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O pior é saber que, um dia, os adeptos da cultura do cancelamento perceberão quão insuportável é viver num mundo sem risco.
| Foto: Pixabay

O marketing é a nova forma de censura. Essa função já foi da religião, de Estados totalitários, de castas sanguíneas. Hoje, o marketing, que já é a ciência primeira no ordenamento de conteúdo do mundo, exerce a função de censura social, política e de mercado. As redes sociais são seu braço “científico” e apresentam uma eficácia jamais vista por censores de eras anteriores. Qual órgão de censura teve em mãos tamanha métrica do que deve ou não seguir existindo?

A tão falada liberdade de expressão, na própria mídia, logo será esmagada pelas preferências dos seguidores que implicam patrocinadores e fidelização de consumidores. Liberdade de expressão cada vez mais se revelará um fetiche do espaço público. O que importa são as pesquisas de opinião. Sua majestade, o consumidor, decide conteúdos, edições, feiras literárias, e também o próprio futuro do pensamento público.

Ao lado das quantidades aparentadas aos rebanhos (quantidades essas medidas em compartilhamentos e número de seguidores), os grupos e pessoas de alto impacto (sua majestade, o YouTuber), nesses mesmos rebanhos, decidirão quem ganhará patrocínio, quem manterá o emprego, quem perderá o espaço de trabalho e quem será bacana ou cancelado.

Lugar de fala é nada mais do que a luta por reserva de mercado

O segmento das escolas é um dos mais devastados pela censura do marketing. Tendo seu mercado a cada dia mais reduzido (só tem mais de um filho quem não tem outra opção de vida) e, portanto, tendo de competir de forma cada vez mais violenta, as escolas, cujo epicentro pedagógico hoje é a economia da autoestima, devem prometer e entregar aos pais alunos cada vez mais infantilizados.

Na fúria por fidelizar os pais, seus clientes, as escolas proíbem qualquer reflexão que não seja um reforço a favor da transformação das escolas em usinas de autoestima. Os pais esperam que as escolas farão (on-line e off-line) de seus filhos engenheiros de IA (inteligência artificial), abraçadores de árvores e defensores de causas bacanas, apesar de os levar ao psiquiatra a partir dos 5 anos de idade.

A conhecida literatura de autoajuda e motivacional “evoluiu” em paradigma de visão de mundo e de conteúdo, constituindo-se em marketing de comportamento: só se deve pensar aquilo que faz todo mundo se sentir bem. No mundo corporativo, isso já é fato há muito tempo: só se deve falar aquilo que faz os colaboradores se sentirem legais, apesar de, a cada palestra sobre inovação, as pessoas com mais de 40 anos já saberem que têm os dias contados. Se a “nota de corte” antes era 50 anos, agora é 40 e logo será 30. O caráter repressivo do marketing vem empacotado para presente. Envolto numa linguagem empática, descolada e “milênia”, sua natureza não está muito distante da velha política de pão e circo.

O caráter repressor do marketing avança no seu processo de censura, atingindo níveis sofisticados que tocam mesmo o debate público acerca do “mercado epistêmico”. As políticas identitárias são uma das suas formas mais “belas”. Em breve, pessoas de identidade X serão demitidas para que pessoas de identidade Y assumam suas funções. O próprio conceito de “lugar de fala” visa, mesmo que ainda de forma velada, o marketing como instrumento de censura. “Lugar de fala” é, na forma de mercadoria, nada mais do que a luta por reserva de mercado.

As universidades são as primeiras a cair sob a censura do marketing identitário e as redações as seguirão em massa. Quem em sã consciência encara um debate público hoje acerca das políticas de identidade sem que corra o sério risco de perder empregos, seguidores ou patrocínios? E ainda corre o risco de ser, de forma mau caráter, enquadrado como um boçal bolsominion.

Esquerda e direita hoje são fruto do capitalismo como a Coca-Cola e o iPhone. A direita garante o mercado dos psicopatas, ressentidos que não comem ninguém, e a esquerda avança para ampliar seu “lugar de fala” na bolsa de valores. O debate público logo será totalmente escravo do tráfego positivo ou negativo das redes sociais. A censura do marketing será plena. Talvez, finalmente, tenhamos chegado ao fim da história.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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