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Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

O que o centrão quer?

Para o centrão, o que vale é estar no barco de quem comanda o dinheiro, dinheiro, dinheiro" (Foto: Joel Santana/Pixabay)

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O que o centrão quer? Resposta rápida: comandar grandes esquemas de corrupção, rachadinhas e rachadonas, controle do orçamento, nomeações para cargos em estatais, controle de agências reguladoras, fundo eleitoral farto e, é claro, muitas emendas parlamentares.

Mas não termina por aí. Querem representar grandes interesses econômicos e políticos mediante alguma troca que valha bilhões. Em suma, o centrão quer manter o comando do sistema.

Há alguma visão ou proposta para o país? Não. Há alguma vontade de promover reforma institucional? Não. Buscam eficiência na administração pública? Não. Querem combater a corrupção? Claro que não.  

Na discussão de orçamento percebem-se todos os intentos com muita clareza. Os parlamentares do centrão querem sempre controlar gastos na área de Saúde e de verbas eleitorais, enquanto os parlamentares da esquerda buscam controle do orçamento na Educação e para planos assistencialistas.

Por que será? Comandar desvios e assegurar doutrinação. Ninguém acredita que os parlamentares do centro ou da esquerda tenham de fato o conhecimento superior, ou a intenção virtuosa para garantir as melhores políticas.

Emendas Parlamentares em ação

Essa semana foi votada a lei de orçamento. Ocorreu uma alocação recorde para emendas parlamentares.

Na Constituição, a função dos deputados federais, estaduais e dos vereadores é legislar e monitorar o Poder Executivo, mas com o domínio do Centrão, aqueles que deveriam ser legisladores tornaram-se um grupo de não-entidades, cujo apoio está à venda e que, por sua vez, quer dinheiro público para comprar votos dos eleitores.

O vício desses parlamentares criou raízes na sociedade, pois condicionou o eleitor a vender seu voto também.

Ideologia? Esquerda ou direita? Para esse grupo, isso é besteira. Eles não representam ideologias. É a busca de dinheiro e orçamento para enriquecer, favorecer o que garante sua reeleição e preservar esse círculo vicioso 

Assim, a questão da defesa de ideias e valores, que deveria nortear o país, foi pervertida, e esse desvio de função e de conduta foi causado pelo primeiro elo dessa corrente, as emendas parlamentares. 

Mas por que seria necessário comprar esses votos? Temos mais um elo: o sistema eleitoral.

Voto proporcional

O sistema eleitoral proporcional gera fragmentação política no parlamento, forçando a composição. Ele foi criado para isso e é fortemente defendido por partidos de esquerda desde o século 19. O resultado desse arco-íris partidário, por um lado, garante que todos terão seu lugar ao sol; e, por outro, impede que se forme a governabilidade. 

No Brasil, isso significa alto risco de impeachment para o presidente, não importa qual. Os maiores partidos nem chegam perto dos 50% de deputados na Câmara, no máximo obtém 10% ou 15%, e estão longe de conseguir proteger o Poder Executivo de um possível impeachment. 

As emendas parlamentares individuais servem para comprar votos dos parlamentares e atingir a governabilidade, compondo uma maioria corrupta em prol de quem está com a caneta e a arrecadação, o poder executivo, e, ao mesmo tempo, reduzindo o risco de impeachment do mesmo. 

Foco na consequência e não na causa

As emendas são usadas para o Poder Executivo conseguir conviver com um problema criado pelo sistema eleitoral. E como não se discute mudar o sistema eleitoral, causam-se outros problemas. Quais?  

A função do parlamentar não é alocar emenda parlamentar, fazer uso direto dos recursos, pois essa alocação já deveria estar prevista no processo de discussão orçamentária, incluindo todas as nuances e granularidades de alocações regionais e sub-regionais.

Em outras palavras, as bancadas de estados e as bancadas temáticas são mais adequadas para discutir alocações que os deputados federais individualmente.

Melhor do que isso seria repassar integralmente os recursos das emendas para os estados ou diretamente para as cidades de forma proporcional ao arrecadado. Isso reduziria a necessidade de compra direta dos deputados, pois os recursos para estados e cidades estariam sendo contemplados com competências mais próximas dos problemas locais.  

Em suma, as emendas causam uma perversão constitucional em vários eixos.

O centro na Europa

Em contraste, o Centro presente na Europa se pauta mais em visões ideológicas, de escolha de políticas públicas e de relações exteriores.  Há toda variação de partidos: extrema-esquerda, centro-esquerda, centro-direita e extrema-direita. A diversidade partidária na Europa reflete mais precisamente a diversidade de opinião pública e a adesão ao que representam. 

Na Europa, a maioria dos países não tem emendas parlamentares individuais, como no Brasil. Na maioria dos parlamentos europeus ocidentais, as emendas não são recorrentes e, quando ocorrem, estão sujeitas a regras extremamente restritas para evitar individualismos e desvios.

A consequência disso é que o acesso a dinheiro deixa de ser relevante. Na ausência desse aspecto, parlamentares e partidos se fortalecem, ou enfraquecem, por suas distinções ideológicas e propostas e não no acesso a recursos para compra de votos.  

O centrão tupiniquim é diferente. Ele se molda ao governo que comanda o orçamento, indiferentemente se o governo é de esquerda ou de direita

O que vale é estar no barco de quem comanda o dinheiro, dinheiro, dinheiro... Por isso, o posicionamento ideológico dos partidos de centro no Brasil não significa nada.

O centro nos EUA

O centro nos EUA é contido dentro dos dois partidos majoritários: republicano e democrata. Apesar de o sistema político ser dominado por esses dois partidos, isso não representa que a diversidade de opiniões tenha sumido.

Ou seja, o partido republicano abriga todas as vertentes de opiniões que compõem a direita, desde libertários a nacionalistas, enquanto o partido Democrata abriga todas as vertentes da esquerda, desde social-democratas a stalinistas. Mas, como ambos os partidos fazem primárias com seus filiados para selecionar seus quadros representativos, há pouca dissidência para outros partidos.   

Outro ponto a se destacar é que nos Estados Unidos existe voto distrital, o que cria maioria naturalmente. Ou seja, quem ganha, leva. Diferente dos sistemas proporcionais, em que o ganhador é quem sabe compor e se contentar em levar só uma parte. Por isso, quem cria o centrão é o sistema eleitoral proporcional.

A composição

Na Europa, à exceção da França e Inglaterra, os demais países têm sistemas proporcionais ou híbridos (distrital e proporcional juntos). Na maioria dos países com o voto proporcional, há tradição de composição, mas como não há emendas parlamentares individuais, a compra de votos é praticamente inexistente e há mais incentivos para formação de alianças transparentes e propositivas.  

Já deu para perceber que uma coisa é compor com os partidos de centro na Europa e outra coisa é compor com os partidos do centrão no Brasil.  

De qualquer forma, não é vitória plena. Por isso, em países com voto distrital, como nos EUA, Inglaterra, Canadá e França, é mais fácil atingir a governabilidade. Nesses países, é menos necessário fazer concessões.

Jabuticaba

Essa dinâmica precisa ser bem compreendida, porque no Brasil não há nem um, nem outro sistema. Fizemos uma cópia errada do modelo presidencialista norte-americano, e optamos por um modelo eleitoral mais comum na Europa com sistemas parlamentaristas. Digamos que o Brasil adota um sistema político esquizofrênico.

Em contraste, no entanto, Europa e Estados Unidos estão mais coerentes dentro de seus sistemas, diferentemente do Brasil, que continua dando seus primeiros passos na organização política.

Caminho para mudança

Para que esse cenário mercenário mude, será preciso quebrar essa corrente. Acabar com as emendas individuais é um começo. Mas o problema do voto proporcional vai perdurar, e toda a miríade partidária estará representada. Portanto, esse também precisa ser reavaliado e eu sempre sugeri o voto distrital.

Também não adianta mudar para um sistema parlamentarista, sem antes enfrentar esses dois temas, pois dificilmente se alcançará a governabilidade. Mesmo com o modelo parlamentarista, o voto proporcional não permite se consolidar uma maioria.  Em suma, países parlamentaristas com o voto proporcional vivem em eterna frustração.  

Isso ocorre porque, para a formação de governo, muitos primeiros-ministros conservadores, por exemplo, acabam atendendo demandas de centro-esquerda para sobreviverem politicamente, e vice-versa. 

Esse debate, pelo menos, já começou. O propósito deste artigo é de popularizar o tema, para a sociedade organizada não ficar de fora e depois ser surpreendida por decisões de partidos que condenam.  Não debater não é opção, mesmo que o assunto não seja popular atualmente.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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