aprendíamos na faculdade de medicina nos anos 1980, adiar a entrada na vida sexual, principalmente das meninas de classes sociais vulneráveis, é uma ferramenta comportamental de grande uso para evitar gravidez indesejada, violência contra a mulher, filhos abandonados que migram para o crime e outros quebrantos.

Concordo que é sempre péssimo a convergência entre religião, Estado e política em geral. Apesar de que o socialismo é uma religião pra muita gente que se diz laica. Assim como o mercado para muitos liberais mal formados. Mas a ingerência de grupos religiosos no Estado é ruim mesmo. Quem deveria pregar a abstinência?

Entretanto, diante da falência generalizada do Estado brasileiro, a cultura evangélica tem salvado vidas. O descoladinho, bem-nascido, pode achar isso coisa de ignorante, mas, no caso aqui, o ignorante é o descoladinho.

Religiões são ferramentas poderosas de organização da vida. Já tive alunas que contaram em sala de aula suas histórias de como seus pais evangélicos as mantiveram longe do destino comum de suas amigas no bairro: engravidar aos 14 ou 15 anos do menino traficante mais popular do bairro. Que logo seria assassinado e a deixaria com uma barriga sem pai.

Semana passada eu dizia que a moral nunca é original. Pobres de espírito não entendem isso porque confundem moral com um lançamento novo de desodorante. A moral, em matéria de filhos, é, basicamente, cuidar, cuidar, cuidar. Prova disso é que os millennials narcisistas não querem ter filhos porque querem saber de antemão pra onde irão no Réveillon sem se preocupar com os pentelhos.

Qualquer um que tenha filha sabe que deve cuidar pra que ela não entre na vida sexual de forma irresponsável. É que os descoladinhos gostam de fingir que não. Claro que quem tem filhos também se preocupa.

Hoje em dia o mundo é tão chato que, quando falamos de coisas que terminam em "a" ou "o", é necessário escrever mais 20 páginas pra explicar o que queremos dizer. A semântica de gênero tornou-se retardada. O fato é que meninas engravidam e meninos, não. E isso não é uma questão de gênero.

Os evangélicos entregam algo bem longe de qualquer moral original. Lembre-se: a moral nunca é original. A vida é, basicamente, trabalhar, cuidar, pagar boletos, às vezes férias, ter amizades para o fim de semana, adoecer e conseguir ter acesso a médicos.

Os evangélicos entregam vida em família, rede de solidariedade, parceria econômica e de trabalho, programa de fim de semana, namorados e namoradas que você conhece a família e alimento espiritual.

O descoladinho, provavelmente bem-nascido, que vive em algum bairro chique da zona oeste ou sul, deve achar esse alimento espiritual junk food, e o seu tipo de budismo light melhor, porque não engorda. Mas a verdade é que o budismo light do descoladinho só serve pra deixá-lo em forma física. A entrega dos evangélicos é mistura pura. Feijoada de sábado. Mocotó. Aquilo que o descoladinho brinca de comer na zona norte.

Enquanto se berra ao redor das palavras da ministra Damares (ver Jesus na goiabeira dá medo mesmo...), as pesquisas de comportamento mostram a queda da atividade sexual entre os mais jovens.

A abstinência sexual está pegando não por conta da proposta dos evangélicos somente. Está pegando por conta da medicalização, da depressão e do medo que assola os mais jovens, enquanto a caravana descoladinha come ceviche orgânico.

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